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A guerra comercial também compromete a região

No contexto da “guerra comercial” com a República Popular da China (RPC) e com a experiência dos gargalos nas cadeias internacionais de suprimentos durante a pandemia da Covid-19, o governo dos Estados Unidos (EUA) está focando sua política comercial e econômica justamente na integridade e funcionalidade dessas cadeias. A difusão desse conceito é reveladora, pois substitui o conceito de “cadeias globais de valor”. Com o uso dessa concepção, a globalização adquiriu um caráter virtuoso (“cadeias… de valor”), pois pretendia enfatizar a participação de bens e serviços originários de diversas economias nacionais na geração de renda global. Em vez disso, está surgindo uma concepção defensiva que favorece a preservação de arquipélagos produtivos e corredores logísticos no contexto de uma fratura geopolítica que parece estar se aprofundando a cada dia.

É sob essa orientação estratégica que devem ser interpretados os novos esquemas sob os quais os EUA buscam reformular seus vínculos com os países da Ásia no Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity (IPEF); com os países da América Latina na Aliança para a Prosperidade Econômica da América Latina (APEP) e em um formato bilateral por meio de mecanismos como o diálogo econômico de “alto nível” com o México.

Alertas frente aos tratados de livre comércio

A nova modalidade emerge de um questionamento quanto aos tratados de livre comércio (TLC) da última geração ou free trade agreements (FTA) que têm entrelaçado as economias nacionais.

Os argumentos para duvidar sobre a utilidade dos TLCs celebrados pelos EUA foram expostos pela Secretária de Comércio, Katherine Tai, no Open Markets Institute, em 15 de junho de 2023, sob o sugestivo título: “No próximo sistema mundial, a política comercial dos EUA pode proporcionar mais segurança, democracia e prosperidade?”. 

Naquela ocasião, a embaixadora Tai destacou algumas das deficiências observadas nos TLCs. Em particular, ela aludiu àquelas que permitiriam a terceiros países não signatários aproveitarem indiretamente seus benefícios por meio de desvios, ou seja, introduzindo bens ou serviços nos mercados regulados por esses TLCs, contornando assim deslealmente as disposições acordadas sobre questões sensíveis, como trabalho forçado e proteção ambiental. 

Essa interferência de terceiros países só pode ser possível por meio de manobras às custas das regras de origem. A esse respeito, a história recente registra pelo menos duas reações dos EUA. Para evitar o uso de insumos originários da RPC na produção mexicana de automóveis destinados aos EUA, foram introduzidas regras mais rígidas na renegociação do acordo com o México e o Canadá. E discrepâncias na concepção do regime de origem no Acordo de Parceria Transpacífico (TPP-11) levaram à retirada das tratativas.

O projeto Indo-Pacífico

Apesar das objeções aos TLCs, o governo dos EUA não pretende substituí-los. Devido à internacionalização dos mercados, são necessárias negociações sobre muitos assuntos e com especificidades que dificilmente podem ser tratadas por instrumentos mais limitados do que os TLCs. No entanto, o próprio governo dos EUA está desenvolvendo um novo formato de acordo com a estratégia de preservar suas cadeias de suprimentos.

A primeira e até agora mais avançada experiência nessa área está relacionada à escolha da Índia como parceiro privilegiado. Daí a denominação Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity. O esquema foi apresentado pelo presidente Biden durante uma visita a Tóquio em maio de 2022. Incorpora sete países membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN): Indonésia, Brunei Darussalam, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã. Além disso, inclui Japão, Coreia do Sul, Índia, Austrália, Nova Zelândia e Fiji.

A iniciativa do IPEF não visa à celebração de um TLC, mas prevê negociações sobre diferentes “pilares” (no sentido de que poderiam ser acordados convênios separados). Em resposta ao seu principal objetivo estratégico, os EUA publicaram em setembro de 2023 o texto que formaliza normativamente as conclusões alcançadas no Pilar II. Trata-se do Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity Agreement Relating to Supply Chain Resilience. Esse projeto merece atenção especial. Em princípio, pode-se ver como as precauções para lidar com um estado de ameaça de um ponto de vista geopolítico são projetadas nas relações econômicas e comerciais. E aqui a principal ameaça é a “interrupção das cadeias internacionais de suprimentos”.

Para garantir o funcionamento dos circuitos logísticos internacionais, o regulamento proposto exige a maior transparência possível na troca de dados sobre cadeias de suprimentos e seus vínculos entre os estados que assumem o compromisso; e, por outro lado, a maior confidencialidade possível ou a menor exposição dessas cadeias e vínculos para fora do esquema.

Un problema crucial es el de la calificación de “sectores críticos” y de “bienes clave” a propósito de las disrupciones. Sin embargo, tales conceptos podrían adoptar distintos contenidos según las circunstancias. En todo caso, al ir dando cumplimiento a las actividades previstas los estados que forman parte de ello tenderían a fortalecer su cohesión. Esto se advierte, por ejemplo, en los exhaustivos requerimientos para el suministro, procesamiento y gestión de datos tendientes a prevenir o contrarrestar disrupciones. 

