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Rumo ao Senado: Presença e representatividade de mulheres negras no Brasil

No cenário político atual, destacam-se duas mulheres negras que apresentam reais condições de ocupar as cadeiras desta casa nos próximos dois ciclos.

Em outubro de 2024, encerrou-se mais um processo eleitoral no Brasil, com cargos de prefeitura e vereança disputados por todo o país. Embora o resultado do pleito ainda não tenha traduzido o expressivo aumento de candidaturas de negras registradas no Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) neste ano, a cada eleição, cresce a mobilização para que mulheres negras, especificamente, ocupem cargos na política institucional.

Por esta razão, apesar dos resultados ainda tímidos, estamos diante de um movimento irrefreável: ontem disputou-se o Supremo Tribunal Federal; hoje, os cargos majoritários e proporcionais legislativos, amanhã será o Senado.

A participação de mulheres negras na política institucional tem sido elemento distintivo no cenário internacional, cujas expressões mais recentes são Epsy Campbell, vice-presidente da Costa Rica entre 2018 e 2022 e Francia Márquez, vice-presidente da Colômbia, desde 2022. Epsy Campbell não foi apenas uma vice-presidente, foi a primeira pessoa negra a assumir esse cargo em toda a América Latina; e Francia Márquez, por sua vez é o símbolo de um ativismo engajado com causas ambientais e de direitos humanos.

No Brasil, a reivindicação pela presença de mulheres negras na política institucional é uma forte pauta dos setores dos feminismos negros, em campanha que se fortaleceu após o assassinato da vereadora Marielle Franco e adquiriu contornos midiáticos, em 2023, quando o Governo Federal, ao reordenar o tabuleiro do jogo democrático, iniciou sua gestão com a missão de escolher dois nomes para o Supremo Tribunal Federal.

Superada a frustação gerada pelo preenchimento da vaga, a campanha se manteve nos processos eleitorais municipais deste ano; que, embora pareçam minúsculos, são representativos do embate que acontecerá nas próximas eleições, com candidaturas para cargos majoritários de presidente e governador; e, proporcionais de deputados federais, estaduais e senadores.

Será um momento para se discutir o perfil das candidaturas ideais para tais cargos. Tradicionalmente, a resposta-síntese para esta dúvida seria iniciada pela categoria pessoa. Assim, a pessoa escolhida deveria ter afeição à democracia, defender o Estado laico, assumir a defesa dos direitos sociais, salvaguardar a Constituição, e atender à conduta ética requerida pelo cargo.

Neste discurso, pessoa é a tradução usual para indivíduo universal, sem interferências de sua condição de gênero, raça ou demais elementos de distinção.

Sob esta perspectiva, reivindicações por grupos específicos fundamentadas em gênero e raça seriam identitarismos culturalistas superficiais, um modismo recente e perigoso que colocaria a identidade e dimensões culturais em primeiro plano, ocultando reais problemas cuja base seriam as desigualdades econômicas e sociais; dividindo o campo de lutas progressistas, e desconsiderando que, independentemente de raça ou gênero, o que está em jogo é um projeto de nação democrática e igualitária.

O equívoco desta concepção é julgar que pessoa é construção neutra destituída de gênero e de raça. Pessoa, frequentemente reflete a escolhas posicionadas. E, a contundência com que os movimentos sociais, com protagonismo para movimentos feministas e raciais, se projetaram no imaginário político a partir da segunda metade do século XX, colocou em xeque a neutralidade das concepções universais, expondo a impossibilidade de um projeto de igualdade social que desconsiderasse a especificidade da condição de gênero e de raça.

Gênero e raça estão na base da elaboração do mundo tal qual conhecemos: são, por exemplo, organizadores do trabalho, definindo perfil de inserção e ocupação, padrão de empregabilidade e de não-empregabilidade; atuação no mundo público e no mundo privado e, consequentemente, de assalariamento e remuneração; são, por consequência, os definidores; do acesso aso bens materialmente e simbolicamente desejáveis, como poder e prestígio. Gênero e raça também estão alimentando as predisposições subjetivas que chamamos de gosto, de preferência ou de opinião: assim, estabelecem padrão estético, afetos e escolhas.

