Xiomara Castro, a primeira presidenta de Honduras e esposa do ex-presidente José Manuel Zelaya, deposto em 2009, já é um ícone histórico do país dada sua condição de mulher. A questão é se ficará na história apenas por essa condição. Dentro do oficialismo, após o primeiro ano de governo, ouvem-se queixas que consideram que “estão perdendo uma oportunidade histórica”.
Os questionamentos começaram pouco tempo depois de ter começado o mandato, quando só alguns postos dos mais relevantes foram ocupados por quem lutou durante doze anos para regressar ao poder político-institucional. “Um ministro, considerado um companheiro de lutas, tem sido rodeado por oportunistas ineptos, arrivistas de última hora, e a culpa é de ninguém menos que Mel (José Manuel Zelaya)”, comentou um velho militante, ex-liberal, que o acompanhou após sua derrubada.
Ao longo deste primeiro ano da esquerda no governo, José Manuel Zelaya não poupou esforços para mostrar quem é que manda, embora sem dizer explicitamente. Assim que o mandato de sua esposa começou, o ex-presidente armou um escritório na Casa Presidencial como coordenador do Partido Libre, algo proibido pela Constituição. E mais tarde chegou a presidir uma reunião de gabinete, sem ser um membro do governo.
Por outro lado, o controverso Salvador Nasralla, primeiro designado presidencial, não demorou a revelar sua outra cara: incoerente, egocêntrico, caprichoso e imprevisível. Quase desde o começo do Governo, se colocou no papel de vítima e até concordou com as posições da oposição. Neste marco, Xiomara e seus colaboradores de confiança tiveram que lidar com seus próprios problemas e alheios, e isto teve seu preço ao avaliar as realizações de suas promessas de campanha.
A questão energética vem sendo um problema grave para várias administrações, devido às enormes perdas da Empresa Nacional de Energia Elétrica (ENEE). Em maio de 2022, por solicitação da presidenta, o Congresso Nacional aprovou a lei especial para garantir o serviço de energia elétrica como um bem público de segurança nacional e um direito humano de natureza econômica e social. Esta lei permite a supervisão estatal e a intervenção das empresas contratadas pelo Estado no subsetor elétrico.
Xiomara Castro também prometeu apoiar os direitos reprodutivos da mulher e propôs a descriminalização do aborto por três causas e a aprovação do anticoncepcional de emergência (PAE). A primeira promessa é difícil de cumprir, pois o aborto é expressamente proibido na Constituição. Seria necessária uma decisão da Câmara Constitucional para anular esta proibição ou que, por maioria qualificada (86 votos), o Congresso nacional vote sua revogação, algo complicado devido à oposição feroz da Igreja Católica e dos setores evangélicos.
Embora as Igrejas evangélicas estejam no marasmo por seu apoio irrestrito ao ex-presidente extraditado Juan Orlando Hernández, ainda têm uma grande influência sobre certos setores da alta sociedade hondurenha. Muitos legisladores vêm destes setores ou são fiéis a alguns destes credos. De fato, o próprio Ministro da Saúde, José Manuel Matheu, do Partido Salvador de Honduras, é um aberto militante antiabortista.
A transformação dos sistemas de educação e saúde foi uma das promessas que gerou maiores expectativas, já que Castro havia prometido aumentar notavelmente seus orçamentos. Para este ano, o orçamento geral estabelece aumentos de 7% para o Ministério da Educação e 8% para o da Saúde. Embora não seja suficiente, é algo.
Por outro lado, um setor que reclama por não-cumprimento é a comunidade LGBTIQ+, cujos dirigentes expressaram se sentir abandonados pela presidenta. Uma das promessas não cumpridas, até o momento, é o poder dos indivíduos de mudar de nome no novo documento nacional de identidade (DNI).
Quanto ao meio ambiente, prometeu, durante a campanha eleitoral, a eliminação da mineração a céu aberto e o fim da criminalização e do processo penal contra os defensores da terra. Em fevereiro de 2022, o Ministério de Energia, Recursos Naturais, Meio Ambiente e Minas declarou Honduras como território livre de mineração a céu aberto, mas na realidade, nada mudou. Ainda existem operações de mineração que enfrentam duros conflitos com as comunidades locais em Guapinol, Reitoca ou Azacualpa, muitas vezes com a cumplicidade das autoridades locais e da Polícia Nacional ou do Exército.
Uma das promessas mais sentidas da campanha foi a desmilitarização das forças de segurança do Estado. O regime anterior de Juan Orlando Hernández criou corpos de elite policial e militar, entre eles a Polícia Militar de Ordem Pública (PMOP). Todos estes grupos seguem ativos, embora com uma suposta mudança de objetivos e mentalidade no caso da polícia, a qual se pretende dar uma visão comunitária.
Por outro lado, a presidenta Castro decidiu medidas repressivas contra o flagelo da extorsão, mediante a criação do estado de exceção que, no entanto, não elimina a raiz do problema relacionado a quadrilhas e gangues. Estes grupos, afirmam analistas, têm relação direta com ex-funcionários, ex-legisladores e talvez com alguns dos atuais. Enquanto esta relação não for atacada e cortada, o problema seguirá.
Em compensação, o estado de exceção tem sido fortemente questionado pelos defensores dos direitos humanos porque foi implementado em 162 bairros do Distrito Central e San Pedro Sula, os dois núcleos urbanos mais populosos do país. Estes bairros e colônias têm os maiores índices de pobreza, o que implica que o próprio Estado criminaliza a indigência. Apesar disso, a medida ampliou-se em janeiro deste ano a outros 73 municípios.
Muitos outros assuntos ficaram sem solução por enquanto, como a erradicação das Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (Zedes), criadas pelo governo anterior; os pactos de impunidade, que deixaram centenas de responsáveis por corrupção e outros atos ilícitos em liberdade; e a postergada criação e instalação da Comissão contra a Corrupção e Impunidade (CICIH). Finalmente, a revogação da “lei de segredos”, que blinda as ações dos ex-governantes, não foi acatada na prática pelo executivo e nem pelos demais poderes do Estado.
No momento, dados os numerosos não-cumprimentos de promessas de campanha da presidenta Xiomara Castro, os militantes de seu partido têm razão quando dizem que “estão perdendo uma oportunidade histórica”.
Autor
Analista, comunicador e consultor independente de agências e organizações internacionais. Diretor nacional da Presagio Consulting Honduras.