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COVID-19: crise alimentar para a A.L.?

Devido a sua capacidade e diversidade produtiva, a América Latina e o Caribe são considerado por muitos como o “celeiro” do planeta. De acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), entre 2015 e 2019, os países da região exportaram cerca de 223 bilhões de dólares anuais em alimentos. Isto representa 25% do total das exportações regionais e coloca a América Latina como a principal fornecedora de alimentos a nível mundial. Isso, em meio ao COVID-19.

Apesar desta vantagem relativa na produção e exportação de alimentos em relação a outras regiões, um número significativo de pessoas na América Latina e no Caribe não tem acesso a uma alimentação adequada.

O número de latino-americanos com dificuldade de acesso físico ou econômico a alimentos seguros e nutritivos passou de 157 milhões em 2015 para 205 milhões em 2019″

Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o número de latino-americanos com dificuldade de acesso físico ou econômico a alimentos seguros e nutritivos (insegurança alimentar) passou de 157 milhões em 2015 para 205 milhões em 2019, o que representa cerca de 32% da população da região. Adicionalmente, no mesmo período, a taxa de prevalência de subnutrição (ingestão calórica que não cobre as necessidades mínimas de manutenção de peso e altura) aumentou de 6,2% para 7,4% da população.

Com a pandemia da COVID-19 e suas repercussões econômicas e sociais, as dificuldades dos setores mais vulneráveis da região para ter acesso a uma alimentação adequada poderiam aprofundar e aumentar as taxas de subnutrição, desnutrição e excesso de peso, tornando-se um problema adicional de saúde pública e ameaçando a segurança alimentar regional.

Neste contexto, se torna fundamental para os governos da América Latina e do Caribe analisar, avaliar e mitigar os fatores de risco trazidos pela pandemia nas quatro dimensões da segurança alimentar: disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade.

No contexto da COVID-19, o fornecimento de alimentos foi afetado em vários países da América Latina”

Devido ao volume da produção agrícola regional e do comércio intra-regional, a disponibilidade de alimentos deveria estar garantida na maior parte dos países. Entretanto, no contexto da COVID-19, o fornecimento de alimentos foi afetado em vários países da América Latina. De acordo com um primeiro estudo sobre o impacto da COVID-19 nos sistemas alimentares da região publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e pela FAO, a disponibilidade de produtos agropecuários está sendo dificultada principalmente por dois fatores.

Primeiro, por causa de rupturas nas cadeias de abastecimento de alimentos. Atividades como transporte, logística, processamento e armazenamento têm sido fortemente afetadas pela COVID-19. Em segundo lugar, a crise econômica e a falta de liquidez estão tornando a produção de alimentos para pequenos e médios produtores e microempresas menos viável, pondo em risco a sustentabilidade do abastecimento.

Como mencionado, o acesso econômico e físico aos alimentos mostrou números preocupantes antes da crise sanitária. A população em zonas com maior pobreza apresentava dificuldades para obter uma alimentação adequada devido à falta de renda ou à distância dos pontos de venda. A contração da economia regional, a deterioração dos indicadores sociais e a redução da renda familiar, produtos da crise sanitária, dificultaram ainda mais o acesso a tais alimentos, especialmente para a população mais vulnerável. A isso se soma o aumento dos preços de bens essenciais como arroz, frutas e ovos em vários lugares da região durante a pandemia. De acordo com a CEPAL, entre janeiro e maio de 2020, o componente alimentar do índice de preços ao consumidor apresentou um aumento de 4,6%.

Na última década, a região conseguiu reduzir certos indicadores de desnutrição”

A terceira dimensão da segurança alimentar é a utilização adequada dos alimentos e sua qualidade nutricional. Na última década, a região conseguiu reduzir certos indicadores de desnutrição. De acordo com a FAO, a taxa de atraso no crescimento infantil em crianças menores de 5 anos passou de 11,4% em 2012 para 9% em 2019. Entretanto, o excesso de peso infantil aumentou de 7,2% para 7,5% no mesmo período e a obesidade adulta passou de 22,2% em 2012 para 24,2% em 2016. A pandemia traz o risco de que estes e outros indicadores relacionados à desnutrição apresentem retrocessos, produto da dificuldade de acesso a alimentos com qualidade nutricional suficiente.

A última dimensão para garantir a segurança alimentar é a estabilidade no tempo das três dimensões anteriores. A mudança climática, os desastres naturais e a vulnerabilidade dos produtos agropecuários às flutuações de preços seguem sendo os maiores fatores de risco para a estabilidade alimentar na América Latina e no Caribe. A incerteza e a crise socioeconômica resultantes da COVID-19 já estão gerando maiores dificuldades na oferta e no acesso aos alimentos. Nesta conjuntura, se encontram em maior risco os países do Caribe e os importadores líquidos de alimentos, já que são mais vulneráveis às flutuações de preços.

Dado este cenário complexo, o risco de que a pandemia venha a provocar uma crise alimentar não é menor. Para evitar isso, é necessária uma intervenção oportuna dos governos da região.

Neste contexto, a reativação da produção requer políticas que possam mitigar o impacto da pandemia a nível econômico e social, mas que não percam de vista a segurança alimentar. Dar sustentabilidade a oferta de alimentos na região e garantir seu acesso é algo urgente, especialmente para as populações mais vulneráveis. Há também a necessidade de proporcionar liquidez aos pequenos agricultores e empresas, fortalecer o autoconsumo e a agricultura familiar, e reduzir a especulação nas cadeias de distribuição.

Apesar do COVID-19, uma ação precoce e oportuna por parte dos países e instituições regionais permitirá a redução dos riscos que ameaçam a segurança alimentar na América Latina e no Caribe.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Autor

Economista. Profesor en la Universidad de las Américas - UDLA (Ecuador). Máster en Economía. Candidato a Doctor en Economía por la Universidad Complutense de Madrid. Especializado en macroeconomía, comercio exterior y políticas públicas.

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