O Equador se prepara para retomar a deliberação sobre a reforma política, o presidente Guillermo Lasso formulou um conjunto de perguntas a serem consideradas para consulta popular, que deverão ser aprovadas por parte do Tribunal Constitucional. Esta instância deverá qualificar se as mesmas procedem mediante a modalidade de emendas ou reformas, ou se não, se devem ser tratadas por uma Assembleia Constituinte: são as três modalidades previstas na Constituição para proceder às reformas institucionais.
Há muitas considerações por trás da convocação do presidente para uma consulta popular. Sem dúvida, o regime requer uma renovação de sua debilitada aceitação, reduzida a 17% pouco mais de um ano após sua tomada de posse, quando esta atingiu 75%.
Mas além de uma manobra de legitimação, o regime visa incidir em três matérias que são altamente relevantes para a situação política atual do país: a segurança do cidadão, a reforma institucional e a proteção ambiental.
Em matéria de segurança, a proposta visa melhorar os níveis de cooperação entre as Forças Armadas e a Polícia, uma proposta que já foi tratada pelo Tribunal Constitucional e que não recebeu respostas suficientemente claras e definitivas. A resposta do Tribunal foi enquadrada dentro do tradicional princípio da soberania estatal, sob o qual o papel das Forças Armadas é exclusivamente o da proteção das fronteiras, diante de possíveis conflitos com outros países.
O governo considera que é pertinente regular um maior envolvimento dessas forças na gestão da segurança interna através de tarefas complementares às da Polícia Nacional. Atualmente, esta colaboração pode ocorrer através de uma declaração de emergência ou excepcionalidade, o que implica na suspensão dos direitos dos cidadãos. Segundo o governo, a colaboração permanente em casos restritos a delitos transnacionais, também conhecidos como “crime organizado”, não implicaria a suspensão desses direitos ou a intervenção das Forças Armadas em tarefas de proteção civil que são de responsabilidade da polícia. Desta forma, a emenda não seria regressiva em termos de direitos, nem alteraria a estrutura organizacional do Estado, limitantes constitucionais que poderiam invalidá-las.
A segunda pergunta do âmbito de segurança levanta a extradição de pessoas envolvidas em delitos como narcotráfico, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e contrabando de armas. A Constituição vigente não contém as ferramentas para fazer frente com esses novos tipos de crime, nos quais o nível de ameaça excede os poderes das soberanias nacionais.
Como podemos ver, estamos aqui diante do que poderia ser caracterizado como uma implementação inicial de uma política de cooperação regional e global sobre o assunto. A terceira pergunta complementa este primeiro eixo e propõe dotar de autonomia o Ministério Público do Estado nas funções de avaliação e sanção dos promotores, que atualmente residem no Conselho de Justiça.
O segundo conjunto de perguntas se refere à reforma política. Nesta matéria é onde seguramente o conteúdo da consulta entrará em jogo. O objetivo aqui é retirar os poderes na nomeação dos órgãos de controle (Controladoria, Superintendências, Procuradoria Geral, Ouvidoria, etc.) do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social CPCCS, ou o chamado quinto poder, e devolvê-lo à Legislatura. A Constituição de 2008 transferiu dito poder para este Conselho, que é atualmente reconhecido como o maior responsável pela crise institucional.
Na proposta presidencial, devolver poderes de nomeação ao legislativo, paradoxalmente, acaba reforçando o hiper-presidencialismo ao dar ao executivo o poder de designar candidatos para essas funções, deixando para o legislativo o papel de sua nomeação formal. A proposta parecia responder às urgências conjunturais do momento: impedir que seu principal oponente, o correísmo, assuma esses espaços, substituindo a atual composição do Conselho de Participação, que canalizaria a integração dos órgãos de controle com funcionários com os mesmos interesses.
As perguntas neste bloco são completadas com propostas de reforma do sistema eleitoral e dos partidos políticos: a redução do tamanho da legislatura (dos 137 representantes atuais para um número de +/- 100) e a obrigação dos partidos políticos de respeitarem os protocolos da democracia interna para acederem aos fundos partidários. Também aqui a proposta é fraca e imprecisa: reduzir o tamanho da representação e condicionar mediante registos tecnológicos atualizados (biometria na certificação das filiações partidárias e monitoramento dos mecanismos de democracia interna em troca do acesso ao financiamento público) não parece ser suficiente para atingir o objetivo declarado. As perguntas referentes à proteção ambiental (controle do impacto nas fontes de água e retribuição econômica para aqueles que protegem o ambiente) parecem ter sido concebidas mais do que nada para atrair adesões à mesma.
A formulação das reformas, destinadas a serem lidas por reduzidos grupos de peritos, recebeu um tratamento fraco apesar de ser suportada em 476 páginas de anexos. A consulta do Presidente Lasso visa resolver problemas centrais da democracia que exigiriam deliberações mais consistentes e modificações mais profundas, mas que é enfrentado com a consulta, instrumento de democracia direta, que em sua aplicação poderia ser contaminada por interesses políticos que não enfrentam razoavelmente seu grau de complexidade.
Resta esperar o pronunciamento do Tribunal Constitucional sobre o caminho adequado para processar as perguntas, mas que a nível de deterioração institucional no qual se encontra o país parece conduzir as forças para a necessidade de discutir um exame integral de todo o texto constitucional. Isto, obrigatoriamente, poderia significar a convocação de uma Assembleia Constituinte.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar
Autor
Sociólogo. Lecionou em diferentes universidades do Equador e é autor de vários livros. Doutor em Sociologia pela Università degli Studi di Trento (Itália). Especializado em análise política e institucional, sociologia da cultura e urbanismo.