Com 156 milhões de eleitores, o Brasil é a quarta maior democracia do mundo em número de eleitores cidadãos, atrás apenas da Índia, dos Estados Unidos e da Indonésia. Portanto, estas eleições gerais que serão realizadas em 2 e 30 de outubro, se um segundo turno for necessário, erguem-se como um acontecimento político de maior relevância em termos nacionais, hemisféricos e globais.
Pela perspectiva da prestação de contas eleitoral – também chamada vertical – os eleitores cidadãos brasileiros foram convocados às urnas para escolher as autoridades executivas e legislativas, tanto a nível federal, provincial e municipal, como distrital.
A responsabilidade pela organização deste evento democrático de escala global cabe ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE do Brasil. Com 90 anos de existência, o TSE é a instituição encarregada de todas as fases do processo eleitoral do país, incluindo o registro de eleitores (censo), o cumprimento estrito das leis, o registro de candidaturas, a organização das seções eleitorais, o fornecimento de justiça especializada e a proclamação de resultados.
Convém destacar que o TSE goza de um enorme prestígio dentro do país e considerável reconhecimento em termos internacionais, principalmente desde a redemocratização brasileira nas décadas de 1980 e 1990.
Em outras palavras, a organização, a integridade e a justiça observadas nas eleições brasileiras, especialmente desde a transição e consolidação democrática, foram corretamente valorizadas. Isto é uma constatação ainda mais significativa dada a corroboração, durante o período, tanto da participação política convencional significativa quanto da persistência de uma marcada competição política – ou seja, a luta legítima entre os partidos pelo poder.
Concomitantemente, embora seja necessário identificar insuficiências e contradições em outras dimensões da qualidade da democracia brasileira – especialmente naquelas de natureza processual, de conteúdo e mesmo de resultados – no que toca o desempenho institucional da principal organização eleitoral do país, não cabe mais que destacar o inquestionável trabalho técnico e imparcial do TSE. Consequentemente, fica plenamente justificada a alta qualificação alcançada pelo Brasil especificamente no que se refere à prestação de contas eleitoral, entendida como uma das dimensões processuais disponíveis para o estudo da qualidade da democracia.
Entretanto, e talvez inesperadamente, as eleições gerais deste ano, em vez de continuar sendo motivo de satisfação, civismo e republicanismo, correm o risco de se tornarem um acontecimento dramático, polarizador, sectário e violento principalmente na competição para o Palácio do Planalto, ou seja, a presidência da República. . Acontece que, alegando possíveis falhas de segurança nas urnas eletrônicas – um magnífico exemplo da tecnologia eleitoral utilizada desde a década de 1990 – o principal candidato do partido governista, Jair Bolsonaro, que está buscando a reeleição, ameaçou desconsiderar o resultado do processo.
Emulando narrativas usadas pelo ex-presidente Donald Trump nas eleições estadunidenses de 2020, que resultaram na tentativa de invasão ao Parlamento em 6 de janeiro de 2021, Bolsonaro e co-religionistas não hesitaram em impulsionar uma campanha de desinformação, abuso de poder político e econômico, e ameaças às autoridades do TSE.
O assunto é ainda mais preocupante porque alguns atores sociopolíticos importantes – incluindo o comando das Forças Armadas – parecem dispostos a embarcar em um temerário “Seis de Janeiro” brasileiro. Isto em um marco em que a maioria das pesquisas de intenção de voto desde finais de 2020 sugerem que a oposição brasileira teria razoáveis possibilidades de alcançar a vitória nas urnas, se as eleições continuassem sendo livres, justas e republicanas.
Sem dúvida, um “seis de janeiro” brasileiro representaria um cenário negativo de qualquer ponto de vista. Entre outras coisas, significaria um claro sintoma de erosão democrática e autocratização. Representaria também uma tentativa desenfreada de bloquear mecanismos de prestação de contas eleitoral – ou vertical -, desrespeito à soberania popular e o surgimento de um governo anti-republicano, ilegítimo e antidemocrático em um dos países referentes da América Latina e do Sul Global.
Não é surpreendente que um cenário de – eventual – desdemocratização no Brasil tenha gerado enorme preocupação entre a classe política e a sociedade como um todo, incluindo atores sociopolíticos tais como o empresariado, o sindicalismo, os movimentos sociais, a sociedade civil e o mundo acadêmico. Além disso, tais sintomas de erosão democrática e o questionamento da prestação de contas eleitoral repercutiram, também, no cenário internacional, principalmente em outros países latino-americanos, com vínculos e interesses no Brasil.
Um “seis de janeiro” brasileiro resultaria em um virtual autogolpe, em um espúrio “continuísmo” e em alguma forma de autoritarismo competitivo, ou seja, em uma mudança de regime político e a imposição de um governo iliberal ou híbrido.
Dito isto, não há outra escolha senão continuar monitorando de perto o curso da campanha, a promulgação dos resultados, o período pós-eleitoral e a tomada de posse das autoridades constitucionais eleitas. Em todas estas etapas, o órgão eleitoral brasileiro, liderado pelo Ministro Alexandre de Moraes, desempenhará um papel de destaque. Assim e somante assim, será viável que a democracia continue sendo o “único jogo disponível” no gigante sul-americano.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Investigador-colaborador no Centro de Estudos Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História. Especializado em temas sobre qualidade da democracia, política internacional, direitos humanos, cidadania e violência.