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Brasil: eleições municipais em tempos de recomposição democrática

A população brasileira no geral deve assumir algum grau de responsabilidade cívica e cidadã, tanto em favor da recomposição democrática quanto no combate à desinformação e à polarização.

Em 6 e 27 de outubro serão celebrados os dois turnos das eleições municipais brasileiras. Mais de 156 milhões de eleitores estão convocados a exercer seu sufrágio e eleger os executivos e legislativos locais. Considerando mais de 5.500 municípios, incluindo as capitais estaduais altamente disputadas – São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador ou Belo Horizonte, para citar alguns – não há dúvida de que trata-se de um evento político-social importante.

Embora reconhecendo que nas eleições municipais se discutem principalmente questões locais, seus preparativos, candidaturas e resultados certamente repercutiram nas outras esferas de governo – federal e estadual. Portanto, não surpreende que as eleições municipais brasileiras sejam o principal evento político, eleitoral e cívico do segundo semestre do ano. E esse é o entendimento da classe política, da sociedade civil e do Estado.

De um ponto de vista amplo, sabe-se que o Brasil continua em um complexo processo de recomposição democrática, após um turbulento período de erosão do regime, cujo momento mais dramático foram os conhecidos e lamentáveis episódios de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Intimamente relacionado a isso, e dependente desse processo de recomposição democrática, estão os desafios estruturais e conjunturais de grande relevância, entre eles os relativos à estratificação e mobilidade social, bem como a persistente polarização e conflito. 

Tudo isso foi agravado nos últimos dez anos pelo fenômeno deliberado e insidioso da desinformação em larga escala. Algo semelhante pode ser dito sobre a presença constante e o protagonismo de movimentos e coletivos que contestam o próprio regime democrático-representativo e republicano, inclusive com relação à própria legitimidade da atuação do Estado. Ou seja, a atuação de núcleos persistentes de atores essencialmente antidemocráticos, antirrepublicanos, radicalizados, “indiferentes” e, muitas vezes, extremistas. Pars pro toto, a maioria desses coletivos é formada por herdeiros do passado bolsonarista. Em suma, trata-se de desafios complexos e multifacetados, todos eles associados a cosmologias e processos político-sociais dinâmicos, dialéticos e em constante transformação. 

O fenômeno da desinformação deliberada é particularmente preocupante no caso brasileiro, em virtude da considerável penetração da internet, da cultura política predominante e da popularidade das redes sociais entre segmentos importantes da sociedade civil. Deve-se ter em mente que, segundo o Gabinete do Relator Especial para a Liberdade de Expressão, um órgão subordinado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos/OEA, “a desinformação consiste na difusão em massa de informações falsas (a) com a intenção de enganar o público e (b) sabendo que são falsas”. Observe que a disseminação deliberada de informações falsas, comprovadamente erradas e/ou tendenciosas nas redes sociais teve um impacto social espúrio.

Sabe-se que tais estratégias de desinformação e subversão político-social são frequentemente associadas a grupos de extrema direita, populistas e radicais. Igualmente lamentável é o fato de que sua intenção é desviar o foco do debate e da deliberação no espaço público, gerar inquietação e resistência infundada em segmentos vulneráveis da população e perturbar negativamente a formulação e a implementação de políticas, principalmente em áreas cruciais como saúde, segurança e ordem social, educação, meio ambiente, cultura ou promoção dos direitos humanos. Portanto, não é surpreendente que, em contextos ou períodos eleitorais como o brasileiro, essas estratégias de desinformação acabem exacerbando a polarização, questionando a legitimidade dos processos e minando o regime. 

Frente a polarização e a desinformação impulsionada por setores antidemocráticos e extremistas, é urgente, adequado e pertinente que a sociedade e o Estado brasileiros reajam. Os argumentos do bem comum, do interesse público, do desenvolvimento humano e do republicanismo cívico, além do combate ao crime organizado, da defesa do regime e da legalidade, têm sido utilizados pelas autoridades brasileiras para se contrapor às referidas estratégias de subversão, com destaque para a atuação dos três poderes federais. Em paralelo, as autoridades têm promovido novas estratégias de comunicação mais eficientes e baseadas em informações verídicas da ação governamental, especialmente em momentos críticos, que incluem frequentes tensões político-ideológicas, desastres ambientais, campanhas de saúde e similares.

Dito isso, é extremamente importante que a população brasileira no geral assuma algum grau de responsabilidade cívica e cidadã, tanto em favor da recomposição democrática quanto no combate à desinformação e à polarização. Em última instância, tudo isso aponta à elevação gradual da qualidade do regime político do país. Sem esquecer que a evolução do Brasil tem repercussões importantes no cenário latino-americano, no Sul Global e no mundo. Essa análise do cenário sociopolítico corrobora, portanto, a alta e crescente relevância, o impacto e a transcendência das eleições de meio de mandato no gigante ibero-americano.

Autor

Investigador-colaborador no Centro de Estudos Multidisciplinares da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História. Especializado em temas sobre qualidade da democracia, política internacional, direitos humanos, cidadania e violência.

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