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Por que os pais não tiram licença paternidade?

Quando os pais optam por não tirar o tempo que a lei lhes concede para cuidar de seus filhos recém-nascidos, enviam — intencionalmente ou não — uma mensagem clara: que o cuidado infantil continua sendo responsabilidade principal das mulheres.

Os homens geralmente não tiram licença paternidade quando se tornam pais. Cerca de 90 dos 187 países oferecem licença paternidade remunerada legal, geralmente por alguns dias ou semanas. Apesar disso, seu uso continua baixo por várias razões que vão além de um simples dado anedótico: é um sintoma profundo de como os papéis de gênero operam em nossa sociedade.

Ainda hoje persistem normas sociais que associam o cuidado dos filhos principalmente à mãe. Muitos homens são ensinados desde pequenos que seu papel principal na família é o de provedor, não o de cuidador. Tirar licença paternidade pode ser visto como uma “fraqueza” ou como uma falta de compromisso com o trabalho, gerando medo de represálias no trabalho ou de frear o avanço profissional. Em culturas empresariais muito competitivas, isso pode ser especialmente dissuasivo.

Por outro lado, há barreiras econômicas e de concepção nas políticas. Em alguns países ou empresas, as licenças para pais são curtas, mal remuneradas ou não obrigatórias, o que desincentiva seu uso. Ademais, se a família depende mais da renda do pai (por diferenças salariais ou outras razões), tirar licença pode representar uma perda econômica significativa.

Quando os pais optam por não tirar o tempo que a lei lhes concede para cuidar de seus filhos recém-nascidos, enviam — intencionalmente ou não — uma mensagem clara: que o cuidado infantil continua sendo responsabilidade principal das mulheres. Essa omissão, repetida e generalizada, tem consequências sistêmicas tanto no lar quanto no mundo do trabalho.

Por que isso reforça a desigualdade?

As mães, ao assumirem sozinhas a licença parental e grande parte do cuidado diário, ficam mais expostas a pausas em sua carreira profissional, empregos de meio período ou demissões de cargos com maior exigências de horário. Enquanto isso, os homens conservam sua continuidade profissional, aumentando assim seu capital profissional e seu potencial de promoção.

No campo do trabalho, essa dinâmica perpetua o viés de gênero na contratação e promoção. As empresas assumem que uma mulher jovem provavelmente se ausentará por maternidade e cuidados com os filhos, enquanto os homens não. Isso se traduz em menos oportunidades de promoção para as mulheres, mais obstáculos para assumir funções de liderança e, por fim, uma diferença salarial que não se fecha, mesmo quando mulheres e homens têm formação e desempenho iguais.

Ademais, gera-se um círculo vicioso: se os homens não tiram licenças, torna-se uma norma informal não fazê-lo, alimentando o estigma para quem deseja exercer seu papel de cuidador. Alguns estudos mostram que muitos pais que desejam tirar licença enfrentam pressão social ou medo de serem penalizados no trabalho. Assim, normaliza-se que o homem é o provedor e a mulher a cuidadora, mesmo em contextos em que ambos trabalham fora de casa.

Existem estatísticas que evidenciam a baixa participação dos homens nas licenças paternidade

No Reino Unido, só 31,6% dos pais elegíveis tiram licença paternidade, apesar de a política atual ser de duas semanas de licença remunerada. Na França, aproximadamente 40% dos pais tiram licença paternidade. No Japão, embora a lei permita até um ano de licença paternidade, só 30% dos pais a tiram, devido a normas trabalhistas rígidas e expectativas culturais. Similar à Coreia do Sul, onde 17% dos pais tiram a licença, apesar de a política permitir até 53 semanas de licença remunerada.

Nos Estados Unidos da América, não existe uma política federal de licença paternidade remunerada, levando a uma participação muito baixa dos pais no cuidado dos filhos, ao contrário do Canadá, onde as licenças existem, mas mesmo assim apenas 35% dos pais as utilizam. Na América Latina, vemos que entre Brasil e Chile só 27% e 12%, respectivamente, o utilizam, apesar da lei permitir e muitas empresas concedê-lo além do previsto na legislação.

Todos esses dados refletem como as normas culturais, as políticas trabalhistas e as expectativas sociais influenciam a participação dos homens nas licenças paternidade em todo o mundo.

Para que os homens tirem mais licenças paternidade, é necessário que as políticas sejam igualitárias, bem remuneradas, obrigatórias e socialmente valorizadas. Assim, começa-se a distribuir equitativamente a carga dos cuidados e a quebrar os estereótipos de gênero desde os primeiros dias da criação dos filhos.

