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Trump e a crise do fentanil: América Latina em uma nova guerra fracassada contra as drogas

Os Estados Unidos enfrentam uma crise histórica com o fentanil, enquanto Trump reativa sua guerra contra as drogas com uma estratégia punitiva que pressiona a América Latina e relega a prevenção.

Os Estados Unidos abrigam o maior mercado de drogas ilícitas do mundo. Embora o consumo tenha crescido significativamente em outras regiões, tais como a Europa Ocidental, América do Sul e Oceania, a magnitude do mercado norte-americano ainda não tem paralelo, tanto pelo número de consumidores quanto pelos índices de prevalência. Segundo estimativas recentes, os norte-americanos gastam aproximadamente 150 bilhões de dólares anualmente em drogas ilícitas.

Ainda que a maioria dos consumidores de drogas ilícitas não desenvolva comportamentos problemáticos, os Estados Unidos enfrentaram pelo menos quatro grandes epidemias em sua história recente: a heroína no final dos anos 1960, a cocaína em pó em meados dos anos 1970, o crack nos anos 1980 e as metanfetaminas nos anos 1990 e início do novo século. No entanto, o desafio mais letal surgiu nos últimos anos: o fentanil.

A crise do fentanil: uma epidemia sem precedentes

As primeiras overdoses por fentanil foram registradas após a aprovação da substância como analgésico intravenoso pela Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) em 1972. Embora o uso indevido e ilícito do opioide tenha continuado provocando mortes nas décadas seguintes, o número de overdoses letais cresceu exponencialmente nos últimos anos. Em 2022, o país registrou 111.029 casos. Do total de mortes, cerca de 70% foram causadas por opioides sintéticos, principalmente fentanil. Segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), mais de 150 pessoas morrem por dia por overdose de opioides sintéticos.

Apesar de a crise de saúde pública nos Estados Unidos mostrar, pela primeira vez desde o início da epidemia, certos sinais de estabilização — marcados por uma queda de 3% nas mortes por overdose em relação ao ano anterior —, o país ainda registrou o alarmante número de 74.702 óbitos por consumo de opioides sintéticos em 2023. Segundo dados oficiais, a grande maioria desses casos esteve diretamente ligada ao uso de fentanil ilícito.

As evidências indicam que os cartéis mexicanos não somente traficam para os Estados Unidos fentanil puro proveniente de países como China e Índia, mas também estão envolvidos na fabricação ilícita do opioide sintético. Embora o governo mexicano tenha evitado divulgar a magnitude da produção no país, e até negado publicamente esse fenômeno, o papel central dos cartéis de Sinaloa e Jalisco Nova Geração é inegável, especialmente após a ampliação dos controles sobre essa substância pela China, em 2019.

Somente em 2023, o Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos apreendeu cerca de 12.200 quilos de fentanil, dos quais 94% correspondem aos pontos de travessia fronteiriça de San Diego (Califórnia) e Tucson (Arizona). Esses pontos estratégicos fazem fronteira com os estados mexicanos da Baixa Califórnia e Sonora, duas rotas-chave no tráfico de drogas, principalmente fentanil e cocaína, controladas pelos cartéis de Sinaloa e Jalisco Nova Geração.

Trump, fentanil e América Latina

As drogas ilegais, especialmente o fentanil, desempenharam um papel de destaque nas eleições presidenciais de 2024. A campanha eleitoral reacendeu o debate sobre a crise sanitária e seus impactos devastadores no país. Diante da oposição tímida dos democratas, as propostas de Donald Trump reforçaram sua visão punitivista centrada no combate à oferta de drogas ilícitas, traduzida em slogans grandiosos como “aniquilar os narcotraficantes”.

No primeiro dia de seu mandato, Trump reafirmou sua posição ao designar formalmente os cartéis de drogas como organizações terroristas, uma medida pendente desde sua gestão anterior. Seu foco na oferta refletiu-se não apenas em cortes orçamentários, demissões e reestruturações em áreas-chave da saúde mental e do combate ao abuso de substâncias nos Estados Unidos, mas também em sua Declaração de Prioridades de Política de Drogas. Nesse documento, emitido pela Casa Branca em abril, destacam-se dois objetivos centrais: (1) reduzir o tráfico global de drogas ilícitas e (2) limitar sua disponibilidade em território norte-americano.

Nesse contexto, o desinteresse de Trump pela América Latina — uma constante nas relações com a região nas últimas administrações — pode sofrer uma reorientação estratégica, embora não necessariamente por boas razões. O peso da migração irregular e do tráfico de drogas ilícitas em sua agenda doméstica, somado à necessidade de conter a ascensão da China no cenário internacional, provavelmente contribuirá para reposicionar a região.

Diferentemente do passado, a nova “guerra contra as drogas” não gerou benefícios econômicos para a América Latina. O governo Trump não projetou sua política antidrogas na região por meio de recursos e assistência, como ocorreu com programas emblemáticos como o Plano Colômbia ou a Iniciativa Mérida, mas sim por meio de coerção e pressão diplomática. Ao externalizar os custos da luta antidrogas, transferindo-os aos países latino-americanos, instituições fundamentais para o enfrentamento dos fatores estruturais da criminalidade organizada e da migração irregular, como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês), foram desmanteladas.

Embora a produção de cocaína esteja em níveis históricos e as overdoses associadas à substância tenham aumentado nos Estados Unidos, a atenção de Trump concentrou-se naturalmente no México e no fentanil. O presidente norte-americano pressionou o governo de Claudia Sheinbaum a intensificar o controle sobre a migração irregular e combater com mais rigor a produção e o tráfico de fentanil para os Estados Unidos. Com esses objetivos, Trump não apenas designou os cartéis de drogas como organizações terroristas, como também propôs o envio de tropas norte-americanas ao território mexicano, ameaçando ainda impor tarifas comerciais caso o governo de Sheinbaum não tomasse providências.

A pressão dos Estados Unidos parece ter surtido certo efeito. Embora Sheinbaum tenha descartado categoricamente a intervenção militar norte-americana, avançou em medidas concretas para combater o fentanil em seu país: mobilizou 10.000 soldados na fronteira norte e extraditou 29 líderes de organizações criminosas, entre os quais se destacam Rafael Caro Quintero e Miguel e Omar Treviño Morales, ex-líderes dos cartéis de Guadalajara e Los Zetas, respectivamente.

Esses avanços, no entanto, dificilmente serão sustentáveis. A obsessão por reduzir a oferta de drogas ilícitas, como demonstra a experiência histórica da região, não apenas ameaça o declínio temporário das overdoses nos Estados Unidos ao negligenciar políticas de prevenção e redução de danos, como também pode desencadear efeitos colaterais graves para a América Latina: fragmentação do crime organizado, reconfiguração das rotas do narcotráfico e aumento da violência. Além disso, essa política antidrogas de “incentivo e punição” pode ainda facilitar a expansão da influência chinesa na região.

*Tradução automática revisada por Janaína da Silva

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Professor Assistente do Departamento de Assuntos Internacionais da O.P. Jindal Global University (India). Doctor en Estudos Internacionais pela Universidade de Miami. Especializado en crime organizado e política de drogas na América Latina.

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