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Covid-19: a catástrofe moral tem uma saída política

OXFAM sustenta que a COVID-19 é o vírus da desigualdade, onde os ricos se tornaram mais ricos e os pobres, mais pobres. Além disso, a OMS adverte que corremos o risco de ter países que podem controlar a epidemia e outros onde ela se tornará endêmica. E se os governos não começarem a coordenar as respostas, a situação sem dúvida terá consequências humanitárias catastróficas.

Vimos a reação egoísta e predatória no início da pandemia, quando os países ricos rapidamente asseguraram o fornecimento de testes e suprimentos médicos. O que está acontecendo atualmente com as vacinas é ainda pior. Há alguns dias, o chefe da OMS alertou sobre o “nacionalismo de vacinas” que está sendo adotado pelos países mais ricos do mundo para obter acesso preferencial às vacinas contra a COVID-19, o que supõe um “fracasso moral catastrófico” que ameaça uma distribuição justa e equitativa de vacinas em todo o mundo.

Países ricos acumulam vacinas

Em números, isto se traduz no fato de que das 65 milhões de vacinas já fornecidas no mundo inteiro, 80% delas foram oferecidas aos Estados Unidos, China e aos países mais ricos da Europa. O relatório de especialistas convocados pela OMS, anteriormente mencionado, argumenta que a maioria dos países mais pobres não será capaz de vacinar mais de 20% de sua população e muitos terão que esperar até 2022.

Esta catástrofe é particularmente visível na América Latina onde, apesar de concentrar um em cada quatro casos de COVID-19 no mundo, apenas um milhão de vacinas foram administradas. Além disso, para piorar a situação, estas vacinas estão concentradas quase exclusivamente no México, Argentina, Brasil e Chile, ou seja, nas economias mais fortes da região.

Bollyky e Bown, em um artigo na Foreign Affairs, argumentam que a causa é que estamos diante de um clássico “dilema do prisioneiro” no qual os países agem como agentes com pouco incentivo para cooperar.

É por isso que a tragédia, mais do que moral como argumenta o chefe da OMS, é na verdade política, pois reflete a incapacidade de dar respostas concertadas entre as nações frente a uma pandemia que tem mostrado efeitos sanitários, econômicos e sociais devastadores.

A fraqueza das agências internacionais

A Assembleia Geral das Nações Unidas levou um ano desde o início da pandemia para realizar reuniões especiais sobre o assunto, sem também alcançar resultados tangíveis. A OMS tem se mostrado carente de força política e financeira, enfraquecida ainda mais pela decisão de Trump de retirar os Estados Unidos de sua membresia. Também gera surpresas o escasso envolvimento do G-7, G-20 e até mesmo do G-77 no fornecimento de respostas concertadas.

A iniciativa mais próxima de um exercício colaborativo eficaz é o Acelerador ACT, que reuniu os governos, os laboratórios farmacêuticos e grandes organizações filantrópicas como a Fundação Melinda e Bill Gates desde cedo, com o objetivo de acelerar a fabricação e distribuição equitativa de vacinas, tratamentos e meios de diagnóstico contra a COVID-19. Um componente desta iniciativa é o esquema COVAX, que tem como objetivo fornecer 2 bilhões de vacinas para países de baixa e média renda.

No entanto, este esquema não conseguiu atrair alguns dos principais países fabricantes de vacinas. Os Estados Unidos acabam de aderir esta semana. As principais empresas farmacêuticas também não participam, tendo apenas assegurado 25% dos compromissos financeiros previstos. Ou seja, na melhor das hipóteses, as vacinas só serão distribuídas no final de 2021, um ano após o início da vacinação nos países ricos. Muitos países da América Latina e África podem não conseguir alguma cobertura até 2023 ou 2024.

O impacto desta falta de mecanismos de governança colaborativa a nível global terá consequências devastadoras. As vozes de especialistas que atualmente aconselham a OMS argumentam que isto irá criar uma enorme fratura no mundo, causando estragos nessas sociedades.

A falta de cooperação afetará a todos

No entanto, os incentivos são suficientemente fortes e devem alertar os países ricos. A falta de cooperação também irá necessariamente afetar os “vencedores”. A OIT afirma que 255 milhões de empregos já foram perdidos em todo o mundo. Se as mortes continuarem a aumentar, estima-se que a pandemia poderá matar 40 milhões de pessoas e reduzir a economia global em 12,5 trilhões de dólares até ao final de 2021. Isso significa menos consumidores, menos exportações e menos empregos. E se o nacionalismo se globalizar, poderá pôr em risco as cadeias de valor das próprias vacinas, para as quais os princípios ativos são geralmente obtidos nos países em desenvolvimento.

A única forma coletiva de evitar o famoso “dilema do prisioneiro” é gerando mecanismos, ou fortalecendo os existentes para uma governança colaborativa. É claro que a crise do multilateralismo não é nova. Mas não há outra escolha senão fazer o trabalho político de construção de consenso e liderança partilhada na arena internacional, a fim de convencer os países desta cooperação.

Com a administração Biden, e a reincorporação dos Estados Unidos nos Acordos de Paris, a OMS e a COVAX, abre-se uma nova janela de oportunidade. A América Latina poderia fazer o mesmo e reconstituir o Conselho Sul-Americano de Saúde. Este Conselho, parte da desmantelada UNASUL, foi precisamente o único espaço regional que reuniu ministros sul-americanos com o objetivo de promover políticas sanitárias comuns.

Uma governança colaborativa permitiria vacinar equilibradamente e assistir às populações prioritárias com objetivos críticos de saúde pública. Por sua vez, estimularia as economias, evitaria rupturas nas cadeias de abastecimento, sustentaria as condições dos laboratórios (e não o contrário), e evitaria conflitos geopolíticos desnecessários.

A política, nós sabemos, nunca é a saída mais fácil. Mas também sabemos que, nesta crise, ninguém pode salvar a si próprio.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

Foto de wuestenigel em Foter.com / CC BY

Autor

Cientista político. Diretor do think-tank Asuntos del Sur. Doutor pelo Institut d'Etudes Politiques de Paris (Sciences Po). Trabalhou no Woodrow Wilson Center, no Centro de Desenvolvimento da OCDE e dirigiu o Instituto Federal de Governo na Argentina.

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