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Eleições no Brasil: um voto pela democracia

No dia 2 de outubro, uma eleição memorável será realizada na história do Brasil. Embora todas as disputas sejam importantes, as eleições deste ano talvez sejam as mais relevantes porque estão ocorrendo no meio da maior crise da democracia brasileira desde a transição e em um clima de alta polarização e violência política. As últimas pesquisas mostram Luiz Inácio Lula da Silva como o favorito com 47% dos votos. Jair Messias Bolsonaro está em segundo lugar com 33%, enquanto os candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet têm menos de 10% de apoio e estão tecnicamente empatados. As eleições serão, portanto, uma luta entre Lula e Bolsonaro, mas no momento atual elas representam muito mais do que isso: elas refletem duas visões opostas de país.

Construindo uma frente ampla pró-democracia

A campanha eleitoral começou oficialmente em agosto e tem estado em pleno andamento nos debates televisivos, nas redes sociais e em outras esferas. Entretanto, o clima de polarização e a exacerbação da violência política, que levou a assassinatos e ferimentos, bem como numerosos ataques a jornalistas, funcionários públicos e pesquisadores, produziu uma atmosfera de medo em que as pessoas estão se autocensurando ou com receio de expressar suas preferências. Segundo o Datafolha, quase sete em cada dez brasileiros dizem agora ter medo de serem atacados fisicamente por causa de suas escolhas políticas.

Seus medos são mais do que bem fundamentados. Embora a violência política não seja um fenômeno novo no Brasil, e casos como o assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018 deram a volta ao mundo e se tornaram emblemáticos da luta contra a violência política de gênero e racial, desde a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, o fenômeno assumiu níveis sem precedentes. Segundo o Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (OVPE-Unirio), somente no primeiro semestre de 2022, este fenômeno já causou mais de quarenta mortes no país.

Além disso, ao contrário do que acontecia no passado, quando a violência se limitava aos políticos e setores específicos, hoje é uma tendência generalizada na qual os cidadãos comuns desempenham um papel central. Esta é uma conseqüência do crescente clima de ódio que se instalou no país, apoiado e legitimado por um presidente autoritário que elogia os torturadores da ditadura militar, mas também por uma sociedade que tem uma quantidade de armas sem precedentes à sua disposição. Quase meio milhão de revólveres e pistolas foram importados desde 2019, um número recorde em comparação com as duas últimas décadas.

O clima de ódio também levou a ataques a jornalistas e ativistas de direitos humanos e ambientais, com ênfase especial às mulheres, afrodescendentes, indígenas e pessoas LGBTQIA+. Como se isto não fosse suficiente, segundo o Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o clima de ódio e ameaças aos críticos do governo também colocou em risco a liberdade acadêmica. Quase seis em cada dez entrevistados sabem de experiências de pessoas que sofreram limitações ou interferências indevidas em seus estudos ou aulas.

Mas as agressões não estão restritas às liberdades civis. Os ataques de Bolsonaro a todas as instituições têm sido uma constante desde que ele tomou posse. Seu questionamento do sistema eleitoral e dos resultados das eleições, alegando que as urnas eletrônicas são deficientes e que “se ele não ganhar no primeiro turno com mais de 60% dos votos é porque algo anormal aconteceu no Supremo Tribunal Eleitoral“, é apenas mais um episódio em uma longa lista de ameaças golpistas.

A gravidade da crise democrática do país é expressa em ameaças como estas e na permanente falta de respeito pela independência dos poderes do Estado. Neste processo, o presidente tem o apoio de vários setores antidemocráticos e parte das Forças Armadas, que exigiu que o TSE testasse a integridade das urnas no dia das eleições, apesar de a transparência e a eficiência do sistema eleitoral brasileiro serem reconhecidas internacionalmente.

Neste contexto de sérias ameaças à democracia brasileira, a aliança entre os ex-rivais Lula e Alckmin assume um caráter fundacional. Além disso, a defesa da democracia levou à formação de uma frente ampla que reúne vários ex-presidentes e representantes de diferentes setores políticos, como Marina Silva, Fernando Meirelles e Guilherme Boulos. Empresários, intelectuais e artistas também assinaram petições e promoveram eventos pró-democracia.

Um dos últimos a aderir é o intelectual e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que recentemente publicou uma carta pró-democracia. Sem mencionar explicitamente Lula, o ex-presidente convocou as pessoas a votarem “naqueles que estão comprometidos com a luta contra a pobreza e a desigualdade, defendem direitos iguais para todos” e estão comprometidos com o “fortalecimento das instituições que garantem nossas liberdades”.

Diante de uma das crises mais delicadas da história recente, este momento decisivo exige diálogo, responsabilidade e o compromisso de todos aqueles que buscam aprofundar a democracia no país. E, dada a importância do Brasil, a comunidade internacional, além de exercer pressão diplomática e enviar missões de observação eleitoral, deve fazer ouvir sua voz através de iniciativas de solidariedade internacional com a democracia brasileira e a realização de eleições livres.

As eleições estão no coração da democracia, mas como vários setores têm denunciado, o Brasil corre o risco de que os resultados das eleições de outubro não sejam respeitados e que um clima inédito de autoritarismo, violência e instabilidade seja estabelecido. Diante de tal cenário, a democracia e a reconstrução do país devem ser uma prioridade para todos nós.

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Cientista política. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UNIRIO. Doutora em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri.

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