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Os anúncios de Xiomara Castro começam com uma anistia polêmica

No meio de uma multidão fervorosa que lotou as arquibancadas do Estádio Nacional em Tegucigalpa, com as ruas ao redor repletas de seguidores do Partido Libre e seus aliados, Xiomara Castro fez seu primeiro discurso como mandatária. Fez isso em meio a uma crise política marcada pela rebelião de um setor da bancada de seu próprio partido no Congresso Nacional, movida pela comitiva do agora ex-presidente, Juan Orlando Hernández, para adiar as ofensivas esperadas contra ele por corrupção e suposta relação com o narcotráfico.

A nova presidente não disse nada inesperado, pois tudo havia sido previamente anunciado no plano para os primeiros cem dias de governo e em documentos partidários. A mandatária indicou que após 12 anos de governos que se dispuseram dos dinheiros públicos sem prestar contas, recebe um Estado falido. “Devemos arrancar pela raiz a corrupção dos 12 anos de ditadura, temos o direito de refundar-nos sobre valores soberanos, não sobre usurpação e agiotagem”, assinalou.

A catástrofe econômica que seu governo recebeu — indicou — não tem antecedentes na história de Honduras. Com um aumento de 700% da dívida externa e um aumento da pobreza de 74% da população, Honduras converteu-se “no país mais pobre da América Latina”. Essas condições, segundo Xiomara Castro, são as causas da emigração irregular maciça.

Por isso, a mandatária anunciou que mais de um milhão de famílias que consomem menos de 150 quilowatts mensais, não pagarão sua fatura de energia elétrica. Esse consumo será aplicado às faturas dos altos consumidores, para os quais será necessário fazer alterações na lei de regulação interna da Empresa Nacional de Energia Elétrica (ENEE).

Entre outros anúncios, Castro assinalou o envio de um projeto ao Congresso Nacional para subsidiar combustíveis e reduzir seus preços atuais e ordenou ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda que criassem mecanismos legais para diminuir os interesses bancários para a produção nacional. Ademais, o Ministério da Educação deve restabelecer a matrícula gratuita e assegurar a merenda escolar, o calendário de vacinação e o fornecimento de máscaras para retomar as aulas presenciais.

Entre os principais esforços de sua administração, agregou, estará o desenvolvimento agropecuário para alcançar a soberania alimentar, para o qual buscará renegociar as cláusulas do Tratado de Livre Comércio entre a América Central e os Estados Unidos (CAFTA). Ademais, indicou que as Forças Armadas trabalharão na proteção do meio ambiente.

Sobre a mineração, um dos temas mais conflitivos do país, prometeu “não mais licenças de minas abertas ou exploração de nossos minerais, sem mais concessões na exploração de nossos rios, bacias hidrográficas, parques nacionais e florestas nubladas”. Sua administração prestará especial atenção ao desenvolvimento agroflorestal e industrial, à promoção do turismo e ao estabelecimento de uma rigorosa política fiscal monetária.

A multidão explodiu quando a presidente pediu pela libertação dos presos políticos de Guapinol e pela perseguição dos responsáveis intelectuais pelo assassinato de Berta Cáceres. Nestes dois casos, sua administração deverá enfrentar interesses poderosos, acostumados a exercer sua vontade. Por isso, afirmou que devem ser desmontadas imediatamente as reformas constitucionais “ilegais, com contratos do Poder Executivo endossados pelo Congresso Nacional, que violam a soberania popular, como as ZEDEs”, como são conhecidas as Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico, promovidas pelo governo anterior e que poderiam se tornar um refúgio para ex-funcionários perseguidos pela justiça.

A nova mandatária também indicou que deve sancionar uma Lei que Condene o Golpe de Estado “que destruiu o fio constitucional, além da Lei de Condenação da Sentença de reeleição que é um delito de traição à pátria, assim como a Lei de Anistia para os presos políticos”. Ela se referiu também à eliminação de leis dirigidas a destruir a proteção social e criminalizar os protestos. Nesse contexto, Castro indicou que neste ano deverá ser realizada a primeira consulta popular sobre reformas constitucionais.

Outro tema relevante de seu discurso foi a instalação de uma Comissão Nacional e Internacional para o combate à corrupção e à impunidade, com o apoio da Organização das Nações Unidas, semelhante à da Guatemala no passado.

Uma controversa Lei de Anistia

Poucos dias após o discurso inaugural, ficou evidente que a presidente deverá enfrentar enormes desafios para levar adiante essas propostas. O Congresso rapidamente aprovou uma lei de anistia para os presos políticos, exilados e outros perseguidos por suas atividades contra as ilegalidades de governos nacionalistas passados. No entanto, um artigo não suficientemente claro poderia incluir na anistia aqueles que cometeram atos de corrupção. Por isso, diferentes setores da sociedade civil já criticaram o que consideram um “pacto de impunidade”.

Após as queixas, incluindo as da segunda candidata presidencial Doris Gutierrez, os defensores da lei imediatamente indicaram que casos de corrupção ou outros delitos conexos não serão incluídos. O Comitê de Familiares dos Detidos Desaparecidos de Honduras (COFADEH) será a entidade encarregada de avaliar os casos. Isso também levou a reclamações, já que o trabalho é atribuído a um único organismo, quando no país há muitos setores que lutam a favor dos direitos humanos e não são levados em conta.

Paralelamente e para angústia dos cachurecos, — como são conhecidos os nacionalistas — especialmente os mais chegados ao regime de saída, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado dos EUA, Robert Menéndez, enviou recentemente uma carta ao secretário de Estado de seu país, Antony Blinken, e a secretária do Tesouro, Janet Yellen para que a Casa Branca anule o visto de Juan Orlando Hernandez (JOH) e classifique-o como “traficante estrangeiro de narcóticos”. Há alguns dias, os EUA anularam o visto de JOH e o Departamento de Estado o qualificou como “corrupto e narcotraficante”, enquanto a congressista Norma Torres previu um pedido de extradição antecipado para o ex-presidente.

Essas decisões endurecerão as ações da comitiva do ex-presidente hondurenho para evitar que um Congresso unido ou uma Suprema Corte desleal a quem até agora foi seu “amo e senhor” ceda a eventuais pressões do norte e deixe JOH exposto à Justiça estadunidense.

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Analista, comunicador e consultor independente de agências e organizações internacionais. Diretor nacional da Presagio Consulting Honduras.

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