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Covid-19: Sobre dados, explicações e decisões políticas

Um semestre é um lapso de tempo suficientemente amplo, na era exponencial que a humanidade está vivendo, para que tenhamos podido reagir de muitas maneiras diante da pandemia. E foi o que aconteceu, de forma maciça, com enfoques disciplinares diferentes, velocidade vertiginosa e em praticamente toda parte do planeta. As provas recolhidas são esmagadoras. De perspectivas científicas a outras de caráter intuitivo, sem deixar de lado especulações insólitas que se movimentam entre o capcioso e o ingênuo. A política também se movimentou em marcos diversos, em alguns casos de acordo com pautas ancoradas em inércias institucionais do passado ou na sabedoria convencional de cada país, e em outros acompanhando os interesses de curto prazo da elite ou de indivíduos, e em muitas situações atuando de maneira improvisada e descoordenada. De tudo isso, embora o mais premente seja o futuro, vale a pena considerar hoje a questão, e talvez o legado, do impacto da 19 sobre as três coisas que servem de título a este artigo.

> A complexidade dos dados, e problemas quanto à sua definição e coleta

O problema inicial –e quase sempre fundamental– do conhecimento está vinculado à definição do objeto em estudo e à dificuldade que existe para sua medição. Delimitar o caso, separar o que é do que não é, supõe poder enunciar tudo que se dirá abaixo. Há formas de medir que não são iguais, o que implica que os dados não sejam comparáveis. Relatar uma morte causada pela Covid-19 gera notáveis dores de cabeça para aqueles que se encarregam dessa tarefa diariamente. A ausência, em numerosas ocasiões, de provas para diagnosticar adequadamente a infecção alimenta a dificuldade, sobretudo nas primeiras semanas e nos lugares com assistência médica precária, de estabelecer com rigor os números que medem a tragédia e as etapas subsequentes de seu desenvolvimento. Agora está começando a ser usada a expressão “excedente de mortalidade”, que mede a distância entre o número total de pessoas que morreram por qualquer causa nos últimos meses e a média histórica de óbitos no mesmo local e em período idêntico.

A mesma coisa acontece quanto à catalogação das pessoas infectadas. Só quanto estão disponíveis exames de reação em cadeia de polimerase (PCR) pode-se determinar com precisão o número de contágios, mas o cálculo também está vinculado à estratégia seguida com relação a isso e ao fato de que a Covid-19 se caracteriza por portadores assintomáticos poderem ser transmissores. Quanto mais exames forem realizados, maior a probabilidade de contabilizar um número mais elevado de casos, embora o uso maior de exames também propicie um controle melhor da pandemia.

A medição dos casos se vincula às capacidades dos países no que tange a obter dados. Isso significa que aqueles que não contam com serviços de estatísticas preparados, registros civis adequados e tecnologia para captura e transmissão de dados encaram sérios problemas para colocar em marcha procedimentos adequados de resposta à pandemia. Na América Latina, esse fator é especialmente sensível por conta da fraqueza, da escassa profissionalização e da precariedade das administrações públicas.

> Explicações para muitos gostos, mas pelo menos um decálogo de esclarecimentos

O estudo de casos é muito variado e em breve será possível contar com estudos relevantes que abordem o panorama de diferentes perspectivas. As perguntas sobre o porquê e o como encontrarão respostas mais e mais refinadas. O que explica que Medellín tenha índices de contágio e mortalidade muito inferiores à média da Colômbia, e melhores até que os do Uruguai e Costa Rica, dois países de população um semelhante e o outro um pouco menor que a da cidade, respectivamente?

Até hoje foram recolhidos indícios que podem configurar um decálogo díspar, em torno de fatores de aceleração ou desaceleração da expansão da pandemia: ausência ou insuficiência de assistência médica primária; falta de material médico, de higiene e de proteção (luvas, máscaras, sabonete, álcool desinfetante…); o trabalho informal, que obriga mais de metade da população a sair às ruas para ganhar a vida, o que inviabiliza o confinamento, ou, no caso daqueles que não tenham contas bancárias por meio das quais possam receber os eventuais subsídios públicos, a necessidade de formar longas e dolorosas filas que se tornam focos de infecção; a superlotação de moradias às vezes sem água potável e em muitos casos sem refrigeradores nos quais guardar comida; uma presença forte de população com idade superior a 70 anos e o fato de que proporção relevante dessas pessoas vivam em casas de repouso; o isolamento geográfico; o fechamento de fronteiras nacionais e restrições à circulação entre províncias; o grau de maturidade cívica; o tipo e o ritmo das políticas adotadas em resposta; e o nível da liderança.

> Decisões políticas sob lideranças (ir)responsáveis e sociedades diferentes

Por fim, quais são os efeitos quando, como acontece no caso da Covid-19, questões políticas e científicas confluem? O exercício da autoridade, como ensinou Max Weber há cerca de 100 anos, integra dois tipos de ações, baseadas na responsabilidade (ter em conta as consequências previsíveis dos atos) e em convicções.

Deixando de lado os particulares de cada país, a pandemia traça sete linhas mestras sobre as quais as autoridades desenvolvem seu papel com dois elementos em equilíbrio: recursos públicos extraordinários; medidas contraditórias envoltas em explicações confusas e improvisação; dispersão nas respostas dos diferentes níveis territoriais e jurisdições daqueles que decidem; previsões erradas, em função das dificuldades quanto a dados analisadas acima; ruído intenso da mídia e das redes sociais, com a expressão de uma infinidade de opiniões, assim como mentiras e mensagens portadoras de vieses; uma gama múltipla de líderes com experiências e propósitos diferentes; e uma sociedade esgotada e mais desigual diante de um cenário desconhecido e incerto, onde o medo é o vetor principal.

Essa imagem de desorganização generalizada incide sobre a avaliação dos governos. À morte, enfermidade e caos se une o crescimento da corrupção em meio a uma crise econômica grave. Tudo isso leva a um questionamento ainda maior das desgastadas fundações sobre as quais é construída a relação entre os povos e a política.

Foto de Santiago Sito en Foter.com / CC BY-NC-ND

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Diretor do CIEPS, Centro Internacional de Estudos Políticos e Sociais AIP-Panamá. Professor Emérito da Universidade de Salamanca e UPB (Medellín). Últimos livros (2020): "El oficio de político" (2ª ed., Tecnos (Madri) e em coedição com Porfirio Cardona-Restrepo "Dilemas de representação democrática" (Tirant lo Blanch, Colômbia).

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