No âmbito do Mês da Mulher, é imperativo abordar a desigualdade de gênero na mobilidade, um aspecto crucial, mas muitas vezes negligenciado no projeto e planejamento das cidades latino-americanas e nas discussões sobre desigualdade de gênero. A mobilidade reflete desigualdades enraizadas em papéis sociais historicamente atribuídos a homens e mulheres, já que as cidades são, em sua maioria, concebidas e construídas por homens e para homens, o que apresenta desafios significativos para as mulheres em sua vida cotidiana.
As mulheres fazem viagens mais complexas devido à persistência de papéis tradicionais. Enquanto os homens realizam trajetos mais lineares, geralmente de casa para o trabalho e vice-versa, as tarefas domésticas e de cuidado impõem uma carga adicional à mobilidade feminina, influenciando a diversidade de seus trajetos diários. Assim, em bairros vulneráveis, é muito mais comum que as mulheres saiam menos do perímetro do bairro do que os homens devido às restrições de mobilidade, diminuindo seu mundo.
Percepção de insegurança das mulheres
A percepção de insegurança das mulheres nos espaços públicos e nos meios de transporte é uma das barreiras que dificultam tanto a experiência de deslocamento quanto a vivência do espaço urbano, chegando a limitar a autonomia, a livre circulação e o acesso às oportunidades de educação, trabalho, cultura e lazer que as cidades oferecem.
Segundo a pesquisa “Ela se Move Segura” do CAF e da Fundação FIA em três cidades latino-americanas, a maior presença de homens, o fato de viajar sozinha e a falta de luz do dia aumentam seu temor ao viajar. A violência e o assédio estão entre os principais problemas que as mulheres sofrem no transporte público. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), na Cidade do México, uma das cidades mais populosas da região, estima-se que 96% desse grupo tenha sido vítima de violência e assédio pelo menos uma vez.
Um novo estudo global de opinião pública da WIN sobre igualdade de gênero, segurança e violência, divulgado recentemente para o Dia da Mulher de 2024, explora opiniões e crenças em 39 países e conclui que metade das mulheres pesquisadas a nível global se sente insegura ao andar sozinha à noite em seu próprio bairro.
Essa percepção de insegurança é mais frequente entre mulheres jovens. É interessante notar que, embora esse tipo de insegurança seja um fenômeno que também afeta os homens, ele o faz em um grau muito menor. A nível global, 26% dos homens contra 46% das mulheres não se sentem seguros ou confiantes andando sozinhos à noite em seu bairro.
Ao observar os números por região, vemos que em algumas zonas geográficas as mulheres se sentem mais inseguras do que em outras, sendo a América o continente com a maior porcentagem de mulheres que relatam isso (64% em comparação, por exemplo, com a Europa, com 45%). Por outro lado, alguns países latino-americanos estão entre as maiores porcentagens de mulheres que relatam não se sentir seguras ou confiantes ao andar sozinhas à noite em sua vizinhança.
Do ranking de 39 países, os sete primeiros são ocupados por países latino-americanos, e todos os países latino-americanos estão acima da média global. No Chile, 83% da população feminina se considera insegura nas estradas, no México 81%, no Equador 75%, no Brasil 71%, na Argentina 69%, no Paraguai 65% e no Peru 64%. Na Europa, Itália, Grécia e Irlanda têm a maior porcentagem de mulheres que relatam se sentir inseguras e, na Ásia-Pacífico, a Malásia e a Coreia do Sul são os países com as maiores porcentagens.
Como as mulheres se cuidam?
As mulheres desenvolveram táticas cotidianas e estratégias de autocuidado para gerenciar sua segurança, desde avaliar as roupas que usam, evitar certos lugares ou horários, avisar amigos ou familiares via mensagens ou telefonemas em que estágio da viagem estão para se sentirem acompanhadas, carregar itens de autodefesa, ficar na casa de alguém para evitar viajar à noite, evitar caminhar, evitar o transporte público e usar táxis, entre outras medidas.
Na Argentina, em 2019, após o feminicídio de uma jovem de 17 anos que voltava de uma boate para casa, a campanha “Amiga, ¿llegaste?” se tornou viral, destacando a rede de apoio e companheirismo que existe entre as mulheres que pedem a suas amigas que reportem ao chegar por medo de que algo aconteça com elas no trajeto do local de encontro até suas casas. A tecnologia pode ser uma aliada fundamental para melhorar a segurança. Compartilhar a localização em tempo real é uma ferramenta crescente. E, muitas vezes, diante do medo, ficar em casa é uma opção.
E no que diz respeito aos serviços de transporte, há várias melhorias possíveis para aumentar a qualidade das viagens. Desde um menor tempo de espera, paradas e estações próximas à origem e ao destino, ou pessoal de segurança durante a viagem, até rotas mais diretas. Outras sugestões de especialistas incluem motoristas que permitem que as mulheres desçam do ônibus em qualquer ponto da rota; expansão da rede e todas as ações relativas a melhorias gerais de segurança, como melhor iluminação, vigilância, etc.
Além disso, os aplicativos de mobilidade de transporte com horários em tempo real, alertas de serviço e rotas seguras podem reduzir o tempo de espera e proporcionar informações vitais para as mulheres. No Brasil, por exemplo, uma iniciativa inédita foi lançada em São Paulo para que as mulheres não esperem sozinhas pelo ônibus no meio da noite, chamada Abrigo Amigo, transformando os pontos de ônibus em painéis sensíveis ao toque capazes de fazer chamadas de vídeo com uma central de atendimento onde são atendidas por uma equipe de mulheres especificamente treinadas para saber como agir em possíveis situações de risco.
Também é útil treinar motoristas de transporte sobre assédio sexual e como prevenir e agir nessas situações. Recentemente, em diferentes países da região, um app de viagens lançou uma iniciativa de conscientização dirigida aos motoristas de sua rede para prevenir condutas inadequadas por parte dos motoristas, a fim de sensibilizá-los quanto às condutas e comentários que possam ser incômodos ou perturbadores para as usuárias.
As mulheres se sentem mais seguras quando a motorista do serviço público é mulher. Entretanto, na América Latina, um grande número de mulheres não tem carteira de motorista e a idade em que elas a adquirem é maior do que a dos homens. Assim, elas também podem ter mais dificuldade para se imaginar em funções profissionais vinculadas à condução.
Nesse contexto, é essencial que os governos nacionais e locais promovam uma maior participação das mulheres na tomada de decisões sobre mobilidade. Seu conhecimento único sobre segurança, infraestrutura e modos de transporte pode contribuir para um planejamento mais inclusivo e seguro.
No Mês Internacional da Mulher, um apelo ressoa: não deixe que o pôr do sol mande as mulheres latino-americanas para casa.
Autor
Diretora da consultoria argentina Voices. Membro do Conselho de Administração da WAPOR Latinoamérica, a seção regional da Associação Mundial de Pesquisa de Opinião Pública.