A história política da América Latina é marcada por uma tensão constante entre o poder e a justiça. Desde os anos 70 até hoje, dezenas de ex-presidentes enfrentaram processos judiciais por crimes que vão desde corrupção e fraude até violações dos direitos humanos. Essa realidade não reflete apenas uma fraqueza institucional crônica, mas também uma cultura política que normalizou o abuso de poder.
Vinte e cinco ex-presidentes latino-americanos foram submetidos a processos judiciais entre 1970 e 2025, categorizados como corrupção, lavagem de dinheiro, conspiração, entre outros. A tabela que registra esses incidentes é um testemunho contundente do problema.
Há nomes como Evo Morales (Bolívia), Álvaro Uribe (Colômbia), Cristina Fernández de Kirchner (Argentina), Rafael Correa (Equador) e Ricardo Martinelli (Panamá). Todos estiveram envolvidos em processos judiciais que abalaram seus países. Alguns foram condenados, outros investigados e poucos absolvidos. Mas o padrão é claro: o poder presidencial na América Latina tem sido, com demasiada frequência, uma plataforma para o enriquecimento pessoal, a manipulação institucional e a impunidade.
A justiça chega tarde, mas chega
Um dos aspectos mais marcantes dessa lista é que muitos dos processos judiciais são iniciados depois que os mandatários deixam o poder. Isso revela uma justiça que parece fraca durante o exercício presidencial, mas que se ativa quando o poder político desaparece. É o caso de Cristina Fernández de Kirchner, condenada por administração fraudulenta, e de Álvaro Uribe, que enfrenta prisão domiciliar por fraude processual e suborno. Em outros casos, como o de Lula da Silva, a condenação foi anulada por irregularidades processuais, o que levanta dúvidas sobre a independência judicial.
Esse fenômeno tem consequências profundas. Por um lado, mostra que a justiça pode funcionar, embora lentamente. Por outro, evidencia que os sistemas judiciais estão expostos a pressões políticas, minando a confiança dos cidadãos nas instituições. A percepção de que os poderosos só enfrentam consequências quando já não têm poder é corrosiva para a democracia.
Mais do mesmo?
Em 2025, a América Latina segue enfrentando escândalos de corrupção e crises institucionais. Por exemplo, na Guatemala, o Ministério Público é acusado de perseguir juízes e promotores independentes. No Peru, a instabilidade política levou à sucessão de vários presidentes em poucos anos, muitos deles investigados por corrupção. No México, o governo de Andrés Manuel López Obrador tem sido criticado pelo uso político da procuradoria-geral. E no Equador, o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio em 2023 revelou as ligações entre a política e o crime organizado.
Esses fatos atuais confirmam que a relação entre política e justiça continua conflituosa. A impunidade, a manipulação judicial e a falta de transparência continuam sendo obstáculos para o fortalecimento democrático. A cidadania, cada vez mais informada e exigente, clama por mudanças profundas que permitam construir instituições sólidas e confiáveis.
Como enfrentar o problema?
A produção de receitas para combater a fragilidade institucional latino-americana não é novidade. Na região, proliferaram os processos de reforma estatal e foram assinados centenas de acordos com agências internacionais e outros governos para melhorar as capacidades dos Estados. No entanto, é evidente que as tarefas pendentes são muitas.
É necessário fortalecer a independência judicial e garantir que juízes e promotores possam agir sem pressões políticas. Isso implica reformas na seleção de magistrados, mecanismos de controle cidadão e proteção para os administradores da justiça. A independência judicial não é apenas um princípio democrático, mas uma condição necessária para combater a corrupção.
A opacidade é aliada da impunidade. Por isso, os governos devem implementar políticas de transparência ativa, facilitar o acesso à informação pública e promover o jornalismo investigativo. Os cidadãos devem ter ferramentas para fiscalizar seus representantes e exigir prestação de contas.
A luta contra a corrupção não se ganha apenas nos tribunais, mas também com a educação cívica. É necessário promover uma cultura democrática que valorize a ética pública, o respeito à lei e a participação cidadã. A educação cívica deve ser parte central das políticas públicas e não um acessório nostálgico.
Essas recomendações, que reúnem as bases indispensáveis da democracia liberal ocidental, não estão escritas em pedra. Exigem uma atualização constante. À medida que o mundo avança, também crescem as tarefas para resolver. Assim, as leis que serviram no passado para garantir a independência dos poderes e evitar a corrupção podem estar obsoletas hoje.
Oportunidade para mudar
A relação entre política e justiça na América Latina tem sido historicamente difícil, mas não está condenada ao fracasso. Os processos judiciais contra ex-presidentes, embora tardios, são sinais de que a impunidade pode ser combatida. No entanto, para que esses casos não sejam excepcionais, é necessário um compromisso firme com a institucionalidade, a transparência e a participação cidadã.
A América Latina tem a oportunidade de transformar sua cultura política. Surpreendentemente, apesar da crescente presença do crime organizado e da violência, continua sendo uma região pacífica e majoritariamente democrática. Esse valor é um diferencial em relação a outras regiões que, por mais paradoxal que pareça, têm maior influência na agenda internacional.
A cidadania está mais alerta, a mídia mais ativa e as redes sociais democratizaram a informação. Se for possível fortalecer a justiça, educar em valores democráticos e exigir transparência, a consequência esperada será a de sociedades nas quais o poder não seja sinônimo de impunidade, mas de responsabilidade.
*Texto publicado originalmente em Diálogo Político
Tradução automática revisada por Isabel Lima