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Por que tantos brasileiros tentam tirar a própria vida?

Em 2014 um relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) já apontava uma realidade preocupante: entre 2000 e 2012 o Brasil foi o quarto país latino-americano com o maior crescimento do número de suicídios. Em números absolutos, era o líder do ranking. Chamava a atenção o fato de o número de vítimas mulheres ter subido mais (17,80%) do que o de homens (8,20%) naquele período. Quase dez anos depois, a OMS coloca o Brasil na contramão do mundo: o número de suicídios dobrou nos últimos 20 anos, superando (dentre as mortes por causas externas) as mortes por acidentes de moto.

Suicídios são evitáveis. Globalmente, políticas públicas têm sido implementadas visando uma redução das taxas de suicídio, muitas delas voltadas para impedir acesso aos meios mais utilizados, somados a restrição de acesso à bebida alcoólica e às armas de fogo, usadas em apenas 9% dos casos.

Os dados globais sobre suicídio demonstram que são os homens idosos que mais são vítimas, seguidos de homens jovens e mulheres na meia idade. Por essa razão, países mais desenvolvidos cujo perfil populacional é mais envelhecido apresentam maiores taxas de suicídio.

Ainda não se sabe ao certo, mas fatores como crise econômica, desemprego, níveis de desenvolvimento econômico, exposição à violência e uso de álcool e drogas, padrões de doenças mentais e a relação cultural das diferentes sociedades com o suicídio, além da facilitação do acesso aos meios para se cometer suicídio, são fatores de risco.

No caso brasileiro chama atenção o crescimento das taxas, fenômeno também observado em outros países latino-americanos como México, Argentina e Colômbia. Especificamente preocupa o aumento de casos entre mulheres, homens jovens e adolescentes, faixa de 15 a 29 anos. No caso dos últimos, de acordo com a OMS, globalmente o suicídio é a segunda causa de morte nessa faixa etária.

No Brasil, o suicídio figura entre as três principais causas de morte na faixa etária de 10 a 29 anos, a violência interpessoal (que engloba homicídios, feminicídios, agressões); suicídios e acidentes de trânsito. Esses casos têm idade, mas também cor: na maioria são jovens negros.

Entre 2000 e 2015 os casos aumentaram 65% entre pessoas com idade de 10 a 14 anos, 45% entre aqueles na faixa de 15 a 19 anos, sendo que o aumento na média da população foi de 40% para o mesmo período. Em 2019, a cada 46 minutos uma pessoa cometeu suicídio no Brasil, a maioria era homem, negro, como idade de 10 a 29 anos.

Outro fenômeno também foi observado ao longo dos últimos dois anos, marcados pela pandemia de COVID-19. Os casos aumentaram expressivamente entre os idosos nas regiões Norte e Nordeste. Observou-se aumento semelhante no Rio Grande do Sul, estado que sempre esteve na liderança das taxas no Brasil.

O suicídio além dos números

O suicídio é um fenômeno extremamente complexo, mas é possível destacar aqui algumas de suas facetas, individuais e coletivas. A principal delas é que precisamos enquanto sociedade encarar de maneira franca nossos sofrimentos e seus sintomas. O sofrimento sentido pelo indivíduo é também um sofrimento coletivo. Os casos de suicídio não são decorrentes apenas de um impulso do indivíduo, as doenças mentais são também construídas em relação com a sociedade, com o corpo coletivo que reconhece ou não seu mal-estar e seus sintomas.

Recorrentemente, aqueles que atentam contra a própria vida apresentam doenças mentais, tais como depressão e bipolaridade, que estão dentre as mais comuns. Sintomas como ansiedade, crise de pânico, estresse, fobia social, são comumente negligenciados, principalmente em uma sociedade que não se permite sofrer, que não elabora o luto, que não escuta ou observa o outro. Uma sociedade que trata as doenças mentais como um tabu, que entende o sofrimento como uma fraqueza, covardia de quem não consegue enfrentar a vida. Como esquecer do presidente que diante do medo coletivo e da crise provocada pela pandemia chamou de “maricas” aqueles que eram favoráveis ao distanciamento social e ao isolamento?

A aparição de ideias de morte relaciona-se na modernidade a uma forma de sofrimento ligado ao sentimento de perda; perda do desejo, perda do outro, perda de reconhecimento social, perda de sentido da experiência, ou seja, a percepção de que a vida não nos pertence mais, uma vida que não há por que valorizar.

Por que viver se meus desejos e sentimentos não são respeitados? Por que viver se não sou mais útil para os meus e para o coletivo? Por que viver se não tenho lugar, emprego, reconhecimento?

Por que nossos homens idosos, mais e mais jovens e adolescentes, e agora também mais de nossas mulheres, entoam essa pergunta de forma cada vez mais recorrente?

Cada transformação, cada perda em nossas vidas, separações, mudanças de casa, de escola, de emprego, o fim de uma amizade, a morte de um ente querido, desencadeiam processos de luto. Processos que nos forçam a reelaborar os sentidos da experiência, da existência e cujo sofrimento a ele inerente não deve ser ignorado.  

Não é de hoje que enfrentamos uma “pandemia de saúde mental”, com o aumento dos casos de depressão, do uso de psicotrópicos, por vezes abusivo e mau orientado (são ansiolíticos, antidepressivos, indutores do sono). O clonazepam, que em 2015 já figurou na lista dos 10 medicamentos mais vendidos no Brasil e no topo da lista dos ansiolíticos mais vendidos, teve um salto de cerca de 22% em suas vendas durante a pandemia.

O Brasil está vivendo uma experiência social coletiva complexa nos últimos anos, neoliberalização das relações sociais, exacerbação das responsabilidades individuais, crises econômicas, somadas a uma experiência de ressentimento e ódio coletivo catalisados pelas disputas políticas; a pandemia de Covid-19 e o desencadeamento de sentimentos de impotência, dependência, desamparo, as mortes e seus órfãos invisibilizados

Estamos doentes. As diversas formas de sofrimento, as doenças mentais – a depressão – e o aumento dos casos de suicídios são sintomas que jamais deveriam ser negligenciados.

Caso você tenha pensamentos suicidas, procure ajuda especializada como o CVV (www.cvv.org.br) e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail e chat. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

Cientista social. Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (IUPERJ / UCAM). Doutora em Ciências Sociais pela Univ. Estadual de Campinas (UNICAMP).

Autor

Cientista social. Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro da Universidade Cândido Mendes (IUPERJ / UCAM). Doutora em Ciências Sociais pela Univ. Estadual de Campinas (UNICAMP).

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