Desde o surgimento das sociedades como as conhecemos, os líderes políticos têm recorrido ao populismo. O subcontinente já viu várias lideranças carismáticas, como Getúlio Vargas e João Goulart no Brasil, Juan Domingo Perón e os Kirchner na Argentina, ou Lázaro Cárdenas, Adolfo López Mateos ou Andrés Manuel López Obrador no México.
No início da democratização, nos anos noventa, a região testemunhou uma metamorfose de lideranças e também da democracia. Seria incorreto negar que o populismo existe há séculos; antes ele era concebido como forma para obter acesso ao poder, mas agora se tornou uma técnica para conservá-lo. Isso não aconteceu por geração espontânea, mas sim quando a democracia liberal foi transformada em uma democracia de audiências.
De acordo com o cientista político Bernard Manin, a democracia de audiências é entendida como um modelo em que os partidos e as agendas governamentais são relegados a segundo plano, mas a candidatura ao cargo adquire relevância devido à sua estridência política. Esse fenômeno decorre da liberalização econômica e da massificação dos meios de comunicação, inclusive Giovanni Sartori chegou a chamá-lo de sociedade teledirigida em seu livro Homo Videns, onde explica como a democracia adquire semelhanças com os programas televisivos.
A América Latina tem testemunhado governos que exercem o poder através do populismo para manter a aprovação e o respaldo e até mesmo atingir adversários políticos. O México é um dos melhores exemplos, com um presidente que realiza diariamente conferências matinais para firmar a discussão na opinião pública. Seus simpatizantes acreditam dogmaticamente no que o executivo declara em sua conferência e, mesmo à luz dos dados, da realidade ou dos fatos, se isso lhes for adverso, eles negam ou desqualificam.
Até mesmo a oposição ao governo de López Obrador é marcada pela retórica presidencial, uma vez que, ao longo de seus seis anos de mandato, eles se dedicaram apenas a responder às declarações presidenciais, o que dificultou a construção de seu próprio discurso. Da mesma forma, a imagem que o presidente criou de seus opositores levou seus partidários a construírem o perfil ou a ideia do que é um conservador ou um “fifi”, de acordo com a visão lopezobradorista.
Outro país que misturou o modelo de audiências com o populismo governamental é El Salvador. O caso de Bukele é interessante, pois ele é um presidente jovem e amplamente aprovado que usa as redes sociais e meios de comunicação tradicionais como alto-falantes para seu governo. O presidente publica tudo o que faz no Twitter e chegou ao ponto de convocar manifestações por meio da rede social. Assim conseguiu que em 2020 a sociedade se manifestasse em frente à Assembleia Nacional e pressionasse a favor da aprovação de seu plano de segurança.
No modelo de audiências, o líder político assume o papel de emissor e seus seguidores são os receptores. Embora Manin se refira às democracias de audiências, na América Latina também concebo um novo modelo que, do meu ponto de vista, pode ser chamado de autocracias de audiências. A autocracia é a deformação de um regime político que é moldado à imagem e semelhança de um líder; essas autocracias tendem a não ser democráticas e, em alguns casos, são sustentadas por nuances populistas.
Menciono esse conceito porque há países que deixaram de ser democracias se falarmos sobre a consistência do conceito e o reduzirmos ao âmbito eleitoral. A Venezuela chavista (1999-2013) transitou de uma democracia liberal para uma autocracia de audiências. Naquela época, Hugo Chávez contava com programas de rádio e televisão; suas aparições contando piadas, cantando ou se exercitando eram técnicas que encantavam seus apoiadores e seguidores.
Chávez não era apenas o presidente; ele era o cantor, o apresentador de rádio, o jogador de beisebol, mas também se tornou um ser onipresente da Venezuela. Isso pode ser identificado em sua promoção “Eu não pertenço mais a mim, Chávez é um povo”, na qual ele personificava o povo em sua totalidade. Após sua morte em 2013 e a ascensão de Nicolás Maduro, essa técnica foi continuada. O presidente se tornou uma tendência por suas frases, como a declaração sobre o pássaro em forma de Chávez que falou com ele, e por seus eventos em que dança todos os tipos de música, joga beisebol ou toca instrumentos musicais.
O objetivo é demonstrar simpatia e proximidade com as pessoas. Ele não precisa apenas trabalhar em um escritório hermético, mas sim mostrar que é um ser de carne e osso. O populismo seduziu uma parte dos cidadãos, mas também foi a estratégia para endossar a construção da autocracia. As liberdades políticas foram restringidas, o Estado tornou-se onipresente e a polarização passou a fazer parte da vida cotidiana.
Finalmente, outro país que funciona como uma autocracia de audiências é a Nicarágua do casal Ortega-Murillo. Esse caso demorou mais, mas desde o segundo mandato de Daniel Ortega, que começou em 2007, foi realizada uma profunda produção no sentido televisivo da palavra. Muitos se lembram do comandante vestido de verde-oliva e óculos grandes, mas quando ele ganhou outro mandato, começou a se vestir com roupas civis e principalmente de cor branca para enviar uma mensagem de paz.
Da mesma forma, o governo de Ortega não poderia se sustentar sem o apoio da primeira-dama, coordenadora de Comunicação e agora vice-presidente Rosario Murillo. Ela foi responsável por construir a mensagem, o cenário e o discurso, não da Revolução Sandinista, mas das conquistas que ela trouxe e da necessidade de mantê-la. As pessoas que compactuam com o orteguismo se sentem parte da história e veem a necessidade de defender seu país de qualquer ameaça.
Como vemos em alguns exemplos, os presidentes optaram pelo modelo de audiências, que é benéfico para sua imagem e os temas de seu interesse. Não há necessidade de resultados no exercício do poder quando os presidentes conseguem impor sua realidade de país e os feitos. Embora muitos setores sejam atraídos por esse modelo, não podemos esquecer que as agendas e as propostas devem ter um papel central na vida democrática.
Os problemas das nações são resolvidos com medidas coerentes, técnicas e dados concretos, não com danças, desqualificações e redes sociais. Pode-se simpatizar com um personagem, mas a democracia e o pluralismo não podem ser reduzidos à sua vontade ou visão.
Autor
Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.