Um aspecto pouco examinado no debate sobre a nova Constituição proposta no Chile é a tensão entre duas metáforas opostas na vida política. O linguista George Lakoff argumenta que boa parte da política gira em torno de, não uma troca racional de ideias, mas sim de conflitos entre valores morais-éticos distintos de como constituir a família.
Por um lado, boa parte da filosofia conservadora pode ser resumida pela metáfora do pai rigoroso. A partir desta perspectiva, um bom pai impõe sua autoridade a fim de incutir disciplina pessoal em seus filhos. Suas recompensas e punições impõem limites e geram respeito pela autoridade em primeira instância, mas eventualmente também pelo próximo. Um bom Estado faz o mesmo, punindo as transgressões e recompensando a autodisciplina de seus cidadãos, por exemplo, através de um forte grau de autonomia nas esferas pessoal e econômica.
Por outro lado, boa parte da perspectiva progressista liberal pode ser resumida através da metáfora de uma mãe amorosa. A frase de Lakoff em inglês é nurturing parent, que não tem gênero ou tradução precisa para o português (um idioma que, por sua vez, força a distinção de gênero), mas que fica claro o sentido feminino de proteção, em contrapeso ao masculino de disciplina. Nesta perspectiva, tanto na família quanto na vida política, os valores fundamentais são empatia, justiça e proteção, muito mais do que disciplina ou o castigo.
Estas metáforas de diferentes tipos de família se contrapõem na vida política. Para o pai rigoroso que procura criar indivíduos responsáveis com um alto grau de autonomia, é imoral recompensá-los por algo que não mereceram através de seu próprio esforço, ou tirar-lhes algo que ganharam por seu próprio esforço. Para a mãe carinhosa, é importante que tanto os filhos como os cidadãos se tratem de maneira justa, o que muitas vezes requer a correção de injustiças e discriminações históricas entre classes, sexos, minorias ou outros grupos. Permitir a continuação da discriminação ou o sofrimento é imoral.
Compreendendo estas metáforas, resta alguma dúvida sobre o que está em jogo no Chile? A Constituição de 1980, mesmo com todas as suas modificações, é uma representação fiel do pai rigoroso, cuja expressão máxima é a figura de Pinochet. A nova Constituição proposta pela Convenção Constitucional exemplifica os valores da mãe carinhosa. O próprio desenho da Convenção (com paridade de gênero e assentos reservados aos povos indígenas) procura corrigir injustiças históricas, metas que são incorporadas no texto da proposta constitucional. É impressionante que todos os ex-presidentes que criticaram o novo texto sejam homens, enquanto que a ex-presidente que declarou fortemente seu apoio à nova Constituição seja uma mulher.
As declarações recentes de Michelle Bachelet também chamam atenção por enfatizar uma dimensão chave da política: a emocional. Boa parte do debate até agora se concentrou nos méritos do texto do ponto de vista racional, referindo-se a seus diferentes artigos, para defendê-los ou criticá-los, dependendo do ponto de vista.
Mas o lado Apruebo faria bem em seguir o caminho traçado pela ex-presidente Bachelet em sua referência à canção de Pablo Milanés, de que a proposta constitucional “Não é perfeita, mas chega perto / Ao que eu simplesmente sonhei”. Uma alusão poética simples, poderosa e profundamente emocional. E em sua carta de 23 de julho, Bachelet faz alusões semelhantes, escrevendo: “Como mulher vejo … que décadas de injustiça podem ser deixadas no passado”, e que o Chile é um país unido que “chama a ser protegido por uma mesma solidariedade”.
Também ajudaria o Abruebo a entender que, embora seja legítimo e necessário criticar o longo legado histórico de Pinochet, algo que a nova Constituição procura finalmente enterrar, a metáfora do pai rígido não só permanece válida com fortes raízes, mas tem um aspecto válido em termos de instilar responsabilidade pessoal. Lakoff também argumenta que o conservadorismo compreende melhor a dimensão emocional da política do que o progressismo, que muitas vezes cai em intermináveis debates a partir do racional.
As declarações de Michelle Bachelet não são apenas uma crítica ao Rechazo, mas também um chamado de atenção ao Apruebo; para melhor enfatizar a dimensão emocional, além das discussões racionais ancoradas nas leituras do texto que caracterizaram boa parte da campanha até o momento. Embora a ex-presidente não tenha colocado dessa forma, isso implica não apenas aludir aos anseios e esperanças de deixar para trás as injustiças do passado, mas também compreender melhor e validar o medo de mudanças possivelmente profundas.
Por sua vez, o lado Rechazo faria bem em ser mais transparente sobre seus próprios medos, uma motivação emocional chave em boa parte de sua campanha. Esse medo às vezes é expresso como raiva, ou mesmo ódio, mas nomear as emoções ajuda a domá-las. Também ajudaria a entender melhor que os anseios de justiça para corrigir a discriminação histórica de longa data no Chile não são irresponsabilidades “octubristas” que buscam recompensar a quem não merecem, mas sim que estão enraizados em fundamentos éticos igualmente profundos, legítimos e válidos. Com todas as suas imperfeições, como reconhece Michelle Bachelet, a proposta constitucional se aproxima dos sonhos de boa parte do país.
A vida política, como a vida familiar, não é fácil. O conflito entre diferentes perspectivas é frequentemente agudo. Mas os pais e as mães também podem se reconciliar. Fazer isso não significa necessariamente retornar aos papéis masculinos e femininos de uma família tradicional. Uma metáfora é simplesmente isso, uma ideologia que pode ser traduzida de diferentes maneiras na prática. Tanto homens quanto mulheres têm cabeça e coração. Os homens foram grandes lutadores contra a injustiça e as mulheres, defensoras da disciplina e da responsabilidade pessoal.
Para a reconciliação, é necessário entender não apenas o que está por trás das posições do outro lado, seus valores éticos e morais, mas também o que Michelle Bachelet aponta e o que figuras como George Lakoff argumentam: que a política se baseia tanto no emocional quanto no racional.
*Tradução do espanhol por Giulia Gaspar.
Autor
Professor Associado de Ciência Política na Universidade de Calgary (Canadá). Doutor em Ciência Política pelo Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT). Especializado em política comparada.