Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

O primeiro ano do governo de Xiomara Castro

Xiomara Castro, a primeira presidenta de Honduras e esposa do ex-presidente José Manuel Zelaya, deposto em 2009, já é um ícone histórico do país dada sua condição de mulher. A questão é se ficará na história apenas por essa condição. Dentro do oficialismo, após o primeiro ano de governo, ouvem-se queixas que consideram que “estão perdendo uma oportunidade histórica”.

Os questionamentos começaram pouco tempo depois de ter começado o mandato, quando só alguns postos dos mais relevantes foram ocupados por quem lutou durante doze anos para regressar ao poder político-institucional. “Um ministro, considerado um companheiro de lutas, tem sido rodeado por oportunistas ineptos, arrivistas de última hora, e a culpa é de ninguém menos que Mel (José Manuel Zelaya)”, comentou um velho militante, ex-liberal, que o acompanhou após sua derrubada.

Ao longo deste primeiro ano da esquerda no governo, José Manuel Zelaya não poupou esforços para mostrar quem é que manda, embora sem dizer explicitamente. Assim que o mandato de sua esposa começou, o ex-presidente armou um escritório na Casa Presidencial como coordenador do Partido Libre, algo proibido pela Constituição. E mais tarde chegou a presidir uma reunião de gabinete, sem ser um membro do governo.

Por outro lado, o controverso Salvador Nasralla, primeiro designado presidencial, não demorou a revelar sua outra cara: incoerente, egocêntrico, caprichoso e imprevisível. Quase desde o começo do Governo, se colocou no papel de vítima e até concordou com as posições da oposição. Neste marco, Xiomara e seus colaboradores de confiança tiveram que lidar com seus próprios problemas e alheios, e isto teve seu preço ao avaliar as realizações de suas promessas de campanha.

A questão energética vem sendo um problema grave para várias administrações, devido às enormes perdas da Empresa Nacional de Energia Elétrica (ENEE). Em maio de 2022, por solicitação da presidenta, o Congresso Nacional aprovou a lei especial para garantir o serviço de energia elétrica como um bem público de segurança nacional e um direito humano de natureza econômica e social. Esta lei permite a supervisão estatal e a intervenção das empresas contratadas pelo Estado no subsetor elétrico.

Xiomara Castro também prometeu apoiar os direitos reprodutivos da mulher e propôs a descriminalização do aborto por três causas e a aprovação do anticoncepcional de emergência (PAE). A primeira promessa é difícil de cumprir, pois o aborto é expressamente proibido na Constituição. Seria necessária uma decisão da Câmara Constitucional para anular esta proibição ou que, por maioria qualificada (86 votos), o Congresso nacional vote sua revogação, algo complicado devido à oposição feroz da Igreja Católica e dos setores evangélicos.

Embora as Igrejas evangélicas estejam no marasmo por seu apoio irrestrito ao ex-presidente extraditado Juan Orlando Hernández, ainda têm uma grande influência sobre certos setores da alta sociedade hondurenha. Muitos legisladores vêm destes setores ou são fiéis a alguns destes credos. De fato, o próprio Ministro da Saúde, José Manuel Matheu, do Partido Salvador de Honduras, é um aberto militante antiabortista.

A transformação dos sistemas de educação e saúde foi uma das promessas que gerou maiores expectativas, já que Castro havia prometido aumentar notavelmente seus orçamentos. Para este ano, o orçamento geral estabelece aumentos de 7% para o Ministério da Educação e 8% para o da Saúde. Embora não seja suficiente, é algo.

Por outro lado, um setor que reclama por não-cumprimento é a comunidade LGBTIQ+, cujos dirigentes expressaram se sentir abandonados pela presidenta. Uma das promessas não cumpridas, até o momento, é o poder dos indivíduos de mudar de nome no novo documento nacional de identidade (DNI).

Quanto ao meio ambiente, prometeu, durante a campanha eleitoral, a eliminação da mineração a céu aberto e o fim da criminalização e do processo penal contra os defensores da terra. Em fevereiro de 2022, o Ministério de Energia, Recursos Naturais, Meio Ambiente e Minas declarou Honduras como território livre de mineração a céu aberto, mas na realidade, nada mudou. Ainda existem operações de mineração que enfrentam duros conflitos com as comunidades locais em Guapinol, Reitoca ou Azacualpa, muitas vezes com a cumplicidade das autoridades locais e da Polícia Nacional ou do Exército.

Uma das promessas mais sentidas da campanha foi a desmilitarização das forças de segurança do Estado. O regime anterior de Juan Orlando Hernández criou corpos de elite policial e militar, entre eles a Polícia Militar de Ordem Pública (PMOP). Todos estes grupos seguem ativos, embora com uma suposta mudança de objetivos e mentalidade no caso da polícia, a qual se pretende dar uma visão comunitária.

Por outro lado, a presidenta Castro decidiu medidas repressivas contra o flagelo da extorsão, mediante a criação do estado de exceção que, no entanto, não elimina a raiz do problema relacionado a quadrilhas e gangues. Estes grupos, afirmam analistas, têm relação direta com ex-funcionários, ex-legisladores e talvez com alguns dos atuais. Enquanto esta relação não for atacada e cortada, o problema seguirá.

Em compensação, o estado de exceção tem sido fortemente questionado pelos defensores dos direitos humanos porque foi implementado em 162 bairros do Distrito Central e San Pedro Sula, os dois núcleos urbanos mais populosos do país. Estes bairros e colônias têm os maiores índices de pobreza, o que implica que o próprio Estado criminaliza a indigência. Apesar disso, a medida ampliou-se em janeiro deste ano a outros 73 municípios.

Muitos outros assuntos ficaram sem solução por enquanto, como a erradicação das Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (Zedes), criadas pelo governo anterior; os pactos de impunidade, que deixaram centenas de responsáveis por corrupção e outros atos ilícitos em liberdade; e a postergada criação e instalação da Comissão contra a Corrupção e Impunidade (CICIH). Finalmente, a revogação da “lei de segredos”, que blinda as ações dos ex-governantes, não foi acatada na prática pelo executivo e nem pelos demais poderes do Estado.

No momento, dados os numerosos não-cumprimentos de promessas de campanha da presidenta Xiomara Castro, os militantes de seu partido têm razão quando dizem que “estão perdendo uma oportunidade histórica”.

Autor

Otros artículos del autor

Analista, comunicador e consultor independente de agências e organizações internacionais. Diretor nacional da Presagio Consulting Honduras.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados