Estas eleições contribuem ainda mais para o fenômeno que a América Latina enfrenta na última década. A vitória de vários candidatos com resultados apertados, a atomização das forças políticas mais representativas e a fragmentação das tendências ideológicas. O desencanto pela política não era novo, mas expressou-se em altas porcentagens de votos nulos, brancos e abstenção. Em alguns casos, a soma destes superou os votos das autoridades eleitas. A campanha eleitoral foi curta, com duração de um mês, e caracterizou-se pelo sensacionalismo, pela política levada ao Tik Tok e pelas mensagens viralizando nas redes sociais disputando a atenção dos indecisos.
Apesar da diversidade cultural e regional de cada província da Serra, Costa e a Amazônia, as demandas dos cidadãos giraram em torno dos mesmos problemas: combate à insegurança, desemprego e falta de cuidados médicos e medicamentos no sistema de saúde pública, bem como nos centros municipais que prestam este serviço. Estas eleições configuraram um cenário eleitoral visando a 2025, pois as prefeituras e câmaras municipais se convertem desde agora em plataformas de apoio às candidaturas que querem conquistar a presidência e a Assembleia Nacional.
Fragmentação e crise de legitimidade
As eleições locais do Equador se caracterizaram pela fragmentação e por uma crise de legitimidade. As principais cidades (devido à sua dimensão populacional, economia e representação política), nomeadamente Quito e Cuenca na Serra, e Guayaquil na costa, tiveram um excessivo número de candidaturas, e as que conseguiram a vitória para as prefeituras não chegaram a ultrapassar 40% dos votos. Na capital, o candidato do correísmo, Pabel Muñoz, ganhou com 25% dentre 12 candidatos; o prefeito de Cuenca (pela Izquierda Democrática), Christian Zamora, ganhou com 18% dentre nove candidatos, enquanto em Guayaquil, o partidário da Revolución Ciudadana, Aquiles Álvarez, ganhou com 39% dentre os 11 candidatos.
As vitórias modestas nas cidades de Quito e Cuenca das autoridades eleitas impõem grandes desafios, uma vez que a composição do Conselho Municipal da capital compreenderá cinco forças políticas. Neste sentido, o novo prefeito não conta com nenhum tipo de maioria, o que o obriga a negociar com os vereadores a fim de usufruir da governabilidade em termos de legislação e fiscalização, bem como em termos de aprovação do orçamento e priorização dos investimentos. Pela segunda vez consecutiva, esta administração municipal inicia com fragmentação e com 75% dos eleitores a não escolherem a autoridade eleita. Esta é a segunda vez em 16 anos que o correísmo vence as eleições, mas não ultrapassa o seu teto eleitoral.
No Equador, as eleições são obrigatórias e aqueles que não votam são sancionados. No caso de Quito, a porcentagem de abstenção foi notável (17,32%), mais ainda o voto nulo (13,77%), enquanto que a de votos em branco foi baixa (3,22%). Em suma, estes três itens superaram a votação para a candidatura vencedora, que apenas teve uma vantagem de 2,98% à frente do segundo lugar e 3,21% do terceiro. Tal como em eleições anteriores, dois candidatos provenientes da matriz do correísmo ficaram em primeiro e segundo lugar, um fenômeno que também ocorreu noutras cidades, nas quais os partidos foram atomizados por dentro.
O mapa eleitoral no Equador, no que se refere às prefeituras, colocou no tabuleiro um país com uma clivagem histórica, onde a direita, representada pelo Partido Social Cristiano (PSC), compartilha a liderança na Costa com o correísmo. O primeiro conquistou três prefeituras, enquanto o segundo conquistou uma e a mais importante, Guayas. No caso da Serra, o movimento indígena Pachakutik venceu nas províncias centrais, onde nasceram as mobilizações nacionais, e o resto do país permaneceu nas mãos de organizações políticas locais. No geral, o correísmo ganhou 9 prefeituras e 61 câmaras municipais; o CPS ganhou três prefeituras e 32 câmaras municipais; Pachakutik, seis prefeituras e 11 câmaras municipais. Estas três forças políticas estão lubrificando suas maquinarias eleitorais para as eleições gerais de 2025.
Referendo com sabor a NÃO
Os resultados do referendo patrocinado pelo governo merecem um capítulo à parte, uma vez que Guillermo Lasso apostou seu capital político na consulta popular, já que não apresentou candidatos para as autoridades locais. Esta estratégia foi postergada pelo presidente, dado que estava prevista para o início do seu mandato, no entanto, o timing e o princípio de oportunidade falharam-lhe.
Nas oito perguntas, a resposta foi um não. Este resultado complexifica ainda mais a governabilidade, dado o seu declínio permanente na aceitação e credibilidade, que é inferior a 20%, além de enfrentar denúncias de corrupção por parte de um meio de comunicação. Embora o presidente tenha mudado os seus principais colaboradores (ministros e assessores), este sinal parece insuficiente, dado que o movimento indígena está ameaçando uma nova paralisação nacional na qual a sua única demanda é a renúncia de Lasso.
O governo convocou ao diálogo depois da sua derrota nas urnas, mas as forças políticas representadas na Assembleia Nacional rejeitaram o convite e aceleraram o processo de um possível julgamento de impeachment do presidente. Lasso respira com dificuldade, enquanto a sociedade civil continua expressando a sua rejeição à política porque a representação está em declínio a menos pelo descrédito nos políticos, que mal receberam uma classificação positiva de 5%, de acordo com as pesquisas. Os dias que se seguem serão turbulentos no meio de uma crise de insegurança e desemprego.
Autor
Cientista político e comunicador. Coordenador geral de pesquisa do Instituto de Altos Estudios Nacionales - IAEN (Quito). Doutorado em Ciências Sociais pela FLACSO-Equador. Últimos livros (2020): "En el ojo del huracán. Lei de Comunicação no Equador".