Uma região, todas as vozes

L21

|

|

Leer en

A dupla moral de México e Brasil em sua política externa

Como observador europeu da política externa latino-americana, é comum perguntar-se se ela é guiada por princípios ou normas gerais. Os Governos europeus estão acostumados a serem acusados, muitas vezes com razão, de aplicar um duplo padrão em sua política externa. Mas parece que alguns Governos latino-americanos querem igualar ou inclusive superar a Europa neste aspecto.

AMLO e sua ingerência seletiva

O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) é um grande defensor da não-ingerência nos assuntos de outros Estados latino-americanos. Por isso, não criticou nem as imensas violações dos direitos humanos nem as expatriações forçadas na Nicarágua. Tampouco se interessou pela legitimidade do regime de Daniel Ortega, que encarcerou todos os candidatos sérios de oposição antes das últimas eleições e depois reprimiu brutalmente os protestos cidadãos, o que acarretou em numerosas mortes.

Entretanto, AMLO se interessou de repente pelos assuntos de outro Estado latino-americano e se converteu, assim, no árbitro da política peruana. Após o autogolpe televisionado e frustrado de Pedro Castillo, e sua posterior destituição pelo Congresso, o ex-presidente do Peru está na prisão e a justiça deve ditar sua sentença.

Para AMLO, Castillo é uma vítima e o novo governo peruano é ilegítimo. Certamente, pode-se criticar as ações do Governo peruano ao reprimir os protestos e a atitude do Congresso ao não convocar eleições antecipadas. Entretanto, não se deve reescrever a História. Castillo não fracassou por ser de esquerda, mas por sua inaptidão. Foi eleito como o menos pior de dois candidatos que, juntos, receberam só 32% dos votos no primeiro turno. Castillo perdeu o cargo porque tentou um golpe de Estado. 

Por um lado, AMLO mostra indulgência para com um ex-revolucionário que estabeleceu um regime personalista autocrático na melhor tradição da Somoza. Por outro lado, defende um golpista e como dano colateral causa uma crise na Aliança do Pacífico, uma das poucas organizações regionais que, até agora, tem manejado bem as mudanças na orientação política dos Governos de seus países membros. O Governo mexicano se nega a traspassar a presidência pro tempore da Aliança do Pacífico ao Governo peruano.

Lula da Silva e o conflito na Ucrânia

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, quer se tornar um mediador no conflito na Ucrânia. Quando o chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, visitou o Brasil em janeiro, Lula rejeitou categoricamente a entrega de munições à Ucrânia para tanques antiaéreos de fabricação alemã que eram utilizados pelo Exército ucraniano, que não são um sistema de armamento ofensivo, mas podem repelir ataques aéreos contra a população civil. Neste contexto, cabe perguntar se não é moralmente condenável negar tal apoio a um país que está sendo atacado, apesar da violação do direito internacional e que luta por sua sobrevivência.

Pouco depois, no início de março, o mesmo Governo brasileiro permitiu a entrada de navios de guerra iranianos no porto do Rio de Janeiro. O Irã é um país que apoia com armas (drones) o agressor no conflito da Ucrânia e oprime brutalmente sua própria população, em particular as mulheres.

Voltando ao tema da Nicarágua. O longo silêncio de Lula e de seu governo sobre a expatriação forçada dos nicaraguenses mostra que a defesa da democracia e das convenções internacionais de direitos humanos só desempenham um papel subordinado na política externa do novo Governo brasileiro.  

Recentemente, em 7 de março, o Brasil rompeu seu silêncio quando seu embaixador no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, Tovar da Silva Nunes, expressou “a profunda preocupação de seu governo pela decisão das autoridades nicaraguenses de privar mais de trezentos nicaraguenses de sua nacionalidade” e pelas “informações de graves violações de direitos humanos e restrições ao espaço democrático, em particular execuções sumárias, detenções arbitrárias e torturas”. Entretanto, diferente de outros países latino-americanos (como Chile e Colômbia), o Brasil não respaldou uma declaração conjunta de 55 Governos sobre a situação dos direitos humanos na Nicarágua.

Às vezes pode ser vantajoso não se posicionar em questões difíceis e controversas de política externa, mas espera-se que uma potência regional estabeleça normas para a região. Neste sentido, Lula já decepcionou durante suas presidências anteriores ao demonstrar uma certa tolerância para com as tendências autoritárias no campo da esquerda.

Em última instância, isto levou à crise e à paralisia da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). No Conselho de Direitos Humanos, o Governo brasileiro finalmente ofereceu-se para explorar a possibilidade de um diálogo construtivo entre o Governo da Nicarágua e os protagonistas relevantes. Entretanto, se surgir a questão de quem deve ser esses interlocutores relevantes, os partidos políticos e organizações da sociedade civil proibidos e dissolvidos, ou as figuras expatriadas da oposição? A iniciativa do Brasil chega muito tarde e é duvidoso que o Governo nicaraguense esteja interessado no diálogo e na mediação.

Existem, naturalmente, exceções louváveis e Governos latino-americanos de esquerda com uma política baseada em princípios e na defesa dos direitos humanos, onde sua aplicação não depende de terem sido violados por governos de direita ou de esquerda. Trata-se de governos da nova esquerda.

O Governo colombiano adotou uma posição inequívoca sobre a Nicarágua. Entretanto, a reação mais clara e rápida foi a do governo chileno do presidente Gabriel Boric, que sem dúvida tampouco teria permitido a entrada de navios de guerra iranianos nos portos chilenos, devido a uma posição clara sobre o conflito na Ucrânia e por respeito às mulheres iranianas.

As políticas externas ambivalentes de Brasil e México, e erráticas no caso deste último, dão a impressão de uma falta de princípios que não facilitam os processos de cooperação e integração regional. Existe, portanto, o perigo de que o aprofundamento da cooperação regional, impulsionado por esta nova onda rosa, termine de forma tão decepcionante quanto a onda anterior, quando os padrões democráticos foram diluídos. 

Autor

Otros artículos del autor

Pesquisador associado do German Institute for Gobal and Area Studies - GIGA (Hamburgo, Alemanha) e do German Council on Foreign Relations (DGAP). Foi Diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos e Vicepresidente do GIGA.

spot_img

Postagens relacionadas

Você quer colaborar com L21?

Acreditamos no livre fluxo de informações

Republicar nossos artigos gratuitamente, impressos ou digitalmente, sob a licença Creative Commons.

Marcado em:

COMPARTILHE
ESTE ARTIGO

Mais artigos relacionados