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Brasil: para onde foram todos aqueles manifestantes?

Nos últimos doze meses, vimos uma desativação das manifestações e da participação popular no Brasil que chega a surpreender… ao menos até o domingo, 25 de fevereiro, quando Bolsonaro convocou seus apoiadores a mostrar sua força mobilizadora. Correto?

Para quem ficou perplexo com o assalto aos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 por parte de milhares de autodenominados “patriotas” buscando tomar o poder pela força, ou para quem se acostumou a ver as ruas e praias tomadas por manifestantes e veículos a favor de cada candidato nas eleições presidenciais de 2022, o Brasil nos últimos meses se assemelhava a um deserto.

A volta dos protestos em 2013

A comparação se torna evidente indo além do período eleitoral mais imediato: as motociatas contra autoridades ou decisões judiciais favorecidas pela extrema direita desde 2018, a ocupação total de espaços públicos em datas patrióticas convocadas pelo ex-presidente Bolsonaro durante todo o seu mandato, os protestos da esquerda e da centro-esquerda contra as investidas antidemocráticas governistas no governo anterior ou para celebrar a libertação do ex-presidente Lula da prisão, todos foram eventos que revelaram um Brasil mobilizado e em estado de virtual revolta. Sem falar na sucessão de passeatas, rebeliões e protestos a partir de 2013, que sugeriram que – de forma inesperada – os cidadãos haviam despertado para a política, o interesse público e a vontade de participar abertamente.

Os 185.000 brasileiros que ocuparam a Avenida Paulista no último domingo de fevereiro para demonstrar seu apoio ao ex-presidente Bolsonaro, agora impedido de candidatar-se, supostamente revelariam a vigência de uma cidadania ativa e fiscalizadora, algo que os livros didáticos tenderiam a traduzir como um exemplo de democracia horizontal autônoma. A aglomeração pontual em favor de uma liderança autoritária e condenada pela justiça – ainda que massiva durante um breve lapso no domingo – reforça justamente a predominância do diagnóstico da desertificação da vida pública no país.

A mobilização contrasta com a escassa capacidade de articulação e mobilização cívica, apesar da predominante subordinação religiosa de seus apoiadores à liderança evangélica ou da inércia em entronizar um messianismo personalista condenado a não poder disputar cargos eleitoralmente.

Além dos milhares que peregrinaram vestidos de verde e amarelo em uma tarde isolada de domingo em fevereiro de 2024, a fotografia da participação cívica e dos protestos no Brasil não poderia ser mais contrastante com o que se viu há dois anos, em plena campanha eleitoral, ou há 10 anos, quando ainda ressoavam os ecos das passeatas e lutas urbanas de 2013.

Se estudos de opinião pública como os do Latinobarómetro revelaram que, no ano crítico de 2013, só 34% dos brasileiros entendiam que votar era a melhor forma de garantir o progresso nacional e 50% propunham o combo de “votar e protestar” para obter esse resultado, dez anos depois as opções foram fortemente moderadas. Em meados de 2023, o voto mais protesto atraiu só um terço (33%) dos cidadãos, enquanto o método exclusivo de ir às urnas para melhorar as coisas subiu para 43% de adesão.

O que significa as pessoas não saírem para protestar?

A desertificação da cena pública revela o triunfo da apatia política ou – ainda mais grave – a desafeição democrática? Nem um pouco. A mesma pesquisa revela que o apoio à democracia atingiu seu ponto mais alto desde 2015, com 46% entendendo que não há alternativa melhor do que a democracia.

Em termos de indicadores de motivação política, a percentagem de indivíduos que dizem conversar habitualmente sobre política em 2023 permanece virtualmente empatada com a de 2013. O mesmo ocorre com aqueles que se envolveram em campanhas a favor de uma causa pública ou candidato. Por outro lado, ao contrário do esperado, a pesquisa revela muito mais cidadãos assinando petições hoje do que há dez anos.

Não há curso de ciência política, discurso público ou coluna de jornal na mídia comprometida com a democracia que não associe o ideal cívico ao indivíduo comprometido com o bem coletivo. Nos referimos ao indivíduo envolvido de corpo e alma através de sua participação ativa na política local ou nacional, informando-se, deliberando com os outros, presente nas ruas e nos âmbitos privados, militando e mobilizando-se para incorporar uma voz pública visível.

É o modelo do cidadão democrático esboçado pelos clássicos, idolatrado pelos movimentos iluministas que consagraram a Revolução Francesa em 1789 e inspiraram o nascimento das democracias pós-século XIX. Não são poucos os que o associam ao protótipo ateniense de mais de dois mil e quinhentos anos atrás, emblemático e forjador da aspiração democrática.

É também o sujeito desejado e invocado pelos progressismos do final do século XX e das décadas do século XXI, especialmente aqueles com conotações populistas, em que o militante é entronizado como a força motriz da mudança democrática. A pureza aspiracional desse modelo de civismo passa a ser cultivada quase como uma profissão de fé religiosa, permitindo sua contaminação por visões moralistas dogmáticas. Ser um bom cidadão, o que significa estar imerso na vida pública, torna-se uma exigência normativa. Afinal, afirmam os defensores desse ideal, a autoexclusão da política e o desinteresse participativo conspiram contra uma democracia forte ao ceder toda a iniciativa às elites.

