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As Corinas e o sistema político eleitoral venezuelano

Nos últimos dias, a comunidade internacional testemunhou a violação dos direitos políticos na Venezuela durante o processo de registro de candidaturas para a eleição presidencial.

Nos últimos dias, a comunidade internacional testemunhou a violação dos direitos políticos na Venezuela durante o processo de registro de candidaturas para a eleição presidencial, marcada para 28 de julho de 2024 pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Essa data é carregada de simbolismo para o chavismo, pois é o aniversário de Hugo Chávez Frías e tem a intenção de se conectar com seus seguidores. Dada a rejeição de Nicolás Maduro entre os chavistas moderados – que seguem avaliando positivamente o comandante, mas questionam seu sucessor pela situação socioeconômica, a deficiência dos serviços públicos e a falta de garantias para o exercício dos direitos sociais: à saúde, à educação de qualidade, a um salário digno, entre outros –, apela-se às emoções.

A realização das eleições presidenciais no segundo semestre de 2024 faz parte dos compromissos estabelecidos no Acordo de Barbados, firmado entre o governo da República Bolivariana da Venezuela e a oposição, representada pela Plataforma Unitária da Venezuela. O primeiro compromisso incluía expressamente “o direito de cada ator político de escolher seu candidato para a eleição presidencial de maneira livre e conforme seus mecanismos internos, atendendo ao estabelecido na Constituição da República Bolivariana da Venezuela e na lei”. Essa era a garantia mínima exigida pela oposição.

María Corina Machado Parisca

Nesse contexto, as primárias da Plataforma Unitária ocorreram em 22 de outubro de 2023 para a seleção de uma candidatura unitária, na qual María Corina Machado Parisca, uma autodefinida liberal do partido Vente Venezuela, ganhou com mais de 90% dos votos. Machado representa a ala mais radical e de direita da oposição venezuelana e é chamada por alguns de “dama de ferro venezuelana”, lembrando a primeira-ministra Margaret Thatcher, com quem compartilha certas abordagens, entre elas, a redução do Estado e o liberalismo econômico.

Machado atua em espaços públicos/políticos há mais de vinte anos, primeiro na organização Súmate e, desde 2012, com a fundação de seu partido. Até sua eleição, se caracterizava por negar-se a manter diálogos com o governo e por ter divergências públicas com a maioria dos líderes da oposição. Essas características são avaliadas positivamente por uma parte da população que a vê como a única alternativa para sair do atual governo. Para outra, sua teimosia e intransigência podem ser um obstáculo para uma eventual transição política.

Em um primeiro momento, seu apoio vinha principalmente das elites e dos venezuelanos mais ricos no exterior, mas nos últimos tempos conseguiu se conectar com uma parte dos setores populares que a veem como a única alternativa para sair da situação atual. Vale destacar, entretanto, que a queda na popularidade do regime é tal que, segundo várias pesquisas, qualquer candidato, não só María Corina, obteria mais votos do que Nicolás Maduro. É claro, em eleições livres e competitivas em que os resultados fossem respeitados.

Uma das anedotas mais memoráveis de María Corina foi seu confronto com Chávez na Assembleia Nacional em 14 de janeiro de 2012. Após um discurso do presidente que durou mais de 9 horas, Machado, que era deputada na época, tomou a palavra e o repreendeu por não pagar as pessoas que havia expropriado. Ela ressaltou que “expropriar é roubar”, o que causou grande incômodo a Chávez, que respondeu: “me chamou de ladrão em público, mas não vou lhe responder porque águia não caça moscas, você não está a minha altura para falar comigo, se você ganhar as primárias vamos debater”.

As reações foram rápidas. Do lado do governo, zombaram de María Corina e disseram que Chávez a havia humilhado. Não faltaram memes e comentários carregados de violência por ser mulher e ocupar espaços políticos. Do lado da oposição, também. Com comentários carregados de estereótipos, foi apontado que era a única que “tinha tido as calças” para dizer a verdade na cara de Chávez.