Por esta razão, ao responder sobre a importância da eleição de mulheres negras, estamos, de fato, respondendo a outra pergunta: Por que defender uma mulher negra na política institucional nunca foi sobre ter uma mulher negra na política institucional?

Discutir a presença de mulheres negras na política institucional não é formalidade. Não foi para os últimos processos eleitorais, não foi para o caso do STF, tampouco será agora, ou em 2026. Trata-se de uma disputa relevante que está longe de ser meramente identitária, tampouco de representatividade numérica. Significa que não se trata apenas de reivindicação por mulheres negras em cargos de poder no campo político, mas de um perfil específico que traduza uma leitura progressista de realidade social.

Assim, não é sobre ter uma mulher negra na política institucional, mas, sobre a qualidade da democracia e do projeto de igualdade e de justiça social que, se pretende, seja desenvolvido. Em resumo, é sobre disputar um projeto de país. 

Voltando ao STF, em 132 anos de existência, 171 ministros passaram por seus prestigiados bancos: 165 homens brancos, 3 homens negros e 3 mulheres brancas. Equívoco supor que a escolha de 165 homens brancos seja meramente casual.

As casas legislativas são, igualmente, espaços exemplares desta distinção. Dos 513 deputados federais eleitos em 2022, 135 são autodeclarados negros, incluindo 19% que haviam de apresentado como brancos na eleição anterior. O que é interessante, visto que se, deste quantitativo, considerado recorde, fossem excluídas as mudanças de autodeclaração, teríamos 11,29% a menos de negros em comparação com 2018. Temos ainda, nesta bancada, 91 mulheres, 29 negras.

Atualmente, um dos espaços mais emblemáticos é o Senado Federal. Em 200 anos de existência, Laélia de Alcântara (PMDB-AC), assumiu 1982, sendo a primeira mulher negra e a terceira mulher na história a se tornar senadora. Após, Laélia, somente Benedita da Silva e Marina Silva. Três mulheres negras progressistas, com pautas democráticas e de equidade de gênero e raça. Por essa razão, a disputa pelo Senado vem sendo observada com especial atenção, sobretudo porque ali estarão os principais embates entre progressistas e conservadores acerca de um projeto nacional.

No cenário político atual, destacam-se duas mulheres negras que apresentam reais condições de ocupar as cadeiras desta casa nos próximos dois ciclos: Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial e Erika Hilton, Deputada Federal. Seus nomes têm sido veiculados nos bastidores políticos como possibilidades reais que mulheres negras, com perfil progressista ocupem vagas como senadoras.

Anielle Franco, é representante de segmentos do feminismo negro, contudo, vem se fortalecendo não somente nas pautas de gênero e de raça, mas igualmente no debate democrático mais amplo. Em seu ministério, investe no diálogo com os campos político, intelectual e setores tradicionais do movimento negro, que tem lhe conferido legitimidade no debate público.

Erika Hilton, a primeira mulher trans líder de uma bancada no Congresso Nacional, provavelmente não terá 35 anos em 2026. Foi eleita a melhor deputada de 2024 e apresenta pautas que incluem proteção à refugiados climáticos e à população de rua. Tem ampla aceitação entre os progressistas, reconhecimento como figura pública carismática, contando com milhões de seguidores. Certamente, um nome forte para 2030.

Se os prenúncios se confirmarem, serão duas candidatas a cumprir a assertiva de que: defender uma mulher negra na política institucional não é sobre ter uma mulher negra na política institucional, mas sim sobre ter um projeto político em disputa, sobretudo com pautas direcionadas para equidade e justiça social.

Se os prenúncios se confirmarem: encerrado o pleito de 2024, nos preparemos para o Senado.

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Doutora em Sociologia. Prof. Associada na Escola de Ciência Política e Prof. Permanente do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e em Ciência Política da UNIRIO. Integrante dos Comitês: de Pesquisa em Sociologia das Relações Étnico-Raciais, na SBS; de Gênero, Raça e Diversidade, na ABCP; e de Raça e Etnicidade, na ANPOCS.

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