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Crise migratória no Darién: oportunidades para uma resposta regional

O recém-eleito presidente do Panamá, José Raúl Mulino, está cumprindo sua promessa de “fechar o Darién”, através da instalação de uma cerca de arame farpado.

A crescente crise migratória na América Central, simbolizada pelo fluxo sem precedentes de migrantes através do perigoso Tampão de Darién, tornou-se um símbolo evidente das falhas na governança regional e nos crescentes desafios humanitários na gestão de populações deslocadas. Desde 2020, o número de migrantes que cruzam o Tampão do Darién aumentou de 8.000 para quase 500.000 até o fim de 2023, segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), que informa que são principalmente cidadãos da Venezuela (quase 60%), bem como do Haiti, Equador e, mais recentemente, da China. Crianças, pessoas com deficiências e quem sofre de doenças crônicas ou problemas de saúde mental constituem uma porcentagem importante desses grupos de migrantes. Centenas de milhares de migrantes irregulares de diferentes países cruzam o Tampão do Darién para o Panamá vindos da Colômbia. A maioria tenta chegar aos Estados Unidos. A selva de Darien separa a América do Sul da América Central e é a única interrupção na Rodovia Pan-Americana, que liga as Américas.

Esse aumento na migração irregular levou a políticas mais rígidas nos Estados Unidos, resultando na deportação de muitos migrantes, muitas vezes para países da América Central. Recentemente, uma mudança em direção a políticas ainda mais restritivas levou a uma mudança significativa na política nas Américas. O recém-eleito presidente do Panamá, José Raúl Mulino, assumiu o cargo em julho de 2024 com a promessa de “fechar o Darién” em resposta à crise humanitária. A decisão de fechar a travessia de Darién levou à instalação de uma cerca de arame farpado, com profundas implicações para a dinâmica da migração regional e os direitos humanos dos migrantes. Essa ação unilateral, junto às deportações financiadas pelos Estados Unidos, tem vários impactos importantes e levanta questões importantes sobre a responsabilidade do Estado no fornecimento de proteção. Primeiro, o fechamento da passagem força os migrantes a buscar rotas alternativas, que provavelmente serão mais longas e mais perigosas. Isso aumenta o risco de violência, exploração e condições adversas durante a viagem, e também pode alimentar as redes de contrabando de pessoas, já que os migrantes recorrem aos coiotes para obter novas rotas, expondo-os a mais exploração e abuso, conforme relatado.

O fechamento e as deportações violam fundamentalmente as obrigações dos Estados sob o direito internacional e os direitos humanos, inclusive o direito de solicitar asilo e proteção contra a deportação para locais onde os migrantes enfrentam riscos significativos. Ademais, essas ações violam princípios básicos de dignidade e proteção humanitária, exacerbando o sofrimento de indivíduos que já estão fugindo de condições extremas de fome, violência e pobreza. Os migrantes agora bloqueados pela cerca de arame farpado se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade, com acesso inadequado a serviços básicos, como comida, água, atenção médica e abrigo. O fechamento da travessia de Darien pelo Panamá, combinado com a pausa na concessão de asilo durante o governo Biden nos EUA, criou uma situação crítica para os migrantes da região, que estão presos e no limbo.

Essa situação expôs uma profunda crise de governança, não só a nível bilateral, mas também a regional. O corredor que liga a Colômbia ao Panamá se tornou um microcosmo de sistemas regionais que falharam na hora de proteger as pessoas deslocadas. Em vez de oferecer soluções, essas estruturas estão presas em uma dinâmica global que criminaliza os migrantes e limita seu acesso à proteção e aos direitos básicos.

Na 79ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, Mulino, o presidente panamenho, surpreendeu a muitos ao se distanciar do discurso de seu antecessor, Laurentino Cortizo Cohen, que, um ano antes, na 78ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, declarou: “É uma situação insustentável… na qual somos vítimas e não responsáveis”. Mas Mulino também optou por uma postura mais pragmática, suavizando a dura retórica do fechamento das fronteiras. Reconhecendo a necessidade de uma abordagem regional e multilateral, seu discurso defende a cooperação além das fronteiras nacionais, marcando uma clara ruptura com a tendência de culpar outros países.

Um ponto importante no discurso de Mulino foi seu afastamento da narrativa oficial que, durante anos, insistiu que “o Darién não é uma estrada; é uma selva”. Em vez de perpetuar essa visão, o presidente reconheceu que o Darién é, de fato, uma passagem migratória, e a prioridade agora é torná-la segura e eficiente. O que significa uma rota “segura e eficiente”? Isso ainda precisa ser definido, mas sugere uma abordagem mais colaborativa e realista do problema, afastando-se da inação que caracterizou as administrações anteriores.

Um elemento fundamental dessa estratégia foi a aproximação com o presidente colombiano Gustavo Petro, que aliviou as tensões bilaterais e abriu as portas para a ação multilateral. Essa nova abordagem também apresenta uma oportunidade de revitalizar iniciativas regionais, como o Acordo de Cartagena, que pode ser crucial para repensar a crise migratória de uma perspectiva mais ampla. Não se trata apenas de direitos humanos, mas também de vincular esses esforços aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente em áreas críticas como saúde e meio ambiente, que foram severamente afetadas pela crise migratória na região.

O desafio agora é transformar essa retórica em políticas concretas. No entanto, embora esse seja um passo importante, o desafio regional para instituições como a Comunidade Andina (CAN), o Mercosul e o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA) é que atualmente elas não têm capacidade nem uma agenda clara para promover esforços compartilhados ou mobilizar cooperação e recursos transnacionais.

A cooperação regional baseada no respeito aos direitos humanos e aos compromissos internacionais será essencial para garantir que os direitos dos indivíduos perseguidos e deslocados sejam protegidos em nível nacional e regional. A tarefa é imensa, mas essa mudança no discurso representa uma oportunidade para reavaliar as políticas de fronteira, reformular a resposta regional e a cooperação internacional e criar soluções mais humanas e sustentáveis para a crise que afeta centenas de milhares de pessoas deslocada

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Professora de Política Internacional da Universidade de Southampton. Doutora em Política e Relações Internacionais pela Univ. de Warwick. Mestre em Relações Internacionais pela Univ. de Miami e FLACSO-Argentina.

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