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A praxis comercial verde da Europa e as relações com Brasil

A praxis comercial verde da Europa é um caminho sem volta. Desde o Acordo Verde Europeu de 2019, lançado pela presidência da Comissão da União Europeia de Jean-Claude Juncker, até o Plano de Recuperação EU Next Generation, lançado em julho de 2021 pela presidência de Ursula Von der Leyen, aos Estados membros da União é exigida uma previsão de reformas tributárias e a revisão da legislação sobre subsídios. O objetivo é que os países da União adéquem seus setores de transporte, indústria, energia e gestão de resíduos às novas metas ambientais.

A União Europeia aproveitou a necessidade de investimento para a recuperação econômica pós-COVID 19 para vincular o dinheiro europeu de transferência e empréstimo a compromissos de seus Estados membros com a transição energética e verde. O contraponto desta realidade de transição –que inclui a busca do cumprimento das metas de redução de 55% de gases de efeito estufa até 2030 e de neutralidade até 2050- é que o comércio internacional com os países da União Europeia sofrerá impacto.

A União Europeia é o segundo parceiro comercial do Brasil, somando-se importações e exportações. Y para esta relação comercial há dois temas centrais: um é o Acordo Mercosul-EU; o outro é a previsão de novos mecanismos tributários na Europa sobre emissão de gases poluentes e uso de energia não renovável na produção agrícola e industrial, com impacto no preço das importações dos países poluentes.

O Acordo Mercosul-UE, após cerca de três décadas, se encontra novamente paralisado. Após as negociações retomadas pelo Presidente Temer e um avanço importante dado em 2019, com a assinatura do acordo sob o governo Bolsonaro, vimos o Parlamento Europeu se pronunciar contra sua aprovação ante a falta de mecanismos de transparência e garantia de controle sobre os crimes ambientais no Brasil. Países como França, Irlanda e Áustria, levantaram suas suspeitas e críticas relacionadas ao Brasil, à falta de mecanismos jurídicos de controle sobre o descumprimento dos compromissos sobre desmatamento e outras maldades ambientais.

A Comissão da União Europeia vinculou o uso, por parte dos países membros, dos investimentos do pacote econômico de recuperação EU Next Generation, à aprovação de reformas que concebam “impostos ambientais”, além de uma taxa de carbono para aumento de receita direta europeia e como desestimulo à produção poluente e ao “vazamento de carbono” (quando uma indústria transfere sua produção para países onde o carbono é mais barato ou as normas não são tão rígidas quanto às regras nacionais).

A Comissão recomenda a eliminação de subsídios aos combustíveis fósseis e planos de investimento e ação que requerem reformas que garantam o cumprimento das metas de transição verde. A nova geração de taxação busca, por um lado, uma compensação pela responsabilização ambiental e, por outro lado, garantir que aqueles que poluem (ou desperdiçam mais recursos do que suportam) sofram as consequências pecuniárias – seguindo-se o princípio do “poluidor-pagador”.

Nesse contexto, a realização de uma transição normativa e tecnológica, e a  implementação de reformas necessárias ao cumprimento das metas de comércio sustentável, são mudanças iniludíveis para o Brasil em função da dependência do comércio com os países europeus.

Isso implica reformas para a transição tecnológica e energética em empresas produtoras e na indústria brasileira de setores dependentes do comércio exterior com os países membros da União e com o Reino Unido (que também aderiu às metas de transição energética e verde). Caso não haja uma cadeia de produção comprometida com as metas verdes, há previsão de mudança na balança comercial brasileira, que deve impactar a relação não só com a Europa, mas também com os Estados Unidos.

Entretanto, vimos em Glasgow uma nova postura do governo Bolsonaro a respeito de compromissos assumidos na COP26. O ministro do Meio Ambiente anunciou no dia 1 de novembro de 2021 uma “nova” meta climática, que na verdade –depois de explicados os cálculos e as mudanças de critérios– significou uma retomada do compromisso do Tratado de Paris.

Mas além deste fato pitoresco, o Brasil fez parte de dois acordos ambientais relevantes, em que os países signatários se comprometem com a redução de emissões de gás metano e a proteção das florestas (Forest Deal). O primeiro acordo afeta diretamente as atividades agropecuárias do Brasil e envolve a implementação imediata de medidas para cumprimento da meta de redução de emissões de gás metano em 30% até 2030.

Pelo segundo acordo, o Brasil se compromete a zerar o desmatamento até 2030 em pacto que coloca em destaque a importância de comunidades tradicionais que dependem da floresta (os povos indígenas) e propõe embargo ao comércio internacional e ao financiamento de produtos oriundos de países que desrespeitem terras protegidas, seus povos e florestas. Podemos dizer que tivemos mais uma surpresa do atual governo, desta vez positiva.

No entanto, o legado de Glasgow e o dilema da ratificação do Acordo Mercosul-UE ensinam que o status quo das condições comerciais entre Brasil e os países da União Europeia não permanecerá. Uma vez que os países europeus cumpram os compromissos assumidos, independentemente do Brasil cumprir os seus o impacto da transição verde europeia alcançará os setores exportadores brasileiros.

Nesse contexto, além da expectativa sobre os próximos capítulos a respeito dos compromissos assumidos pelo Brasil na COP26, é de interesse dos setores exportadores brasileirosrealizarem uma radical transformação em seus modelos energéticos e na gestão de recursos e tecnologia, alinhando-se com o compromisso mundial a respeito do risco climático. Setores exportadores brasileiros que dependem do comércio com a UE precisarão de adaptações e investimentos para garantir o fluxo de exportação já existente. Ou seja, será preciso mudar para que permaneçam como estão no cenário do comércio internacional.

Autor

Cientista política. Profesora e investigadora de la Universidad del Estado de Río de Janeiro (UERJ). Doctora en Ciencia Política por IUPERJ (actual IESP / UERJ). Investigadora del Centro Brasileño de Relações Internacionais (CEBRI) - Núcleo Europa.

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