Quando em 2019 Sebastián Piñera se referia ao Chile como um oásis no meio de uma América Latina com grandes adversidades econômicas e políticas, nunca pensou nos eventos que viriam na continuação. Nos últimos meses daquele ano, se viveu uma eclosão social cheia de protestos e confrontos entre as forças armadas e a ordem pública com os cidadãos. De acordo com a Secretaria Geral da Presidência, o custo econômico para o país das manifestações, atos de vandalismo e violência foi de cerca de 3 bilhões de dólares. Ao revisar o índice mensal de atividade econômica (IMACEC) pode-se avaliar a queda que teve a atividade comercial no Chile no final daquele ano, como consequência do descontentamento social.
A chegada da COVID-19 ao Chile em 2020 e as medidas sanitárias adotadas, somaram efeitos para propiciar uma reiterada queda da atividade econômica no país, que já havia sofrido bastante em 2019. Esta situação se prolongou até meados do ano, pois em julho foi autorizado o uso de fundos de pensão para os contribuintes, o que deu um respiro à economia com os recursos que lhe foram injetados.
Entretanto, isto não foi suficiente, pois o desemprego de dois dígitos experimentado ao longo de 2020 – e que se prolongaria até maio de 2022 – corroeu a autonomia econômica das pessoas e levou a pressões para autorizar uma segunda e terceira retirada dos fundos de pensão em dezembro de 2020 e abril de 2021. Isto significou uma injeção de dinheiro de cerca de US$ 50 bilhões até agosto de 2021 a partir da retirada/resgate dos fundos de pensão. Este incremento da liquidez privada, somado às transferências e ajudas fornecidas pelo governo às famílias e empresas desde 2020, gerou um aumento da base monetária, duplicando-a durante o segundo semestre de 2021.
Embora o aumento da liquidez possa ser um fator que propicia o aumento dos preços, dado que existe uma demanda crescente, produto de um incremento da capacidade de pagamento extraordinária e de uma oferta constante ou diminuída de bens e serviços, este não é o único fator. De fato, grande parte do incremento de 7% da inflação experimentado no Chile até agora em 2022 se deve a fatores exógenos.
Os preços internacionais têm subido pela pressão que exerce o conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia, iniciado em fevereiro. Este conflito atuou em duas frentes, que acentuam os efeitos da crise sanitária. Por um lado, levou a um aumento no valor dos alimentos e dos combustíveis (elementos sensíveis à população). Por outro, gerou a ruptura da cadeia de fornecimento e aumento do valor dos materiais (elementos sensíveis para os produtores).
Além disso, não devemos esquecer a escassez de bens finais a nível mundial, devido às medidas sanitárias draconianas adotadas pela China na tentativa de minimizar o número de infecções por COVID-19 e o crescimento econômico inferior ao esperado no segundo semestre de 2022, o que pressiona a elevação do valor do dólar para o caso do Chile. A deterioração da taxa de câmbio favorece as exportações, mas encarece as importações, o que, por sua vez, se traduz em um fator de pressão para os preços dos bens que se demandam no interior do país.
Na atualidade, uma das funções dos bancos centrais é controlar a inflação através de estratégias de política monetária a fim de manter o poder aquisitivo das pessoas ao longo do tempo, mitigar as flutuações no desemprego e favorecer a produção de bens e serviços. O Banco Central do Chile, como forma de combater os níveis de inflação, tem aumentado a taxa de juros da política monetária, chegando a 9,75% em 14 de julho, a mais alta dos últimos 20 anos. Ao aumentar a taxa de juros, o investimento produtivo torna-se mais caro, são desmotivados os gastos dos consumidores e o desejo de manter o dinheiro líquido.
Entretanto, se este tipo de estratégia continuar, o Chile poderá enfrentar um cenário de estagflação. Isto é, a estagnação econômica com alta inflação. A teoria econômica menciona a presença de certas condições que se combinam para que isso aconteça: vários trimestres de queda ou declínio do Produto Interno Bruto (PIB), aumento dos preços, altas taxas de juros, desvalorização e uma balança comercial negativa.
Uma alternativa à política monetária são os controles que os governos podem eventualmente exercer sobre o aumento tanto dos salários quanto dos preços, os famosos pactos econômicos. Mas se apresenta a dificuldade de poder mantê-los ao longo do tempo, e dada a heterogeneidade contratual e laboral, torna-se complexo determinar quem ou que funções ficariam fora deste controle.
Qualquer que seja a fórmula usada para controlar a inflação, ela deve considerar o efeito sobre o bem-estar da sociedade e as repercussões para esta, a curto e médio prazo.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Economista. Professor do Departamento de Sociologia, Ciência Política e Administração Pública da Univ. Católica de Temuco (Chile). Doutor em Pesquisa em Ciências Sociais por FLACSO-México.