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Cuba, outra vez na rua

Neste mês de março, outra onda de protestos foi desencadeada no país. E, apesar das prisões e ameaças do governo, as reivindicações dos cidadãos continuarão e mais lemas aparecerão, porque todos os dias há novos motivos para gritar.

“Olá, levaram meu filho. Não sei o que fazer”. É uma das mensagens que chegam regularmente ao WhatsApp do Justicia 11J, um programa da Iniciativa para la Investigación y la Incidencia A.C., uma organização da sociedade civil especializada em direitos humanos. É uma mensagem que, com pouquíssimas palavras, reflete o medo e o desespero diante das detenções arbitrárias que ocorrem em Cuba em relação a manifestações pacíficas no espaço público.

Neste mês de março, outra onda de protestos foi desencadeada no país. O mês ainda não terminou, e já houve ao menos 40 eventos de protesto de diferentes magnitudes e tipos de ação. 24 municípios em 12 províncias viram ou ouviram o descontentamento social, econômico e político de cidadãos que não podem ou não querem mais tolerar a ditadura. 

Os protestos em Bayamo (Granma), a Carreta del Morro, o Distrito e El Cobre (Santiago de Cuba) e Santa Marta (Matanzas), nos dias 17 e 18, são apenas os picos midiatizados das expressões de protesto desde semanas atrás, que também deixaram um saldo de vítimas. Houve gritos de ” Comida e remédios”, ” Temos fome”, pela restauração do serviço de energia elétrica – novamente em crise – e também pedidos para acabar com a raiz do mal; foram ouvidos slogans de “Liberdade”, “Pátria e vida”, “Abaixo a ditadura”, “Abaixo o comunismo” e “Abaixo Díaz-Canel”.

Em contraste com os numerosos relatos de detenções recebidos por Justicia 11J de parentes de manifestantes da explosão social de julho de 2021 e dos subsequentes picos de protestos de 2022, poucas pessoas compartilharam informações sobre desaparecimentos forçados de curto prazo e detenções arbitrárias em relação às manifestações de março. Embora tenhamos recebido relatos de dezenas de pessoas que agora podem estar atrás das grades nos centros de instrução ou nas próprias prisões, até a manhã de segunda-feira, 25, o Justicia 11J só conseguiu identificar 18 detidos, à espera das conclusões provisórias do Ministério Público, que quase certamente não arquivará os casos.

Ao mesmo tempo, sabemos de manifestantes cuja liberdade, após horas ou dias de detenção, custou-lhes milhares de pesos, pagos ao Estado como multas, por supostos atos de “desordem pública”.

Atualmente, tudo é muito incerto no país. Embora durante os dias de protestos o regime tenha relatado uma suposta recuperação dos serviços de energia e a próxima distribuição de produtos alimentícios padrão para aplacar uma cidadania desesperada, a verdade é que ele não tem como sustentar suas declarações. As demandas e prisões dos cidadãos continuarão e mais slogans aparecerão, porque a cada dia são reciclados mais motivos para gritar. As chuvas do fim de semana em Havana provocaram pelo menos 200 deslizamentos de terra, deixando dezenas de famílias desabrigadas.

Enquanto isso, a União Europeia, que mantém um Acordo de Diálogo Político e Cooperação com Cuba, que foi avaliado como positivo no final de 2023 durante a visita oficial a Havana do Alto Representante para os Direitos Humanos, Eamon Gilmore, não se manifestou sobre os eventos repressivos no país, apesar de a sociedade civil pedir continuamente atenção e condenação ao regime. Poucos países democráticos apoiaram as causas do povo cubano mais uma vez nas ruas, apenas alguns dias depois que o Estado rejeitou 28 recomendações relacionadas aos direitos à liberdade de expressão e associação, na recém-concluída Quarta Revisão Periódica Universal de Cuba.

Novamente, é urgente pedir à União Europeia que ponha em prática ações concretas de apoio aos cidadãos cubanos e acompanhe as vítimas da repressão e suas famílias, e que ponha fim a um acordo intergovernamental que só legitimou um regime que já não nos permite viver com dignidade. 

Também é imperativo que a comunidade internacional monitore os acontecimentos em Cuba e denuncie em tempo hábil as constantes violações dos direitos humanos, ligadas à natureza ditatorial e à ausência de espaço cívico no país. O embargo dos EUA não é a causa primária nem fundamental da escassez em Cuba, mas sim a falta de liberdades e a péssima administração de todos os bens públicos por mais de seis décadas. O embargo também não é uma desculpa para as violações de direitos básicos, a existência de pessoas privadas de liberdade por motivos políticos, a repressão e o assédio a vozes dissidentes, a negação de acesso a julgamentos e prisões politizadas e a realização de eleições antidemocráticas.

Enquanto você lê este texto, muitos cubanos permanecem sem eletricidade em Cuba. Quem sabe se no noticiário televisivo noturno algum funcionário fará alusão à escassez e à falta de recursos. Com certeza não mencionará os recursos que foram alocados para monitorar as redes e manter o aparato policial que, há poucos dias, deteve Victor Manuel Hidalgo Cabrales, que apenas escreveu em seu perfil no Facebook: “Ei Las Tunas, o quê? A colocam 4 e a tiram 5 e 6. Vamos ficar assim?”.

*A versão original deste texto foi publicada em Altavoz, o newsletter da organização internacional Civil Rights Defenders. O número de pessoas detidas foi atualizado para esta publicação.

Autor

Investigadora y defensora de derechos humanos. Coordinadora General de Justicia 11J, grupo de trabajo sobre detenciones por motivos políticos en Cuba. Maestranda en Estudios Interdisciplinarios sobre Cuba, América Latina y el Caribe.

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