Durante décadas, se não séculos, esse ideal se naturalizou a ponto de se converter em um benchmark, uma base de referência comparativa suficientemente exigente para favorecer diagnósticos de apatia política na população quando essa imersão participativa não era identificada. As reações de ceticismo, quando não de questionamento aberto a esse standard, surgiram rapidamente. Frente ao frenesi revolucionário dos jacobinos que representavam esse ideal, conservadores como o líder conservador da Inglaterra na época, Edmund Burke, advertiram sobre os desvios para à intolerância, ao monopólio do poder, à restrição das liberdades alheias e à improdutividade que os indivíduos constantemente imersos na vida pública poderiam gerar.

Já em pleno século XX, cientistas políticos liberais ou moderados, como Samuel Huntington, alertavam sobre o risco de ingovernabilidade e destruição de rotinas, instituições e rituais democráticos pelo excesso de demandas impossíveis de canalizar e processar por sistemas políticos abertos se todos estivessem constantemente nas ruas exigindo e reivindicando mais benefícios, mais participação, mais direitos. Estudioso dos processos políticos na América Latina e em outras nações emergentes, Huntington interpretou que esse ideal de cidadania maximamente ativada colocado em prática resultou no transbordamento das capacidades concretas de satisfazer as crescentes e contraditórias demandas das frágeis democracias latino-americanas. Perversamente, o modelo maximalista de cidadania participativa, promovido para aprofundar a democracia, acabou por minar-la e abrir a porta para regimes autoritários.

A desparticipação leva à desdemocratização

Os extremos do êxtase militante e a excessiva apatia política muitas vezes capturam os altos e baixos de nossas sociedades, apesar da ampla gama de possibilidades entre eles. A perspectiva da civilidade militante pressupõe que, se os cidadãos não estão ocupando os espaços públicos com suas vozes, interesses e valores, outros o farão por eles. E não é raro associar esse prognóstico a um resultado negativo: a falta de participação leva à desdemocratização.

Frente a um cenário tão adverso, é compreensível a careta de insatisfação diante de qualquer indício de desmobilização e concentração em interesses privados. Também é fácil entender a frequência com que se conclui que nossas sociedades caracterizam-se mais pela apatia e alienação política do que pelo compromisso participativo.

Em uma perspectiva histórica, os brasileiros frequentemente eram caracterizados por esses sentimentos e comportamentos de distanciamento e desapego ao envolvimento político. Ainda mais se comparados aos argentinos ou chilenos, por exemplo. O retorno à democracia pós-ditadura foi visto muito mais como resultado de negociações entre elites do que fruto de uma pressão popular. E as eventuais mobilizações e protestos ocorridos nas primeiras décadas após a transição empalideceram comparados às grandes marchas nos países vizinhos.

Sistematicamente, votar a cada quatro anos representava a maneira mais clara e também a mais ambiciosa de se envolver na política. Outras modalidades permaneciam fora do radar público. Por isso, o coro de vozes surpresas entre cientistas sociais e jornalistas quando, em 2013, manifestações isoladas em algumas cidades brasileiras em favor de descontos no transporte público para estudantes rapidamente se transformaram em protestos de proporções homéricas com uma agenda multitemática e uma aspiração de melhorar a qualidade da democracia.

A explosão participativa não tardou em ser instrumental à desestabilização do governo de turno, democraticamente eleito. A natureza da superioridade moral com a qual esse ideal cívico é geralmente postulado favorece a justificativa de sua existência além de seus efeitos contrários à consolidação democrática. Também favorece sua penetração em um discurso de indignação ética e julgamento normativo. O resultado é conhecido: três anos depois, a então presidente Dilma Rousseff foi afastada via impeachment, para júbilo geral de muitos que encarnavam o modelo do cidadão vigilante e militante. As regras do jogo foram dobradas para que uma coalizão de centro-direita ocupasse a presidência e, dois anos depois, a extrema direita chegou ao poder com Bolsonaro.

O atual aparente vazio da cena pública pelos indivíduos (além de algum evento isolado, como a convocação de milhares de simpatizantes de um único signo ideológico para um ato personalista no final de fevereiro de 2024) está longe de representar o triunfo da apatia ou um alerta de uma suposta indiferença democrática.

Tampouco simboliza a satisfação majoritária com a gestão do atual governo ou a superação da polarização efetiva que rapidamente incentivou a tomada das ruas há alguns anos. Parece mais uma razoável digestão silenciosa de métodos e objetivos para favorecer ideais plausíveis de representação e controle efetivo do interesse público sem sacrificar ou arriscar a governabilidade.

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Fabián Echegaray es director de Market Analysis, consultora de opinión pública con sede en Brasil, y actual presidente de WAPOR Latinoamérica, capítulo regional de la asociación mundial de estudios de opinión pública: www.waporlatinoamerica.org.

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