A questão do financiamento público dos partidos políticos ganhou destaque no debate político no Equador com a proposta do governo de Daniel Noboa de eliminá-lo, para o que convocou um referendo popular para o próximo dia 16 de novembro.
Os partidos políticos são atores essenciais para a existência e consolidação das democracias modernas. Seu papel na articulação de interesses, na representação cidadã e na competição pelo poder político tem sido amplamente reconhecido pela teoria política. No entanto, seu funcionamento depende, em grande medida, da forma como são financiados.
A origem dos recursos que sustentam sua atividade determina não só sua independência, mas também sua legitimidade perante a sociedade. Assim, em contextos onde o financiamento privado predomina, abre-se a porta para a captura do sistema por grupos econômicos ou mesmo pelo crime organizado.
Portanto, o financiamento público não é uma concessão, mas uma ferramenta indispensável para garantir a integridade do sistema democrático.
A função democrática dos partidos políticos
Os partidos políticos podem ser entendidos como organizações orientadas à busca do poder político mediante a mobilização e o apoio da cidadania. Além de articular demandas sociais (Cleavages), essas organizações desempenham um papel central na estruturação da competição política, influenciando a configuração do sistema partidário dentro de uma democracia. Em contextos contemporâneos, tem-se observado que muitos partidos tendem a depender em grande medida dos recursos estatais, atuando como intermediários entre a sociedade e as instituições públicas, reforçando sua presença no tabuleiro político e administrativo.
Sob essa perspectiva, os partidos são fundamentais para a mediação entre o Estado e a sociedade. No entanto, quando seu financiamento depende de fontes privadas não regulamentadas, a relação se distorce: os partidos deixam de responder às suas bases e ao eleitorado para servir aos seus financiadores e, consequentemente, aos seus interesses. Na pior das hipóteses, a entrada de dinheiro ilícito proveniente do narcotráfico ou de outras atividades criminais mina a autonomia das instituições democráticas e coloca em risco a governabilidade.
O financiamento público como garantia de autonomia e equidade
O financiamento público dos partidos políticos tende a garantir condições mínimas de igualdade e reduzir a dependência de fontes privadas. O apoio estatal deve ser entendido como um “investimento na democracia”, destinado a fortalecer a concorrência justa, a transparência, a prestação de contas e, claro, o próprio enraizamento dos partidos junto a seus potenciais eleitores. Esse tipo de financiamento também contribui para a institucionalização partidária, como já mencionado, entendida como a capacidade dos partidos de manter a estabilidade, a legitimidade e o enraizamento social.
É claro que a provisão de recursos públicos promove o pluralismo político, especialmente em contextos onde as desigualdades econômicas poderiam excluir movimentos ou partidos emergentes com boas ideias programáticas, mas que carecem de recursos econômicos. No entanto, isso levanta um desafio de dimensões e complexidade similares: o financiamento estatal deve ser acompanhado de sistemas robustos de controle e fiscalização, para evitar seu uso clientelista (sobretudo em partidos governistas) ou seu desvio para fins pessoais ou eleitorais irregulares. A transparência é uma condição indispensável para que os cidadãos percebam esses recursos como um bem público a serviço da democracia, e não como um gasto desnecessário, como se costuma pensar.
O caso equatoriano: fragmentação e fragilidade do sistema partidário
O sistema partidário no Equador tem sido historicamente fragmentado, volátil e fracamente institucionalizado. Desde o retorno à democracia, em 1979, o país tem experimentado uma proliferação de organizações políticas com pouca continuidade e representação territorial. De acordo com dados do Conselho Nacional Eleitoral e da Assembleia Nacional, para o período 2024-2025, existem mais de 200 organizações políticas registradas entre partidos, movimentos nacionais e locais, das quais apenas quatro organizações e um número reduzido de movimentos provinciais têm representação legislativa, o que se traduz não só em uma quantidade enorme de alternativas ideológicas, mas também em despersonalização política e baixa credibilidade.
Essa fragmentação gera problemas de governabilidade e representação, pois dificulta a formação de maiorias estáveis no Legislativo e favorece a personalização da política (os chamados “ismos” tão recorrentes em nossa história). O resultado é claro: sistemas excessivamente fragmentados tendem a gerar instabilidade, pois os partidos perdem sua função de canalizar interesses coerentes e se tornam veículos para lideranças de curto prazo ou, por sua vez, incentivam a deserção política.
A fragilidade institucional dos partidos equatorianos também se expressa na falta de estruturas internas sólidas, programas ideológicos claros e mecanismos de responsabilização. Isso levou muitos partidos a dependerem de financiamento informal ou redes de clientelismo, expondo-os à influência de grupos econômicos ou mesmo de atores ilícitos. Nesse contexto, o financiamento público representa uma ferramenta fundamental para reduzir a dependência de recursos privados, promover a transparência na ação política e garantir a autonomia em relação a interesses privados ou ilícitos.
O custo da política e o valor da democracia
O governo de Daniel Noboa promoveu um referendo popular para 16 de novembro com o objetivo de eliminar o financiamento público para partidos políticos, reduzir o número de legisladores e estabelecer uma assembleia constituinte. O argumento do presidente para essa medida é usar esses recursos — cerca de US$ 4 milhões anualmente — para “áreas mais amplas”, como saúde, educação e segurança, entre outras.
Segundo uma pesquisa da empresa Clima Social, o voto “sim” prevaleceria em questões relacionadas à eliminação do financiamento público para partidos políticos (52%), à redução do número de legisladores (66%) e à criação de uma assembleia constituinte para elaborar uma nova constituição (48%). Em conjunto, os resultados preliminares refletem um clima de descontentamento com os fundamentos do sistema político e suas instituições, e uma disposição significativa, ainda que cautelosa, para transformações mais profundas, como a elaboração de uma nova constituição.
Embora a redução ou eliminação desse financiamento vise aliviar os gastos públicos e exigir maior prestação de contas dos partidos políticos, a medida poderia gerar os efeitos adversos já mencionados: aumento da dependência de recursos privados e, consequentemente, maior suscetibilidade dos partidos à cooptação por grupos econômicos poderosos ou facilitação da infiltração de organizações criminosas.
Em um sistema partidário tão fragmentado e pouco institucionalizado como o equatoriano, retirar o apoio estatal sem fortalecer os mecanismos de controle significaria aprofunda ainda mais a crise de representatividade. Portanto, em vez de eliminar o financiamento partidário, o desafio reside em tornar seu uso transparente e penalizar os abusos, garantindo que o financiamento político sirva ao interesse público e fortaleça a representação. Em última análise, investir em financiamento público regulamentado e fiscalizado é investir na democracia.
Tradução automática revisada por Isabel Lima










