O método comparativo em Ciências Sociais busca estabelecer as causas de um fenômeno comparando casos similares ou diferentes com o fim de identificar a origem de um fato. Se queremos entender o que acontece na Argentina comparando-a com um país similar, a intuição nos levaria ao Uruguai. De um passado colonial parecido até sua localização no Rio da Prata, passando pelo fluxo migratório parecido, a forma de falar ou a produção de carne e soja, há inúmeras semelhanças. Também compartilham a maternidade do tango e de Gardel – apesar de o tordo crioulo ser nativo de Tacuarembó – e cada país é o lar de um dos gêmeos Salvo-Barolo. No entanto, o país da Banda Oriental do Rio Uruguai tem um sistema político muito mais estável do que o da Nação Argentina. Isso é atestado pelas elites portenhas que migram para o outro lado em busca de tranquilidade, apesar de manterem suas empresas e trabalhos na Argentina.Enquanto o Uruguai aparece em todos os índices como a democracia mais consolidada da América Latina, o sistema político da Argentina apresenta muitos problemas de funcionamento, apesar do firme compromisso democrático de seus cidadãos, e é aí que está a diferença entre os dois casos. É evidente, por exemplo, como os sistemas de representação política são diferentes: de um lado, há partidos consolidados que desenvolveram uma lógica de competição inclusiva; de outro, há um sistema partidário com uma lógica maniqueísta que tende à polarização necessária na “razão populista”. Também contrasta o fato de que, enquanto ao sul do Rio da Prata o personalismo abunda e é terra fértil para o surgimento de líderes políticos ególatras, no Uruguai os líderes agiram como anti-heróis e colocaram o coletivo à frente da “liderança”, seguindo o exemplo dos Trinta e Três Orientais e do herói Artigas, que foi ao Paraguai para tomar mate com Ansina.Se há um país com o qual a Argentina pode ser comparada, usando os critérios do que os metodólogos políticos (ou vice-versa) chamam de Most Similar Systems Design (MSSD), é o Equador. O MSSD busca variáveis explicativas nas quais os países são similares, e não há dúvida de que são os dois casos latino-americanos que melhor atendem a essa premissa, se levarmos em conta que compartilham uma clara tendência ao default (inadimplência de dívidas) em termos econômicos e ao populismo em termos políticos. Me explico e elaboro.Embora as “crises da dívida” sejam habituais na América Latina, Argentina e Equador ocupam as primeiras posições, em relação aos outros países da região, no número de vezes que incorreram em várias formas de inadimplência e morosidade durante essa terceira onda democrática. Apesar das diferenças – sobretudo no tamanho do PIB e da indústria – as duas economias compartilham uma dependência do setor externo, altos níveis de desigualdade e desconfiança em suas moedas nacionais, o que, no caso do Equador, foi solucionado com a dolarização, medida que o presidente Milei quer adotar e que o peronista Menen usou em sua versão conversível. São duas economias com tendências inflacionárias e déficit orçamentário, o que acaba se traduzindo em mais dívida, emissões inorgânicas ou outros truques contábeis no caso do Equador, que não pode ativar a máquina de notas. Também se parecem, e isso está relacionado ao ciclo político, já que muitas das autoridades econômicas não se preocuparam com os equilíbrios macroeconômicos, pois sua visão da economia considera que tais são reservados aos economistas ortodoxos fiéis ao Consenso de Washington.Embora o peronismo tenha se tornado o tipo ideal weberiano de populismo latino-americano, um dos pais fundadores, junto com Getúlio Vargas, é o equatoriano José María Velasco Ibarra, que ocupou pela primeira vez a presidente da república em 1934. Desde então, o velasquismo foi um dos pivôs da política equatoriana até o início de 1970. Os sistemas políticos de Equador e Argentina sempre tendem ao populismo e, portanto, no século XXI, enquanto nos Andes a lacuna foi construída sobre o correísmo, na terra de Evita o eixo da política foi o kirshnerismo. Talvez isso explique o equatoriano Jaime Durán Barba entender tão bem a política argentina a ponto de vencer o todo-poderoso peronismo como estrategista.Em ambos os países, o populismo e o modelo econômico convergiram nas propostas de dolarização graças a dois presidentes que, além de populistas, compartilham o apelido de “El Loco” por suas explosões: Abdala Bucaram, no Equador, e Javier Milei, na Argentina. Abdalá não terminou seu governo e não conseguiu implementar seu plano de dolarização. Agora resta saber se Milei o fará. Se o fizer, além do que pode acontecer com outras políticas e suas consequências, a mudança de moeda modificará substancialmente o funcionamento da economia e da política argentina, como aconteceu no Equador quando se dolarizou. Nesse sentido, não tenho dúvidas de que o “peronismo/K”, como o conhecemos, será sua primeira vítima.
Autor
Cientista político. Diretor do Instituto de Iberoamérica da Universidade de Salamanca. Professor de Ciência Política com especialidade em política comparada na América Latina. Doutor e Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Salamanca.