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Fora das escolas: adolescentes venezuelanas em situação de risco

Na Venezuela, apenas 26,6% das mulheres usam contraceptivos devido à escassez, à baixa renda ou à falta de educação sexual

Em busca de uma conversa, um motorista de táxi que está me levando em uma viagem para uma cidade distante me conta sobre sua família: Tenho uma menina e um menino. Tive que tirá-la da escola porque não tinha dinheiro suficiente para pagar uniformes, livros, lanches, transporte… Pergunto a ele por que a tirou da escola e não o menino, pois não tirava boas notas? Ele responde: “Se você soubesse que ela é muito mais esforçada do que ele, mas ela já tem 13 anos, seus peitos estão aparecendo, então ela engravida e eu perco todo o dinheiro. Além disso, o menino é quem precisa trabalhar para sustentar sua futura família.

Esse pai espera que sua filha seja uma mãe adolescente porque ele a vê dessa forma, uma “menina com tetas”, como ele mesmo disse. É a cultura dele, parte do costume: as meninas crescem e engravidam, o homem é o protetor e provedor do lar. Esse estereótipo de gênero é perpetuado de geração em geração, limitando o progresso socioprodutivo das adolescentes e seu acesso igualitário a oportunidades e direitos.

Mas uma menina fora do circuito escolar que engravida enfrenta um risco extraordinário para sua própria saúde e para o resto de suas condições de vida, especialmente seu futuro educacional. De acordo com um estudo realizado pela CAF, a gravidez na adolescência e a maternidade são fatores exógenos para o abandono escolar, e outro estudo da OPS indica que a gravidez na adolescência é proporcionalmente maior quanto mais baixo for o nível de escolaridade das meninas envolvidas.

Trata-se de um problema urgente para que as adolescentes possam estudar, trabalhar e amadurecer o suficiente antes da maternidade. Mas também para suas famílias e para toda a comunidade, pois compromete a economia familiar e a mobilidade social: se elas forem pobres, essa maternidade aumenta a possibilidade de continuar ou piorar sua pobreza e, portanto, de que seus filhos também cresçam na pobreza.

O caso venezuelano: uma situação alarmante

A Venezuela tem o dobro da taxa média de maternidade adolescente da América Latina. De acordo com a Associação Venezuelana para uma Educação Sexual Alternativa (AVESA), a Venezuela tem a maior taxa de gravidez na adolescência da América do Sul, com 84,6 casos por 1.000 mulheres de 15 a 19 anos.

O contexto da maioria desses nascimentos é o de favelas urbanas com altos níveis de pobreza, falta de acesso a serviços sanitários e de higiene menstrual, falhas no fornecimento de água potável, juntamente com uma grave deterioração da renda familiar após anos de hiperinflação; além disso, a desintegração familiar – resultado do êxodo migratório que colocou milhares de crianças e adolescentes sob os cuidados de familiares indiretos e parentes próximos – entre muitos outros problemas.

A evasão escolar e as taxas de evasão merecem menção especial. Para além da COVID, o retorno às salas de aula tem sido apenas parcial na Venezuela, porque a situação das escolas e de seus equipamentos, a escassez de alimentos, os problemas de combustível – com suas implicações para o transporte público – e os salários dos professores (US$ 30 por mês no melhor dos casos) mantêm milhares de crianças e adolescentes fora da sala de aula.

De fato, a Pesquisa Nacional de Condições de Vida (ENCOVI) de 2023 relata que 40% dos alunos com idade entre 3 e 17 anos não frequentam as aulas regularmente. Os alunos ainda não adquirem os conhecimentos necessários para passar de série ou nível e a situação tornou-se cada vez mais crítica desde a implementação do horário em mosaico, que agora é usado em 80% das escolas do país. Nesse sistema, os professores lecionam entre um e três dias por semana, pois no restante do tempo eles se dedicam a outros trabalhos que lhes permitem ganhar dinheiro extra.

Superar um problema como a gravidez na adolescência nesse contexto significa trabalhar na construção de alternativas para evitar a evasão escolar, o que envolve reativar a disponibilidade de contraceptivos gratuitos para os jovens o mais rápido possível, juntamente com uma educação sexual integral. Na Venezuela, apenas 26,6% das mulheres usam contraceptivos devido à escassez, à baixa renda ou à falta de educação sexual.

Não é fácil reverter um problema como esse, porque nas muitas ocasiões em que a gravidez pode esconder uma agressão sexual anterior, há uma dupla vitimização da adolescente e também da mãe, que é responsabilizada pela prevenção, quando poderia ser a chefe da família sem ter condições de garantir essa proteção.

Vale a pena tentar aprender com outras experiências, como, por exemplo, os ambulatórios com serviços amigáveis na Colômbia, uma iniciativa para mudar os protocolos de atendimento e voltá-los para a geração de confiança em relação aos adolescentes e suas famílias, ou o fornecimento massivo de contraceptivos em bairros pobres nos EUA. O papel do Estado é fundamental nessa matéria, mas também o envolvimento das empresas, da igreja, das famílias e da sociedade civil.

Imagino que muitas famílias na Venezuela devem estar tomando decisões semelhantes às do meu motorista de táxi. Esperemos que talentos e esforços como o da adolescente dessa família não se percam devido a preconceitos e estereótipos machistas e que, como sociedade, não nos contentemos com papéis atribuídos pelo sexo em meio a condições sociais tão precárias.

Para tanto, é urgente superar as múltiplas barreiras machistas e patriarcais que consideram o acesso sexual como um assunto privado das famílias. É necessário proteger mais as meninas e adolescentes, insistir em sua escolarização, proteger sua segurança dentro e fora de casa e apoiar seus direitos sexuais e reprodutivos com mais insumos, melhor atendimento ambulatorial, melhor comunicação pública, menos estigmatização e mais combate à violência.

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Psicóloga. Mestre em Políticas Públicas com enfoque de gênero. Especialista em Transformação Cultural e Coaching Ontológico. Diretora do FeminismoINC. Autora de “Inconveniente para Transformar” e “Atrevidas: Um manual de trabalho pessoal para o ativismo feminista”.

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