Co-autor Bernabé Malacalza
Desintegrar, segundo a Real Academia da Língua Espanhola, admite várias acepções. Uma delas significa destruir por completo; outra, perder coesão e força. A noção de desintegração remete então a uma perda e/ou a uma destruição. Aqui assumimos que a desintegração não é apenas a antítese da integração, mas reflete o declínio de um modo de conceber e aplicar políticas comuns em uma ampla gama de assuntos entre Estados vinculados a uma comunidade política. Neste sentido, existe o perigo de que o MERCOSUL possa, eventualmente, se desintegrar, e a responsabilidade maior será da Argentina e do Brasil.
Desde o começo dos processos de democratização nos anos 1980 e antes do fim da Guerra Fria, ambos assumiram o mérito de uma parceria estratégica. Hoje, o grande produto sub-regional deste compromisso bilateral, o MERCOSUL, está perdendo gravitas e é fonte de uma crescente divergência intra-grupo. Ano a ano aumentam, segundo a conjuntura nacional em cada país, os MERCO-céticos, MERCO-obstaculizadores e MERCO-impugnadores. Simultaneamente tem se calado as vozes dos MERCO-entusiastas, MERCO-pragmáticos e MERCO-comprometidos.
Por que, apesar dos esforços para criar organizações internacionais e dos benefícios que elas geram, os Estados as abandonam ou as destroem? A internacionalista Mette Eilstrup-Sangiovanni realizou um estudo baseado no desempenho de 561 organizações intergovernamentais criadas entre 1815 e 2006, e chegou a uma conclusão surpreendente: o índice de mortalidade tem sido relativamente alto, já que aproximadamente dois quintos deixaram de existir.
O que leva ao falecimento das organizações intergovernamentais? Existem duas teses. Por um lado, argumenta-se que as mortes são causadas por mudanças nos equilíbrios de poder internacional e/ou por choques políticos e econômicos externos que reduzem a utilidade dos Estados, como foi o caso da SAARC (Associação de Cooperação Regional do Sul da Ásia) fundada em 1985. Por outro lado, argumenta-se que essas organizações são propensas a cessar devido a causas endógenas relacionadas com a fragilidade de sua institucionalidade, a redução dos vínculos transnacionais entre os membros e as divisões ideológicas, como no caso da Comunidade Andina de Nações (CAN), criada em 1969 sob o nome de Pacto Andino e em estado vegetativo desde 2006.
A atual crise do MERCOSUL é, em parte, diferente e mais complexa. De maneira paulatina, se observa uma confluência de fatores exógenos e endógenos que atuam como causas inibidoras – e eventualmente destrutivas – do processo integrador. A encruzilhada que o MERCOSUL enfrenta hoje se assemelha a uma combinação do que aconteceu com a SAARC e a CAN.
Segundo o internacionalista Stephen Walt, o fracasso ou colapso dessas sociedades se deve a aspectos estratégicos, de poder material e simbólico, políticos e socioeconômicos. A SAARC não tem sido capaz de organizar uma cúpula desde 2014. A última foi a do Paquistão, mas com o aumento das tensões após os ataques terroristas em Mumbai em 2016, a Índia boicotou as tentativas de realizar tal conclave. Estão há sete anos sem reuniões e, nesse período, o Paquistão consolidou uma relação muito estreita com a China, enquanto a Índia fortaleceu sua aproximação com os Estados Unidos.
Algo semelhante poderia acontecer se, por exemplo, no cenário de uma disputa acirrada entre os Estados Unidos e a China, a Argentina e/ou o Brasil decidissem se curvar a uma ou outra das potências. Assim, as respectivas aquiescências enterrariam o espírito de convergência estratégica da Declaração de Foz de Iguaçu de 1985 que selou a amizade entre a Argentina e o Brasil.
O MERCOSUL atravessa, ademais, o período de menor densidade de vínculos transnacionais econômicos-comerciais de sua história. Este declínio no intercâmbio intra-zona começou a se consolidar a partir de 2011, e foi se acentuando, de maneira abrupta, a partir do avanço da demanda de produtos primários da China que, ao mesmo tempo, contribuiu para a aceleração de um processo de primarização do bloco.
Diante disso, os países do MERCOSUL não geraram novas condições para um re-desdobramento produtivo baseado em cadeias de valor agro-industriais ou projetos conjuntos de diversificação produtiva. Pelo contrário, a dinâmica unilateral e as crenças dogmáticas aumentaram lentamente, desencorajando os laços produtivos.
Estamos ad portas da desintegração?
Uma primeira lição é que as organizações internacionais podem sucumbir ao estresse ambiental de um choque externo se não gerarem anticorpos suficientes e seus membros se inclinarem a responder afirmativamente aos pedidos de aquiescência de grandes potências, como no caso mencionado da SAARC. Uma segunda lição é o risco representado pela menor densidade de vínculos transnacionais, as insuficiências da infraestrutura física, a escassa disposição ou capacidade inovadora e de inserção nas cadeias regionais de valor das empresas e a fragilidade social derivada da escassa participação cidadã em projetos conjuntos.
É possível, como sustenta o internacionalista Andrew Moravcsik com respeito à União Europeia, que mesmo um colapso do euro não ponha em risco a integração. Entretanto, as repercussões de tal evento sem dúvida dariam um enorme impulso aos movimentos anti-europeus. Finalmente, uma terceira lição a ser destacada é que as vacilações políticas que cada governo atribui à integração podem corroer a coesão e, com isso, assentar o terreno para uma desintegração.
Segundo o sociólogo e politólogo Karl Deutsch, um sistema é integrado se, em virtude da coesão entre seus membros, puder lidar com tensões e pressões, suportar desequilíbrios e resistir a divisões. Um exemplo é o fracasso da Liga das Nações, que teve um apogeu promissor entre 1924-1929. Por razões particulares de cada país, os governos e a opinião pública dos países ocidentais hesitaram em dar-lhe relevância durante o período de 1934-1938. O Presidente Franklin D. Roosevelt, em um famoso discurso em 1937, pediu a “quarentena dos impugnadores”, mas nem as elites nem as sociedades o apoiaram.
Existe consciência nos países membros – especialmente na Argentina e no Brasil – do que poderia significar o fim do MERCOSUL?
Já não se trata de se adaptar às circunstâncias para permitir a sobrevivência do MERCOSUL, mas da necessidade de um esforço, principalmente da Argentina e do Brasil, para resgatar e reativar o sentido estratégico deste acordo que completa seus 30 anos de existência. Neste contexto, é urgente, como complemento natural ao que fazem os governos no poder, estimular e desenvolver a diplomacia cidadã para que ela possa assumir um papel complementar ao do Estado.
Em resumo, é indispensável um amplo envolvimento dos cidadãos – políticos, empresários, trabalhadores, ONGs, sindicalistas, acadêmicos, cientistas, comunicadores, artistas, mulheres, jovens, etc. – numa efetiva recuperação do ideal integracionista argentino-brasileiro e num franco relançamento do MERCOSUL.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Bernabé Malacalza é professor da Universidade Nacional de Quilmes e da Universidade Torcuato Di Tella. Ele é PhD em Ciências Sociais. Pesquisador em Questões Estratégicas no Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica (CONICET).
Autor
Sociólogo. Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella (Buenos Aires). Doutor em Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins.