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As chaves da sustentação de Maduro

Maduro conta com uma arquitetura institucional moldada por seu antecessor, com pessoal operante e aderente, que compõe as hierarquias dos poderes executivo, legislativo e judiciário.

Como é possível hoje em dia cometer uma fraude eleitoral grosseira como a perpetrada na Venezuela? Como é possível que um regime político consiga se manter de pé após cometer tal crime? Perguntas como essas circularam o mundo nas últimas semanas. E não parecem ter uma resposta plausível. Entretanto, por mais inacreditável que a situação pareça, as chaves que explicam a sustentabilidade do regime ilegítimo de Maduro podem ser investigadas. Examinemos algumas delas.

Possuir uma base social de apoio (minguante). O regime de Maduro não está socialmente isolado. Há um velho mito de que as ditaduras carecem de base social de apoio, algo que a realidade prova continuamente errônea. De Franco a Pinochet, para mencionar ditadores conhecidos, não careciam de uma base social considerável, sobretudo no início de seu regime.

No caso do regime chavista, percebe-se dois componentes tradicionais: o apoio social de um cidadão comum que, em algum momento, sentiu simpatia pela fachada bolivariana do governo e o apoio de minorias militantes, cada vez mais enquadradas em destacamentos de choque. É evidente que, atualmente, a população simpatizante reduziu drasticamente, o que aumentou a relevância dos núcleos militantes ativistas. As últimas eleições indicam que o regime de Maduro ainda tem um quarto do eleitorado, o que significa que teria perdido as últimas eleições de forma definitiva, mas ainda pode encher uma praça ocasional com grupos militantes.

Apoio de poderes constituídos minimamente coesos. Maduro conta com uma arquitetura institucional moldada por seu antecessor, com pessoal operante e aderente, que compõe as hierarquias dos poderes executivo, legislativo e judiciário, cujos comandantes estão dispostos a apoiar corrupções políticas de graus variados, tanto para se beneficiar delas quanto para evitar a incerteza que a queda do regime acarretaria. Também conta com o apoio da atual cúpula militar, embora a atitude dos jovens oficiais que implementaram o Plano Venezuela, que evitou a destruição das atas nas seções eleitorais, indique que nem todos os militares estão convencidos de apostar em um futuro chavista.

Um poderoso fator aglutinante, não diretamente ideológico, tem relação com o temor dos comandantes políticos e militares de que, inevitavelmente, enfrentariam represálias após a queda de Maduro. E os esforços da oposição que o governo aceite a derrota eleitoral em troca de garantias de que não haverá retaliação não são confiáveis para os membros do regime ou seguem percebendo um alto risco nesse sentido.

Manutenção de um certo grau de adesão ideológica. A ideologia que aglutina os diferentes componentes do regime tem duas referências. Uma específica procedente da revolução bolivariana de seu fundador, Chaves, que retoma o impulso soberanista e anti-imperialista do passado para associá-lo a uma perspectiva socialista de mudança social. E outro componente, mais difuso, que é uma herança direta da cultura política autoritária que permeou a maioria da esquerda latino-americana no século XX. A essência dessa cultura política consiste em desprezar o valor da democracia, considerada como uma nota bene da revolução social. Essa cultura política ainda se mantém em importantes partidos da esquerda comunista ou radical da região. A Frente Sandinista nicaraguense e o MAS boliviano são bons exemplos. Mas a referência final ainda é o Partido Comunista cubano. Portanto, é um ato de coerência o fato de esses partidos terem aceitado automaticamente a fraude eleitoral na Venezuela. 

Posse de importantes apoios internacionais (autoritários). Alega-se que o regime de Maduro está isolado internacionalmente. Mas essa é uma verdade parcial. O atual governo venezuelano tem o apoio de regimes autoritários da região e, fora dela, tem a aliança de potências mundiais como China e Rússia, além de alguns governos autoritários de segundo escalão, como Irã e Coreia do Norte. Na conjuntura internacional atual, o regime de Maduro é um claro locatário do que tem-se chamado de retorno da Guerra Fria. Isso não significa que ele não sofra os efeitos do isolamento em boa parte do mundo ocidental, mas é aconselhável não extrapolar essa circunstância.

Em suma, uma revisão das chaves de sustentação do regime de Maduro mostra que sua queda não é exatamente fácil. Diante dessa evidência, várias abordagens são propostas para alcançá-la. Um segmento da oposição, sobretudo no exílio, favorece soluções violentas (atentados, invasões, etc.). Mas há um amplo consenso de que isso justificaria ainda mais a repressão violenta do regime, aglutinando ainda mais os poderes constituídos. Outro setor, na direção oposta, argumenta que deve-se continuar aceitando a realidade chavista na espera da eventual criação de condições favoráveis para uma negociação. Talvez o expoente mais conhecido dessa orientação seja o líder do PSOE, Rodríguez Zapatero, mas também há apoiadores na esquerda brasileira e colombiana que pressionam seus governos a suavizar as críticas ao governo de Maduro.

Por fim, há um amplo setor democrático e progressista que é partidário de manter uma firme demanda pela transparência do resultado eleitoral, enquanto busca uma estratégia robusta para debilitar o regime de Maduro. Essa abordagem exige um esforço considerável da oposição interna, que enfrenta todos os recursos que Maduro tem para se sustentar e, ao mesmo tempo, eleva a pressão internacional. Também requer um processo de acordos específicos articulados e um uso adequado do tempo. E, sobretudo, ler com precisão os sinais que surgem do nada. Deve-se lembrar que, em muitos casos, o provérbio eslavo de que o peixe sempre apodrece pela cabeça se mostrou verdadeiro. Não é exagero pensar que muitos quadros do regime percebem cada vez mais que não haverá um futuro chavista para a Venezuela.

Autor

Enrique Gomáriz Moraga tem sido pesquisador da FLACSO no Chile e outros países da região. Foi consultor de agências internacionais (UNDP, IDRC, BID). Estudou Sociologia Política na Univ. de Leeds (Inglaterra) sob orientação de R. Miliband.

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