Premiar o presenteísmo no trabalho, a grande barreira

Claudia Goldin — Prêmio Nobel de Economia em 2023 — pesquisou amplamente como o presenteísmo continua sendo valorizado em muitas empresas e como isso impacta negativamente as mulheres, sobretudo em seu progresso profissional e salarial. O presentismo é a crença de que estar fisicamente presente no local de trabalho por muitas horas (além dos resultados ou da produtividade) é sinal de comprometimento ou valor profissional.

Goldin mostrou que as carreiras melhor remuneradas tendem a premiar a disponibilidade total (24/7), o que penaliza quem não podem trabalhar de forma contínua e inflexível, como muitas mulheres com responsabilidade de cuidado. Mesmo em setores com alta participação feminina, como medicina ou direito, os cargos mais altos tendem a exigir horários imprevisíveis e jornadas longas. Isso leva muitas mulheres a optar por funções com mais flexibilidade, mas com menor remuneração ou projeção, contribuindo para a persistente diferença salarial entre os sexos.

O problema não é só a falta de políticas de conciliação, mas o fato de o sistema valorizar mais o tempo do que a eficiência. Isso desincentiva modelos de trabalho flexíveis, mesmo quando a tecnologia já permite novas formas de organização do trabalho. Nas palavras de Goldin: “O problema não é tanto a discriminação direta, mas a estrutura do trabalho que penaliza a flexibilidade”.

A diferença salarial desincentiva os homens a tirarem licença

Em muitos casais heterossexuais, o homem ganha mais do que a mulher. Essa diferença de renda, que pode parecer racional ao decidir quem fica em casa, na verdade é o resultado de anos de desigualdade estrutural. Então, quando nasce um filho, a lógica econômica familiar muitas vezes leva a mulher a tirar licença e não o homem, porque assim “se perde menos renda”. Essa decisão, embora prática no curto prazo, reforça o papel da mulher como cuidadora e do homem como provedor, perpetuando estereótipos que depois se refletem em decisões profissionais futuras.

Numerosos estudos mostram que as mulheres experimentam o que é conhecido como “penalização pela maternidade”: após ter filhos, seu progresso profissional desacelera, suas oportunidades de promoção diminuem e, em alguns casos, sua renda cai. Em contraste, os homens não só não são penalizados por serem pais, como muitas vezes recebem um “bônus pela paternidade” em termos de percepção de estabilidade ou compromisso profissional.

Isso ocorre, em parte, porque eles não se ausentam do trabalho por longos períodos, diferente de muitas mulheres. O uso desigual das licenças reforça essa diferença salarial, criando um ciclo vicioso onde a mulher perde poder aquisitivo e autonomia econômica, influenciando novamente as decisões familiares futuras. Quando as mulheres assumem a maior parte do cuidado infantil, reduzem sua participação plena no mercado de trabalho: trabalham menos horas, escolhem empregos mais flexíveis, mas menos remunerados, ou renunciam a oportunidades de liderança. Isso consolida a diferença salarial, que, por sua vez, reforça o padrão de que elas devem continuar cuidando da casa, porque “ganham menos”.

O que pode ser feito?

Para alcançar uma transformação real, são necessárias mudanças profundas. As empresas devem deixar de valorizar apenas a presença física e apostar em sistemas de trabalho baseados em resultados, flexibilidade e corresponsabilidade. Por sua vez, as políticas públicas devem garantir licenças parentais equitativas, bem remuneradas e obrigatórias para ambos os pais. Somente quando os cuidados forem compartilhados e o trabalho for organizado com perspectiva de gênero, poderemos falar de igualdade real e sustentada no mundo profissional.

Romper com esse padrão requer mais do que políticas bem redigidas; implica uma mudança cultural profunda que valorize o papel dos homens como cuidadores e das mulheres como líderes. Enquanto os cuidados não forem distribuídos de forma equitativa desde o nascimento, as mulheres continuarão enfrentando desvantagens no mundo do trabalho e os homens continuarão perdendo a oportunidade de ser pais presentes desde o primeiro dia.

Tradução automática revisada por Isabel Lima

Autor

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Psicóloga. Mestre em Políticas Públicas com enfoque de gênero. Especialista em Transformação Cultural e Coaching Ontológico. Diretora do FeminismoINC. Autora de “Inconveniente para Transformar” e “Atrevidas: Um manual de trabalho pessoal para o ativismo feminista”.

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