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Peru: uma democracia inviável?

O Peru já teve três presidentes encarcerados – Alberto Fujimori, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski – nas últimas duas décadas. O ex-presidente Alan García se suicidou sob a pressão de ser acusado de corrupção e Alejandro Toledo está em vias de ser extraditado dos Estados Unidos. Pedro Castillo será logo o quarto presidente peruano a ser encarcerado e obrigado a responder perante à justiça, pois foi destituído por sedição ao ter decretado inconstitucionalmente o fechamento do Congresso. 

Durante seu governo, o já ex-presidente procurou ampliar apoios e tentou formar um governo de coalizão, mas isso lhe custou ficar sem partido político, pois o Perú Libre, o partido de esquerda marxista que o levou ao poder, decidiu abandoná-lo. Os motivos foram a rejeição aos desejos do partido de governar em uma minoria e de impor funcionários sem adequação para ocupar cargos públicos.

Castillo, isolado, também carecia de capital social para construir pontes com outros atores políticos e assim formar um governo mais amplo. Sem maioria no Parlamento, só conseguiu ganhar alguns aliados circunstanciais para evitar sua destituição no Congresso.

O agora ex-presidente Castillo, sem capacidade de impor uma agenda governamental ou fornecer uma direção política adequada, acabou se afogando sob supostas acusações de corrupção, as mesmas que, ampliadas pelos meios de comunicação, o levaram a improvisar. Seu círculo pessoal mais próximo atuou de forma desleal e optou por denunciá-lo enquanto não obtivessem favores pessoais.

Na última semana, Castillo obteve uma vitória significativa quando o Tribunal Constitucional indeferiu a acusação de traição à pátria por declarações nas quais ele ofereceu à Bolívia uma saída para o mar. Entretanto, esta vitória foi superestimada pelo ex-presidente, que ingenuamente acreditou que o fechamento do Congresso levaria a opinião pública a se manifestar a seu favor nas ruas.

Apesar de que no dia em que o Congresso discutiria pela terceira vez sobre sua destituição, a oposição não contava com os 87 votos parlamentares para conseguir isso, a decisão do ex-presidente não contava com nenhum respaldo político. Ainda assim, Castillo decidiu precipitadamente decretar o encerramento do Congresso.

Diante deste movimento, a Câmara se reuniu imediatamente em sessão para declarar a incapacidade moral do presidente e, poucas horas após sua decisão imprudente, Castillo foi detido e colocado à disposição do Ministério Público. Em poucas horas, Dina Boluarte foi reconhecida pelo Congresso da República como sua sucessora. Boluarte, que vem das fileiras do Perú Libre, foi finalmente expulsa de seu partido ao declarar que não abraçava sua ideologia.

O que é certo é que a suposição de Boluarte à Presidência é a sexta em seis anos. Boluarte não tem nenhum apoio formal no Congresso e, por isso, tentará constituir um gabinete plural. Se ela não conseguir fazer isso, as probabilidades de que ela seja destituída são muito altas. 

Este perigo reside particularmente na extrema direita, que conta com várias bancadas e tem um destacado protagonismo. Estas formações estão dispostas a desgastar o aparelho institucional peruano enquanto não existir sintonia ideológica com o governo. Dado que Dina Boluarte é uma mulher da esquerda, qualquer agenda diferente seria motivo suficiente para substituí-la.

Existem evidências de que a oposição – especialmente a de extrema direita – atuou de forma desleal e com fundamentos pouco constitucionais para destituir o ex-presidente Castillo. O fato é que as prerrogativas de controle político dão visibilidade aos seus parlamentares, que pouco se comprometem com as demandas urgentes do país. 

Não há dúvida de que este registro de instabilidade do sistema político no Peru se sustenta no próprio desenho institucional, que propicia o confronto em vez da cooperação. De fato, o exercício do poder no país se reduz à presença de um presidente com muitos recursos políticos frente à parlamentares que, para se tornarem opções de alternância, não podem apelar para nenhuma outra estratégia que não seja a do confronto, inclusive sendo desleais ao regime democrático, se necessário.

Se Castillo tivesse aceitado a vaga, ele talvez politicamente teria saído fortalecido. O projeto institucional peruano fez com que Castillo optasse por sair equivocadamente da constitucionalidade vigente. E esse foi um erro grave.

Com seu decreto, Castillo esperava convocar novas eleições parlamentares. Entretanto, não havia garantia de que um novo congresso lhe fosse favorável, já que ele não tinha partido e não representava uma proposta ideológica concreta. Em outras palavras, teria sido um exercício de poder sem um propósito claro e sem qualquer proposta concreta para o segmento do eleitorado que o impulsionou ao poder e que tanto demanda mudanças sociais. 

O que Pedro Castillo realmente fez foi unir todos contra ele e com isso tornar inviável qualquer movimento progressista no Peru.

Autor

Cientista Político. Profesor e investigador asociado de la Universidad Federal de Goiás (Brasil). Doctor en Sociología por la Univ. de Brasilia (UnB). Postdoctorado en la Univ. de LUISS (Italia). Especializado en estudios comparados sobre América Latina.

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