“Não podemos resolver problemas pensando da mesma maneira que quando os criamos”. Há um século, Albert Einstein apontou com estas palavras que a humanidade deveria ser crítica com nossa forma de pensar, que já estava criando problemas para nós mesmos e à própria vida na Terra.
Constantemente vemos e escutamos notícias sobre mudanças ambientais que ocorrem no nosso entorno e em diferentes partes do mundo, como as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, a contaminação química, degradação da terra, perda de água doce, acidificação dos oceanos e destruição da camada de ozônio, entre outros.
Durante 2019, os furacões causaram 465.000 deslocamentos em sete países do Caribe, segundo a Organização Mundial da Saúde e o Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC). Ao mesmo tempo, as inundações e os deslizamentos de terra desalojaram 295.000 pessoas no Brasil.
Mais de 50 milhões de pessoas, algo maior do que a população da Colômbia, têm sofrido insegurança alimentar e hídrica devido aos desastres relacionados com o clima, tais como inundações, secas e tempestades, especialmente na África, Ásia, América Central e América do Sul. E nesse sentido, estima-se que até 2050, cerca de 30 milhões de pessoas emigrarão da América Central para a América do Norte por questões alimentares relacionadas com a crise climática.
Como se não bastasse, as reduções de gases de efeito estufa (GEE) para limitar o aquecimento global a 1,5°C estão fora de alcance, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.
Aparentemente, estas mudanças estão sendo causadas pelo modelo de desenvolvimento predominante do qual a ciência moderna faz parte, embora, em contraste, para muitas pessoas, foi a ciência moderna que deu lugar ao modelo de desenvolvimento atual. Portanto, nós, como habitantes da Terra, devemos nos esforçar para mudar este imaginário sobre ciência e desenvolvimento para uma alternativa que tenha como objetivo manter a vida.
É hora da ciência evoluir
Os problemas ambientais atuais têm múltiplas escalas e dimensões e ocorrem simultaneamente, tornando a abordagem de seus efeitos cada vez mais complexa. A ciência atual pretende desenvolver conhecimentos e alta tecnologia para “gerenciar” melhor a Terra e seus recursos. No entanto, parece que provavelmente vale mais a pena nos concentrarmos em avaliar nosso comportamento em relação aos próprios seres humanos e à Terra.
Na atualidade, a ciência tende a se desenvolver isoladamente da sociedade e, em alguns casos, os avanços científicos respondem unicamente aos interesses privados. Ao utilizar métodos de difícil compreensão e ao se dirigir a comunidades limitadas e especializadas, a ciência parece dar as costas às pessoas e suas realidades, e não é mais confiável para resolver problemas do mundo real.
Por outro lado, também existe um crescente isolamento de disciplinas, e as relações entre o mundo acadêmico, os governos e demais atores da sociedade civil são frágeis e estão se esgotando.
O enfoque transdisciplinar, uma ideia em evolução
Uma das soluções que estão sendo debatidas no âmbito acadêmico é a de construir o conhecimento científico com a participação de diferentes atores da sociedade através de um processo de aprendizagem colaborativa.
A comunidade científica é frequentemente vista como uma elite que se desenvolve e possui o conhecimento de maneira exclusiva. Entretanto, devido às lacunas atuais entre o conhecimento científico e as práticas da vida cotidiana, os líderes comunitários advogam por abrir a ciência a outras formas de conhecimento. Também entre os pesquisadores e especialistas em mudança climática há um consenso crescente sobre a importância dos conhecimentos e práticas tradicionais dos povos indígenas e as comunidades locais para fazer frente à mudança climática.
Esta sinergia choca, no entanto, com o fato de que há meios suficientes nem incentivos para que o mundo acadêmico, os governos e a sociedade civil trabalhem mais estreitamente com as comunidades no terreno. Ademais, este deveria ser um processo de aprendizagem colaborativa sem fim, mais do que um simples passo para “incluir” outras formas de conhecimento. Então, qual é a solução?
Abrir a ciência a outras formas de conhecimento e potenciar a cooperação
Não é fácil encontrar uma solução única para todas as facetas desta questão, mas problemas complexos podem muitas vezes exigir um conjunto complexo de soluções. Neste contexto, surgiu um conceito difuso: “transdisciplinaridade”, que ainda não está totalmente definido, mas ainda em processo de evolução. Entretanto, várias de suas características podem ser observadas nas práticas cotidianas das comunidades acadêmicas e não acadêmicas, ao mesmo tempo em que reforça seu conteúdo.
Um exemplo dos esforços da comunidade internacional em torno da “transdisciplinaridade” na ciência é o Instituto Interamericano de Pesquisa de Mudanças Globais (IAI), que está comprometido a promover a cooperação regional para a pesquisa transdisciplinar. Esta organização reúne estados e instituições das Américas para realizar pesquisas em escala regional, que é necessário e apropriado para os temas ambientais.
Outra iniciativa internacional mais ampla que promove a pesquisa transdisciplinar em temas de mudança ambiental global é o Belmont Forum. Os projetos realizados no marco desta iniciativa integram as ciências sociais e naturais, assim como as humanidades. Ademais, os projetos devem ser co-desenhados e co-executados por diversas partes interessadas (acadêmicos, setor público e privado, intergovernamental, comunidades locais e povos indígenas, etc.) de forma colaborativa. Os projetos se desenvolvem no âmbito de consórcios internacionais de ao menos três países e são financiados por parceiros nacionais e internacionais.
Ainda ficam desafios para superar, como os acordos institucionais nacionais e internacionais, sistemas econômicos e de financiamento, que entre outros são projetados para o modelo de desenvolvimento e ciência existente. Como habitantes da Terra em evolução que queremos permanecer em harmonia com o planeta, é nossa obrigação unir esforços para alcançar um imaginário coletivo renovado em consonância com os desafios que enfrentamos.
Autor
Engenheira Ambiental com especialização em Mudanças Ambientais e Desenvolvimento Internacional e interesse na interface Ciência-Política. Membro do OWSD Bolívia e atual IAI STeP Fellow no Belmont Forum.