Em 1898, no contexto da guerra Hispano-Estadunidense, Porto Rico deixou de ser colônia da Espanha para se tornar um dos 16 territórios dos Estados Unidos. Destes, só cinco são habitados: Guam, Ilhas Marianas do Norte, Ilhas Virgens Americanas, Samoa Americana e Porto Rico, que é o único com a estrutura política requerida constitucionalmente para tentar transcender sua situação territorial.
Em 15 de dezembro, a Câmara de Representantes dos Estados Unidos aprovou com 233 votos a favor (217 democratas e 16 republicanos) e 191 contra (todos republicanos), o Porto Rico Status Act. HR 8393. Trata-se de uma lei apresentada pelos congressistas porto-riquenhos e democrata Nydia Velázquez de Nova Iorque e Darren Soto da Flórida, por meio da Comissária do Governo de Porto Rico em Washington, Jennifer González Colón. Esta última é aliada ao Novo Partido Progressista, que governa Porto Rico, e ao Partido Republicano, dos Estados Unidos. A lei também é endossada por outros 59 congressistas.
Esta legislação ordena a celebração de um plebiscito em Porto Rico para seus 3,2 milhões de habitantes, cidadãos americanos, que foi endossado pela primeira vez na história, de maneira explícita e direta por parte do Congresso (antes havia consultas consequentes, mas sem esse aval), para resolver e estabelecer seu status definitivo em sua relação com os Estados Unidos.
As opções de consulta excluem o status territorial-colonial vigente, chamado Estado Livre Associado (ELA), que foi estabelecido em 1952 e declarado falido fiscalmente desde 2017. Em termos macroeconômicos, Porto Rico, partindo do regime de ELA, tem uma renda per capita de cerca de 32.000 dólares anuais, que é menos da metade da média dos 50 estados (que também têm setores privados mais fortes e competitivos), mas com custos de vida e cargas tributárias, em muitos casos, comparáveis ou superiores a estes.
Os Territórios: modelos de inferioridade econômica e cidadã.
O constitucionalismo estadunidense estabelece duas categorias principais de organização política: os estados, nos quais seus cidadãos desfrutam de plenos direitos, subsídios socioeconômicos e privilégios, e os territórios, nos quais não existe tal otimização.
A constituição estadunidense de 1789, muito avançada para a época, mas enquadrada em tempos de expansões geográficas e escravidão, em seu Artigo IV Seção 3 (Cláusula Territorial) estabelece que “o Congresso pode dispor de, e promulgar todas as regras e regulamentos em relação ao território e outras propriedades pertencentes aos Estados Unidos”. Esta estipulação é de caráter plenipotenciária e fornece as bases para a própria constituição discrimine seletivamente os cidadãos americanos residentes nos territórios, que por exemplo não podem votar nas eleições dos Estados Unidos, mas são recrutados, inclusive obrigatoriamente se necessário, e já foram no passado, para servir militarmente nas Forças Armadas. Paradoxalmente, os cidadãos dos territórios adquirem direitos plenos se mudarem para um dos 50 estados.
O Projeto
O Projeto HR 8393 é o primeiro passo para que Porto Rico supere sua condição territorial/colonial. Este dispõe que a consulta plebiscitária incluirá três opções não-territoriais, considerando que qualquer delas é mais digna e eficaz do que o status atual: A) Independência ou separação total. B) Livre Associação, uma variante da Independência que por 25 anos manteria a cidadania americana para quem nascer nesse período, e transferências metropolitanas de recursos econômicos. C) Estado, que significa a integração plena, com cidadania estadunidense permanente e uma incorporação maior do que a atual da economia porto-riquenha à dos Estados Unidos. Porto Rico recebe hoje aproximadamente 22 bilhões de dólares anuais em transferências governamentais, um valor substancial, mas notavelmente inferior aos cerca de 40 bilhões que recebem os estados com populações comparáveis a Porto Rico, como Connecticut ou Arkansas. O estado ganhou os três plebiscitos mais recentes em 2012, 2017 e 2020.
Derivações
Embora o projeto 8393 não tenha sido discutido no Senado, e tecnicamente ficou sem vigência imediata ao final do período congressional em dezembro de 2022, seus proponentes, com o respaldo da Administração Biden, o impulsionarão novamente, e embora o processo político seja difícil e possa induzir ajustes, tem possibilidades de êxito em uma Câmara agora liderada por Republicanos, mas por uma maioria menor do que a margem de aprovação anterior. E, se desta vez, chega com tempo suficiente ao Senado, esse corpo está no controle dos Democratas.
No momento, o maior respaldo para o projeto vem do Partido Democrata, entre outras razões porque dentro do Partido Republicano há vozes que argumentam que Porto Rico seria um Estado Democrata. Esta é uma tese apócrifa porque ao longo da história Porto Rico elegeu candidatos de ambos os partidos. Ademais, a conduta eleitoral é sempre variável.
Além desta falsa teoria, o debate bipartidário nos Estados Unidos sobre temas de imigração e multiculturalismo repercute em Porto Rico. Por exemplo, no plano interno, entre os opositores à status de Estado, destaca-se o movimento independentista porto-riquenho, minoritário, mas influente, cujo perfil ideológico nacionalista o equipara, entre outras correntes políticas, ao separatismo catalão em suas reivindicações de assimilação cultural de uma nação “oprimida por uma força estrangeira, invasora, centralista e imperialista”.
Estes argumentos, que ressoam na extrema-direita xenófoba trumpista e suas periferias, são historicamente, antropologicamente e juridicamente erradas. Os Estados Unidos são um país marcadamente multicultural, com mais de 60 milhões de falantes de espanhol e em aumento, e a Constituição, como se reconhece no projeto 8393, não estabelece um único idioma oficial, deixando esse poder a cada estado, de modo que Porto Rico manteria o espanhol e o inglês.
Aconteça o que acontecer a curto prazo nos cenários e jogos de poder do Congresso, a aprovação do HR 8393 é um sucesso histórico e um novo e positivo gatilho para a política porto-riquenha.
Autor
Professor de Administração e Comércio Internacional na Escola de Administração de Empresas, Universidade de Porto Rico. Foi diretor acadêmico, decano e reitor dessa universidade.