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Bolsonaro, o último populista latino-americano

Salvo uma reviravolta política extraordinária de última hora, o mais provável é que Jair Bolsonaro será eleito presidente do Brasil no domingo, dia 28 de outubro. Mas independentemente de ele se converter ou não em presidente do maior país da América Latina, estaremos diante de um fenômeno político singular na região.

Essa singularidade, no entanto, não se deve às características populistas, já que o populismo esteve sempre presente ao longo da atribulada história latino-americana.

Apesar da falta de precisão desse conceito, há consenso relativo com relação aos clássicos populismos das décadas de 1930 e 1940, como os de Perón na Argentina, Vargas no Brasil e Cárdenas no México, entre outros, com posições ambíguas entre direita e esquerda, e em alguns casos próximas do fascismo europeu.

Mais tarde chegaram os populismos “neoliberais” da década de 1990, representados por Menem na Argentina, Fujimori no Peru ou Collor no Brasil.

E a terceira onda viria das mãos do populismo da “esquerda bolivariana” do início do século 21, representada por Hugo Chávez, Nicolás Maduro, Evo Morales e Rafael Correa, aos quais se poderia associar o neoperonismo de Cristina Kirchner.

O discurso antissistema de Bolsonaro, muito crítico aos partidos, aos políticos e às formas tradicionais de fazer política, presente na maioria dos populismos latino-americanos, é uma das principais características que permite caracterizá-lo como tal.

A isso é preciso somar uma projeção como salvador da pátria contra a corrupção, a delinquência e a estagnação econômica, e um discurso divisor da sociedade em grupos antagônicos: os cidadãos honestos “de bem” contra a elite política corrupta (fundamentalmente a esquerda, mas também o centro e a centro-direita).

Cabe acrescentar que o discurso de uma sociedade polarizada em dois grupos antagônicos, característico do populismo em todas as eras, foi usado em repetidas ocasiões pelo ex-presidente Lula, durante seus governos. De fato, o ex-presidente do Brasil é considerado por alguns analistas como representante do “neopopulismo”, ou do “populismo de baixa intensidade”.

Mas embora muitos dos líderes populistas latino-americano tenham irrompido na política como outsiders, a exemplo de Chávez, Fujimori, Morales e Correa, não foi esse o caso de Menem ou Cristina Kirchner”

Bolsonaro, que serviu 27 anos como deputado federal, está longe de ser um outsider na política, ainda que se apresente assim. Mas embora muitos dos líderes populistas latino-americano tenham irrompido na política como outsiders, a exemplo de Chávez, Fujimori, Morales e Correa, não foi esse o caso de Menem ou Cristina Kirchner, e tampouco o de Getúlio Vargas ou Cárdenas, que já tinham experiência na política antes de chegar ao poder.

A baixa apreensão dos valores democráticos por Bolsonaro, que já declarou que “nada se resolve com o voto” ou que “as minorias devem se curvar às maiorias”, tampouco é única. A tentativa de golpe liderada por Hugo Chávez em 1992 contra o governo de Carlos Andrés Pérez foi um indicador inconfundível de escasso apego às instituições democráticas, da parte do futuro presidente venezuelano.

O “autogolpe” de Fujimori (1992) exemplificou sua ausência de comprometimento com a democracia, ainda que isso tivesse se tornado evidente desde o momento em que iniciou seu governo. Por outro  lado, choques com o Poder Judiciário, ou sua cooptação, foram frequentes em grande parte dos populismos da região.

A singularidade do populismo de Bolsonaro está na combinação de uma proposta econômica marcadamente liberal a uma postura de extrema direita no espectro político. O liberalismo econômico de Bolsonaro é algo a que ele aderiu recentemente, depois de quase 30 anos de um discurso de perfil nacionalista e estatizante. Essa mudança pareceu responder mais a uma estratégia eleitoral que lhe valeu o apoio da maioria dos empresários que a uma convicção pessoal, no entanto.

Menem e Fujimori também foram líderes populistas associados a políticas econômicas liberais. Mas os dois mostraram sua adesão a essas posições depois de assumirem a presidência, porque haviam chegado ao poder com discursos econômicos ambíguos. O principal slogan de campanha de Menem era “a revolução produtiva”, sem especificar que tipo de medidas seriam aplicadas. Ademais, o histórico de seu partido, o Partido Peronista, não levava a prever a virada liberal e privatizadora que ele por fim empreendeu.

Fujimori, por outro lado, era desconhecido até poucas semanas antes do primeiro turno da eleição presidencial peruana de 1990, e pouco se sabia de suas propostas econômicas. Mas sua imagem cresceu no segundo turno, onde enfrentou as posições liberais e pró-mercado do adversário, o escritor Mario Vargas Llosa, o que tampouco levava a imaginar sua adesão posterior ao neoliberalismo.

Bolsonaro mudará de posição quando assumir o governo? Não sabemos. O único populista com propostas econômicas liberais já desde a campanha eleitoral foi seu compatriota Fernando Collor de Mello, eleito para a presidência do Brasil em 1989 (e destituído em 1992).

Não obstante ser o candidato da direita naquela eleição, Collor não era representante da extrema direita. Bolsonaro, de sua parte, expressou admiração pelo regime militar instaurado em 1964, apelou constantemente por políticas “linha dura”, quer que a população se arme para combater a delinquência, e se mostrou favorável à tortura.

Por isso, na falta de similares latino-americano, “Trump dos trópicos”, como já foi chamado, ou Duterte do Ocidente (em alusão ao atual presidente filipino), parecem ser descrições adequadas para o mais recente representante do populismo latino-americano.

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Professor Assistente de Ciência Política na Carnegie Mellon University. Especializado em comportamento presidencial e estudo comparativo de instituições políticas na América Latina. Mais informações em www.ignacioarana.org

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