Co-autor Leonardo Stanley
A atividade humana tem gerado mudanças irreversíveis em matéria climática. Embora a origem possa ser traçada desde o início da revolução industrial, o aumento das temperaturas médias se tornou mais severo nas últimas quatro décadas. A indústria petrolífera é uma das principais responsáveis. Assim entendeu o Tribunal Distrital de Haia em sua sentença de 25 de maio ao ordenar à Shell que reduzisse em 45% suas emissões de CO2 até 2030 (em comparação com os níveis de 2019), atribuindo a responsabilidade pela política climática ao CEO da corporação. O processo foi iniciado por Amigos da Terra Holanda (Milieudefensie), outras organizações da sociedade civil e mais de 17 mil codemandantes individuais.
Uma nova tendência
A sentença é encorajadora. Mas este é um caso isolado? Embora seja um marco na luta contra a mudança climática, nos últimos anos a responsabilidade das empresas petrolíferas tem sido reivindicada em diferentes ações legais nos Estados Unidos. Cidades e estados expostos às mudanças climáticas e o consequente aumento do nível dos oceanos decidiram processar empresas petrolíferas por seu impacto na geração de gases de efeito estufa. Enquanto os estados de Connecticut e Nova York processaram apenas a ExxonMobil, as ações iniciadas por Delaware, Massachusetts, Rhode Island e Minnesota foram dirigidas a várias empresas.
A estrutura judicial também inclui processos judiciais iniciados pelas cidades de Nova York, Charleston, Baltimore, Oakland, São Francisco e Washington D.C. Na ação movida pela cidade de Nova York no Dia da Terra (21 de abril), explica-se que a Exxon, a Shell, a BP, o American Petroleum Institute desenvolvem estratégias para enganar os consumidores, os chamados greenwashing, alegando que seus combustíveis eram “limpos” ou “emissões reduzidas”, sem mostrar os verdadeiros efeitos ambientais de sua atividade.
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Até mesmo os relatórios fornecidos pelas empresas petrolíferas ao mercado continham informações duvidosas, confusas ou incompletas para os investidores, principalmente em relação às projeções (regulamentações, custo esperado do carbono), afetando a rentabilidade. É o que afirma a ação apresentada em 24 de outubro de 2019 pelo estado de Massachusetts contra a principal empresa do setor a nível mundial: ExxonMobil. Nos considerandos, é destacado que a conduta da empresa afetou os investidores institucionais e um número crescente de instituições financeiras.
Por quê? Basicamente porque nos relatórios para seus acionistas, a empresa nega que novas regulamentações que proporcionam uma proteção ambiental mais eficaz possam afetá-la. De fato, é cada vez mais generalizada a aceitação pelos tribunais nacionais e internacionais da tendência regulatória para uma maior proteção do meio ambiente, considerando que deve ser esperado pelas empresas que isso as afete.
As empresas petrolíferas continuam a avançar
Todas as ações legais indicam que as corporações estavam plenamente conscientes do efeito nocivo de suas atividades sobre a atmosfera. Mesmo assim, continuaram com as tarefas de prospecção e produção, com uma estratégia similar à adotada pelas indústrias de tabaco ou de armas nos Estados Unidos, como aponta Michael Mann em seu recente livro “The New Climate War: The Fight to Take Back our Planet”. O autor afirma que a máxima que se prega é que as empresas petrolíferas não têm culpa, é o consumidor que, no final, causa o problema: seja porque ele decide aquecer sua casa ou dirigir seu automóvel, em vez de recorrer ao transporte público ou à bicicleta.
Sabendo o efeito do aquecimento global sobre o nível médio dos oceanos, as petrolíferas decidiram introduzir mudanças nas plataformas offshore, bem comoavançar com sua atividade em direção a novas fronteiras de produção. Inclusive começaram a desenvolver atividades em zonas geográficas até então vedadas à atividade, como o Ártico. Estas últimas atividades foram particularmente rechaçadas pela organização ambientalista Greenpeace.
O debate pelo meio ambiente nasce da comunidade científica, dos movimentos da sociedade civil e das ações judiciais, e neste marco os pactos verdes têm um grande potencial transformador, como aponta José Antonio Sanahuja no Anuário 2020-2021 do Centro de Educação e Pesquisa para a Paz. Portanto, devido à limitação da produção de combustíveis fósseis proposta pela comunidade científica (com mais ênfase no minério de carvão) e aos compromissos dos Estados no Acordo de Paris (2015), o estudo de um grande número de projetos no setor não deve ser continuado. Enquanto o “orçamento de carbono” impõe uma espécie de limite global aos investimentos no setor, na prática a situação se assemelha a uma dança das cadeiras: ninguém quer perder sua cadeira e o lobby está trabalhando para que isso aconteça.
À medida que o lobby avança, o Estado também avança na defesa do direito de regulamentar em áreas de interesse público (como direitos humanos, meio ambiente, saúde pública). O direito de regulamentar faz parte do espaço de políticas públicas e é o coração da soberania regulatória, um termo cunhado pelo co-autor deste artigo. Um exemplo recente pode ser ilustrativo: em 1º de junho, a Administração Biden suspendeu as perfurações de petróleo e gás na Reserva Nacional de Vida Silvestre do Ártico, no Alasca, iniciadas e impulsionadas na era Trump. O Estado, em última instância, defendeu seu direito de proteger o meio ambiente e combater a mudança climática. Embora a soberania regulatória seja um conceito ainda em transição, o fato de os Estados estarem buscando recuperar áreas abandonadas de regulamentação ou fortalecer sua proteção é uma demonstração de que está sendo traçado um caminho para sua consolidação.
A conduta das empresas petrolíferas levou à mudança climática, mas sentenças como a do Tribunal Distrital de Haia oferecem esperança, embora ainda haja um longo caminho a percorrer. Neste contexto, a América Latina é um mero observador? A resposta deve ser necessariamente negativa. Nosso continente é fortemente afetado, algumas cidades mais do que outras. Mesmo em tempos em que a sindemia da covid-19 é o centro de todos os esforços, seguindo o enfoque multissetorial de “uma saúde” (humana, animal e do planeta), a ameaça da mudança climática coloca a necessidade de redobrar as ações para sua preservação. Não é, nem deveria ser, um luxo do Norte Global, mas uma preocupação de toda a humanidade.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Leonardo Stanley é pesquisador associado no Centro de Estudos do Estado e da Sociedade – CEDES (Buenos Aires). Autor de “Latin America Global Insertion, Energy Transition, and Sustainable Development”, Cambridge University Press, 2020.
Foto de joiseyshowaa en Foter.com