Um problema crucial é a qualificação de “setores críticos” e “ativos-chave” em relação a interrupções. Entretanto, esses conceitos podem assumir diferentes conteúdos, dependendo das circunstâncias. De qualquer forma, ao ir dando prosseguimento às atividades previstas, os estados que fazem parte desse sistema tendem a fortalecer sua coesão. Isso pode ser visto, por exemplo, nos exaustivos requerimentos para fornecimento, processamento e gerenciamento de dados para prevenir ou combater disrupções.

A iniciativa plurilateral para a América Latina

Adotando o mecanismo do IPEF como guia, em 3 de novembro de 2023 os EUA deram o primeiro passo para replicar esse formato com os países latino-americanos, embora a implementação ainda pareça hipotética. Trata-se da Aliança para a Prosperidade Econômica na América Latina (APEP), cujo instrumento fundador foi divulgado como a Declaração da Sala Leste. Foi assinada pelo presidente Biden juntamente com os presidentes do Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Peru, República Dominicana, Uruguai, Canadá e Barbados e os ministros das Relações Exteriores do México e do Panamá. O comparecimento em Washington de autoridades governamentais de tantos países latino-americanos, o convite a outros governos da região e, especialmente, as características de um texto baseado no modelo IPEF sugerem que, para o governo dos EUA, esse formato teria uma qualidade de aglutinação mais eficaz do que a dos TLCs.

Em vez dos “pilares” temáticos mencionados no IPEF, aqui eles são chamados de ” vias” (tracks) para canalizar as atividades alocadas às autoridades ministeriais. Mas, assim como no IPEF, o eixo temático central percorre todas as três vias. É a concertação de ações frente às possíveis disrupções nas cadeias de suprimentos.

O Diálogo Econômico “de alto nível” entre EUA e México

Esse mecanismo, relançado em 2021 (“U.S.-Mexico Level Economic Dialogue (HLED)“), tem características conceituais semelhantes ao IPEF e ao APEP. Sobre o objetivo principal do Diálogo, o gabinete executivo do presidente dos EUA informou em 2 de outubro de 2023 que, a partir do encontro celebrado no ano anterior, os governos haviam implementado recomendações para aumentar a coordenação sobre cibersegurança do comércio e na cadeia de suprimentos por meio de tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Dos quatro “pilares” do tipo IPEF que organizam as atividades previstas pelo esquema, três deles estão relacionados às cadeias internacionais de suprimentos.

Dúvidas e prevenções diante do novo cenário

O IPEF é o ensaio mais avançado desse novo formato proposto pelos EUA. Independentemente de sua qualificação (“integração” ou mera “cooperação”?), as propostas visam a estabelecer alianças estratégicas que inevitavelmente serão inscritas no marco geopolítico.

Ao concentrar as ações – e o financiamento – em torno das cadeias internacionais de suprimentos, surgem algumas questões para os países em desenvolvimento que, como os da América Latina, sofrem com disparidades internas e inadequações em suas estruturas econômicas e sociais que estão apenas incidentalmente ligadas às cadeias de suprimentos. E essas perguntas permanecem sem resposta porque aqui se insinua a validação de um mundo segmentado por diferentes arquipélagos produtivos e circuitos protegidos para a distribuição e a comercialização internacional de produtos e serviços que, dependendo das circunstâncias, podem ser classificados como “essenciais”.

Os analistas alertam sobre a disfuncionalidade global dessas fragmentações atribuídas à guerra comercial, mas geralmente prestam menos atenção ao seu impacto sobre as condições de vida nas periferias. Cada vez mais populações estão sujeitas a uma condição ambivalente: marginalidade local, mas simultânea exposição a estímulos e ofertas digitais que não conhecem fronteiras.

Precisamente os TLCs de última geração que foram criados para lidar com a internacionalização dos mercados por meio de mecanismos de concertação sobre uma extensa e minuciosa matéria negociada e que, por isso, permitem que os países em desenvolvimento ampliem sua – já limitada – margem de manobra para negociar compensações de suas contrapartes de maior porte econômico.

Nesse sentido, o caso do diálogo econômico de alto nível entre os EUA e o México nos convida a refletir sobre as possíveis condicionalidades que poderiam ser impostas aos países latino-americanos por meio de compromissos assumidos fora dos TLCs que permanecem em vigor.

Por esses motivos, os países em desenvolvimento e, em especial, os países da América Latina, devem considerar a conveniência de fortalecer seus vínculos com os países desenvolvidos por meio de TLCs, evitando os riscos inerentes aos compromissos que se limitam ao funcionamento das cadeias internacionais de suprimentos.

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Sociólogo. Doctor por la Univ. Nacional de Córdoba (Argentina). Consultor de organismos internacionales de integración y cooperación. Investigador y docente en el Instituto de Integración Latinoamericana de la Univ. Nacional de La Plata.

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