A violência contra as mulheres que ocupam espaços políticos na Venezuela é uma constante que inegavelmente afeta María Corina Machado, já que ela é atualmente a líder mais visível, mas também foi dirigida a outras mulheres da oposição, como Delsa Solórzano. Os chavistas também sofreram. Uma das mais visadas é Delcy Rodríguez, mas também Cilia Flores e a filha mais nova de Hugo Chávez, Rosa Inés, nomeada presidente do Instituto Nacional de Parques (Inparques). Essa violência pode ser dirigida contra uma mulher, mas a mensagem é para todos: os espaços políticos não são para mulheres.

A última a ser atacada por ocupar espaços políticos/eleitorais, por ser mulher e por sua idade, foi a acadêmica Corina Yoris-Villasana.

A outra Corina

Ser eleita candidata da unidade não garantiu que María Corina Machado pudesse se registrar no CNE, já que foi desqualificada para ocupar cargos públicos por 15 anos. Não é a única na oposição que foi desqualificada pelo regime, pelo contrário, essa tem sido uma estratégia constante contra os adversários considerados perigosos. Desta vez, apesar da pressão da assinatura dos Acordos de Barbados, a situação não mudou e Machado não pôde se registrar.

Após longas negociações entre os partidos que compõem a Plataforma Unitária, no sábado, 23 de março, María Corina Machado apresentou a pessoa que havia sido designada para substituí-la: Corina Yoris-Villasana.

Yoris-Villasana é uma acadêmica de 80 anos, filósofa formada em Letras, mestre em Literatura Latino-americana e doutora em História, e membro titular da Academia Venezuelana de Letras, ocupando a cadeira que anteriormente foi de Eduardo Blanco, Vallenilla Lanz e Rómulo Gallegos. As reações não demoraram a chegar. A doutora despertou o interesse da população e houve quem considerou positivo ela não ser uma política tradicional, outros enfatizaram suas credenciais, mas não faltaram comentários carregados de violência pelo fato de ser mulher e octogenária.

Corina Yoris-Villasana não foi objeto de um dos clichês mais comuns usados para desqualificar as mulheres que participam de espaços políticos: a falta de preparação acadêmica, mas entre os detratores e defensores, deu-se muita importância à sua idade, ao fato de ser avó e até mesmo à maneira como se veste, o que não acontece com os homens. Na Venezuela, há vários líderes homens septuagenários e octogenários que são questionados por diferentes motivos, mas não por causa da idade, como nesse caso.

Mas, apesar de todos os esforços, o regime não permitiu o registro da candidata indicada por María Corina Machado. Somente após o prazo estabelecido, a candidatura de Edmundo González Urrutia foi registrada pela Mesa de la Unidad Democrática (MUD), a fim de não perder o cartão e pensando na possibilidade de mudá-lo antes de 20 de abril, o prazo final para fazê-lo.

Por hora, María Corina insiste que sua candidata é Corina Yoris-Villasana, embora não esteja registrada, o que afeta a unidade necessária para enfrentar uma autocracia em que está claro, ou deveria estar claro, que as condições não são propícias para posições extremistas, mas que deve haver disposição para o diálogo e a negociação. Isso faz parte da política, fazer o que se pode com o que se tem, sem esquecer as armas do adversário.

Não está claro o que acontecerá nos próximos meses dessa disputa eleitoral; o regime vai intensificar e impor mais obstáculos. O que deve ficar claro é que a abstenção não é uma alternativa e que as mulheres não serão figuras decorativas nas decisões que serão tomadas.

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Politóloga y abogada. Profesora de la Univ. Central de Venezuela e investigadora de la Univ. Simón Bolívar (Colombia). Responsable de la línea Género, Liderazgo y Participación de la Red HILA. Miembro de la Red de Politólogas.

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