Um grupo de opositores de comprovada trajetória dentro e fora de Cuba, entre eles Guillermo Fariñas, Antonio Rodiles e Camila Acosta, tentam levar o debate à necessidade de destinar o fundamental de nossos escassos recursos a criar um movimento opositor forte e estruturado, de massas, no interior do país.
Sejamos claros. Se mais de quatro décadas de oposição pacífica dentro de Cuba demonstraram alguma coisa, foi a impossibilidade de articular um movimento opositor de massas no seu interior. Quem levou anos na oposição interna sabe o que acontece quando você decide pôr as mãos à obra: te rodeiam de agentes secretos da Segurança do Estado, não só para monitorar cada passo e plano seu, mas, sobretudo, para promover sutilmente as diferenças dentro do teu movimento, multiplicar as suspeitas mútuas, impossibilitar um acordo dentro dele e, finalmente, provocar sua implosão; chamará para contar cada novo indivíduo não apenas que se junte ao movimento, mas que mostre sinais de disposição para fazê-lo, o assediarão ou às pessoas ao seu redor, o expulsarão de seu emprego, negarão a licença para assumir uma empresa privada… até fazê-lo desistir e se afastar; por último, se insistir ou começar a ter algum êxito em seu objetivo, focarão em ti, organizador, limitarão sua liberdade de movimento ou até mesmo te prenderão, se não aceitar o exílio.
Cuba ainda é uma ditadura totalitária, com eficientíssimo sistema de repressão profilática. Mesmo nas Democracias Populares, essa forma diluída de totalitarismo da Europa Oriental, onde o nacionalismo e o socialismo iam em direções contrárias, sendo este último uma imposição do Exército Vermelho, onde outros partidos eram permitidos, a polícia secreta nunca foi muito leal e nem muito eficiente – não sou eu que digo, mas os relatórios da KGB –, os pequenos negócios eram amplamente permitidos desde a década de 1960… mesmo lá, só no caso polonês havia condições para o surgimento de um movimento opositor articulado, de massa, ao redor de um sindicato e da poderosa Igreja Católica. Em todos os demais países, foram as elites governantes que cederam aos primeiros movimentos espontâneos nas capitais do Leste Europeu, surgidos após a renúncia expressa de Gorbachev para intervir em sua esfera de influência.
Imaginar um movimento opositor articulado, de massa, dentro de Cuba, capaz de levar adiante ações de massa, planejadas e coordenadas, enquanto impere o totalitarismo e, em específico, o controle da Segurança do Estado e a disposição de todas as instituições armadas de reprimir quando recebem a ordem, é só um sonho.
Por outro lado, deve-se observar que o provável surgimento desse movimento de massa, com uma liderança clara, não é tampouco necessariamente o início do fim do regime. Venezuela e Nicarágua demonstram isso. A realidade é que, dado o grau de controle social ao qual o estado contemporâneo pode ter acesso facilmente, é cada vez mais difícil derrubá-lo “de baixo”. Na Europa Oriental, como mencionado acima, foi a decisão de Moscou, e a posterior divisão e renúncia das elites governantes em lutar, que derrubou os regimes socialistas totalitários.
Em Cuba, entretanto, as condições são muito distintas às da Europa Oriental. Como já observamos, nessas nações o socialismo foi na direção contrária do nacionalismo, uma ideologia sempre mais atraente para o coração humano. Aqui, ao contrário, desde a Revolução de 1933, nos imaginários políticos, intelectuais e populares, o socialismo foi identificado como indispensável para manter um estado nacional com o alto grau de independência política e soberania a que nosso nacionalismo sempre aspirou, desde que tomou emprestadas suas ideias de independência e soberania de ninguém menos que o isolacionismo americano do século XIX.
Não se engane, é mais provável que o regime seja derrubado por movimentos espontâneos, e não por pré-coordenados, de massas. A comparação entre o 11J e o 15N demonstra isso: o movimento preparado não chegou a colocar um indivíduo nas ruas, enquanto o movimento espontâneo arrancou, por algumas horas, o controle das ruas do regime.
Enquanto o regime não se atrever a iniciar o que um setor da oposição, e quase todo o exílio, desqualifica como uma mudança “fraudulenta”, uma mudança que relaxe a eficiência de seu sistema repressivo profilático, seja por necessidade de lavar o rosto ao passar a uma repressão mais convencional, “pós-fato”, ou porque as medidas tomadas implicam um relaxamento ideológico dos repressores e em suas relações de fidelidade ao poder central – já ocorre –, a oposição interna só pode ter as seguintes funções: desviar parte da nossa atenção do regime e, assim, dar oportunidade a movimentos espontâneos surgidos do setor que não assumiu uma atitude política opositora transparente; servir de exemplo e fermento moral, como pessoas que vivem “na verdade” e não na mentira do governo, como dizia Václav Havel; tentar organizar as massas em caso de levantes espontâneos, para convertê-las em movimentos políticos eficientes, capazes de tomar o poder; apoiar, ou ao menos não dirigir o essencial dos ataques às propostas reformistas de dentro do regime.
O esforço para organizar esse movimento ideal e sonhado dentro de Cuba deve ser mantido. Mas não como a direção principal de nosso ativismo e o destino prioritário dos escassos recursos. Só para manter o ativismo vivo dentro da ilha, ademais de distrair a atenção do aparato de vigilância do regime das muitas tendências ao pluralismo, que se desenvolvem profundamente na sociedade cubana de hoje.
Autor
Graduado do Curso de Formação Literária do Centro Onelio Jorge Cardoso e do Curso de Formação Sócio-Política do Instituto Superior de Ciências Religiosas a Distância San Agustín, da Univ. Católica de Valência San Vicente Mártir.