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Messianismo eleitoral: religião e política

A religião tornou-se um instrumento para reconquistar a fé dos eleitores, fundindo-se com o populismo para santificar a política e transformar a relação entre cidadãos e líderes.

Durante a segunda década do século XXI vimos a ascensão do populismo em vários países. Diferente dos perfis tradicionais de mão dura, que lutam pelo livre mercado e pela família, os personagens atuais somaram uma nova variável: a religião. Desde a origem dos estados-nação, a fé está presente, mas agora ela imita a política, e é por isso que cunhei o termo messianismo eleitoral

Ao longo da história, a religião foi a pedra angular dos sistemas monárquicos, inclusive em grandes tratados como o Leviatã de Hobbes, o Segundo Tratado sobre o Governo Civil de Locke, os Seis Livros da República de Jean Bodin, a Suma Teológica de São Tomás de Aquino e a Cidade de Deus de Santo Agostinho. O que esses textos têm em comum é que conceberem o mandato divino como a fonte do poder político.

Agora, no título deste artigo, aparece a palavra messianismo, que tem uma carga ligada à salvação, à redenção e ao renascimento de um ser ou nação. Também está relacionada a uma cosmovisão em que uma pessoa muda o rumo de uma sociedade através do cumprimento de uma missão divina. Em termos dogmáticos, independente da religião, um Deus ou entidade suprema vem à Terra para limpar os pecados das pessoas.

Em alguns casos, a adjetivação de certas lideranças com essa palavra implica uma carga pejorativa; no entanto, para os fins do texto, o conceito se refere a políticos que usam a religião como estratégia para consolidar seus projetos políticos. Da mesma forma, esses personagens listam uma série de soluções para problemas como pobreza, insegurança, violência, crise econômica e democrática, mas nunca mencionam as políticas públicas, os recursos e a estratégia a seguir.

Esses líderes apelam ao mimetismo entre eles e o que chamam de “o povo”, que pode ser entendido como uma massa ou setor da população que os apoia e respalda em suas propostas. Na ciência política, falar de povo é entendido como um conceito vazio, como diria Jacques Rancière, em que ninguém pode explicar suas características. No entanto, concluiu-se que essa palavra pretende homogeneizar e apagar as diferenças de cidadania.

Ora, povo e religião têm uma relação simbiótica, pois as escrituras religiosas falam do povo de Deus, da opressão do povo santo ou da libertação do rebanho sagrado (sinônimo de povo). Nesses tempos, os líderes carismáticos construíram uma cosmogonia religiosa como um Jesus revolucionário e rebelde, de acordo com Hugo Chávez e Nicolás Maduro na Venezuela, que consideram esse personagem um lutador de esquerda.

Outro exemplo pode ser encontrado no México com Andrés Manuel López Obrador, que deu conotações religiosas ao seu partido, Morena, que foi fundado em 12 de dezembro de 2014, o dia da Virgem de Guadalupe. Da mesma forma, em seus discursos, fez uso de elementos religiosos, como o Sagrado Coração de Jesus, para enfrentar a pandemia de covid-19; também mencionou que é melhor ter um par de sapatos em vez de vários, já que se peca por soberba e é melhor viver na pobreza de forma digna.

Há outros exemplos, como o lema “Deus, pátria e família” de Jair Bolsonaro no Brasil para atrair o voto evangélico, apelando à família tradicional e ao nacionalismo brasileiro. Após sua derrota nas urnas em 2022, seus apoiadores oraram perto de quartéis militares e pediram a Deus um golpe de Estado para evitar a ascensão de Lula da Silva. 

Por outro lado, nos Estados Unidos, Donald Trump implementou ritos religiosos ao terminar seus comícios para atrair o voto evangélico. O trumpismo conseguiu transformar a paixão política em devoção à sua personalidade; seus apoiadores acreditam fervorosamente que o ex-presidente tem uma missão, que é tornar os Estados Unidos grande novamente.

Ao revisar outros populistas fora do continente americano, encontramos, por exemplo, Narendra Modi na Índia, que busca consolidar um modelo de democracia hindu, dando prioridade às pessoas  dessa religião e deixando de lado outras religiões. Na Turquia, o projeto de Recep Tayyip Erdogan é abolir o Estado laico para erguer uma democracia islâmica que sustente suas práticas autoritárias.

Para entender esse novo fenômeno, é necessário observar a crise da democracia que foi estudada por cientistas políticos como Adam Przeworski, John Keane, Pippa Norris e Arent Liphart. Esses autores analisaram a insatisfação com o pluralismo, o diálogo e a política tradicional: o mal-estar se generalizou a ponto de os cidadãos não confiarem mais nos políticos ou partidos tradicionais. Esse é o ponto crucial do motivo pelo qual a fé se tornou um motor de campanhas e candidatos outsiders ou autoritários.

As religiões se tornaram uma ferramenta para que os eleitores voltem a acreditar nos candidatos. Ao longo do século XX, a presença de um líder carismático, como diria Max Weber, bastou para seduzir as massas em várias partes do mundo. Agora, no entanto, o populismo se misturou à religião para sacralizar a política e transitar de um modelo de confiança e vigilância no qual os políticos são responsabilizados para um modelo no qual os cidadãos se tornam crentes em um personagem.

Precisamos repensar a erosão democrática e o desgaste do modelo de prestação de contas, que está sendo substituído por dogmas. Um dos problemas que concebo é que os novos autoritarismos usam a religião como base de seu poder e, assim, tentam dotar os políticos de misticismo, de modo que a base social se torne crente. 

A política não é uma questão de fé; é para isso que servem as igrejas ou os templos, não os políticos. Entretanto, quando o dogma prevalece sobre a razão, a política e a cidadania perdem terreno e as sementes do fanatismo são plantadas. Um país fanático por uma pessoa ou líder abre a porta para a violência e a censura com base no fato de que apenas um ponto de vista é permitido.

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Cientista político. Formado na Universidade Nacional Autônoma de México (UNAM). Diploma em Jornalismo pela Escola de Jornalismo Carlos Septién.

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