Por décadas, a velhice foi vista — e muitas vezes temida — como uma etapa de dependência, fragilidade e isolamento social. Em grande parte da América Latina, essa ideia foi reforçada por imagens de “avôs” passivos, necessitados de assistência e afastados do mundo produtivo ou digital. Mas o que acontece quando os próprios idosos se descrevem de outra maneira?
Um estudo recente no Chile, elaborado pela consultoria Datavoz, mostra resultados que nos levam a questionar os estereótipos que circulam em grande parte de nossas sociedades. Segundo o relatório, 85% das pessoas com mais de 65 anos se declaram totalmente autossuficientes; nove em cada dez usam redes sociais sem problemas e uma proporção semelhante rejeita categoricamente a ideia de viver em um asilo. Além disso, 88% afirmam não se sentir um fardo para a família.
A distância entre essa autopercepção e a visão que os mais jovens costumam ter é significativa e revela um descompasso geracional que também pode estar ocorrendo em outros países da região. A velhice, ao que parece, não é sinônimo de dependência, mas de autonomia. Mas a percepção social é mais lenta do que a transformação demográfica.
Em toda a América Latina, estamos vivendo um processo de envelhecimento acelerado. Segundo dados da CEPAL, em 2050, uma em cada quatro pessoas terá mais de 60 anos e, em seis países da região, 30% dos habitantes terão essa idade. No entanto, nossas políticas públicas, serviços sociais e discursos culturais seguem operando a partir de uma matriz juvenilista, que não só ignora a autonomia dos idosos, mas muitas vezes a bloqueia ativamente.
Como não pensar nisso quando só 53% dos jovens chilenos discordam de viver em um asilo, enquanto entre os idosos atuais essa rejeição chega a 84%?
Será que a distância não é apenas de idade, mas de visão?
Nesse contexto, a urgência de revisar nossas políticas públicas torna-se evidente. Não basta ampliar os programas de assistência: é preciso repensar o próprio desenho de nossas cidades, dos sistemas de saúde, do transporte e dos espaços comunitários, para integrarem os idosos a partir da autonomia, e não da dependência antecipada. A América Latina não só envelhece rapidamente: envelhece de forma desigual, com profundas disparidades de gênero, classe e território. Sem uma ação deliberada e antecipada, corremos o risco de chegar a 2050 (quando um em cada quatro habitantes terá mais de 60 anos) com sistemas sociais pensados para uma pirâmide populacional que já não existirá.
O estudo da Datavoz não oferece receitas, mas levanta questões urgentes. Quem deve cuidar dos idosos? O Estado, as famílias ou um modelo híbrido? Como podemos garantir o direito deles de decidir onde e como viver? Estamos preparados, como sociedades, para oferecer alternativas dignas, ativas e livres de preconceitos?
A dimensão econômica também aparece com nuances: quase seis em cada dez idosos declaram que sua renda cobre totalmente seus gastos, embora com diferenças importantes por gênero (63% dos homens, 53% das mulheres). Só 21% recebem ajuda financeira de familiares ou pessoas próximas.
E embora a maioria declare se sentir capaz de realizar suas atividades diárias, há dificuldades específicas que não devem ser invisibilizadas: o transporte público e a limpeza da casa aparecem como as áreas mais complexas para esse grupo, o que revela que a autovalência também tem condições materiais.
Talvez a pergunta mais incômoda seja também a mais necessária: como imaginamos nossa própria velhice? Porque o que pensamos hoje sobre os outros, inevitavelmente, construirá o mundo em que viveremos amanhã.
Tradução automática revisada por Isabel Lima