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México: uma democracia sem millennials?

Em 26 de fevereiro, ocorreu uma massiva manifestação no Zócalo da Cidade do México a favor da democracia e em defesa da autonomia do Instituto Nacional Eleitoral (INE). Estive presente naquela manhã e posso assegurar que a multidão que se aglomerou era altamente heterogênea. Há, no entanto, uma característica a se destacar entre os manifestantes: a média de idade era de cerca de quarenta anos. 

Algum analista experiente salientou que isso se devia ao fato de que as gerações com mais de quarenta anos, são as últimas que realmente experimentamos em primeira mão o autoritarismo do Partido Revolucionário Institucional (PRI). Vale recordar que o PRI governou o México ininterruptamente entre 1929 e 2000, o mais longo período ininterrupto de governo por um único partido no mundo: 71 anos. Em contraste, as gerações mais jovens, que nasceram no final dos anos 90 não conheceram o autoritarismo do PRI e, talvez por esta razão, este analista sugere que não dimensionam os riscos envolvidos na atual regressão democrática no país.

Esta hipótese, entretanto, choca com os dados de uma pesquisa realizada pelo RIWI Corp. (Real-Time Interactive World-Wide Intelligence) antes das eleições presidenciais de 2018. Esta pesquisa mostra que o compromisso político dos jovens millennials mexicanos na época era excepcionalmente alto: nove em cada dez jovens pensavam que valia a pena votar. 

De acordo com o RIWI, dados comparáveis para os jovens do Japão, Reino Unido ou França mostram níveis mais baixos de compromisso e foram estimados em sete de cada dez pessoas. E de fato, os millennials mexicanos participaram ativamente naquela ocasião e foram cruciais para a vitória esmagadora do atual presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO).

A primeira pergunta então é: qual é o nível real de compromisso democrático dos millennials mexicanos em 2023? Como explicar a aparente contradição entre os dados qualitativos que recolhi na marcha e os dados quantitativos do RIWI publicados em 2018? Na ausência de dados recentes, cabem algumas conjecturas.

A primeira e já mencionada é que a defesa da democracia seria realmente importante apenas para aqueles de nós que vivemos o apogeu do PRI, enquanto que os jovens a achariam uma questão secundária. Não quero dizer com isto que eles não estejam interessados, mas que eles têm outras prioridades. A recente e massiva marcha de 8M, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, que ocorreu na Cidade do México, deixa claro que a justiça para as vítimas de delitos de gênero e a igualdade substantiva entre homens e mulheres são aspectos que os jovens estão exigindo que sejam priorizados na agenda pública. Deste ponto de vista, o compromisso dos jovens seria alto, mas orientado para seus interesses, o que, além disso, me parece normal e desejável: cada geração encontra suas próprias motivações para a ação coletiva.

Uma segunda conjectura que me ocorre para explicar a ausência massiva de jovens na marcha de 26 de fevereiro é que eles ainda têm simpatia pelo AMLO, de forma tal que, em consonância com a reação do partido no poder, teriam considerado a marcha como um ato anti-governista, e não como um para defender a democracia. Se assim fosse, o que não sei ao certo, os jovens não estariam de todo equivocados: a manifestação também pode ser lida como uma censura ao governo e suas políticas. É simplesmente uma possibilidade entre outras. Certamente, em 2018 vimos que as gerações mais jovens – nascidas após a transição democrática e sem nenhuma recordação do PRI hegemônico – se mostraram particularmente insatisfeitas com o status quo e se tornaram menos tolerantes e mais beligerantes, assim como o próprio AMLO.

Minha terceira conjectura é como diria Neruda: “Nós, os da época, já não somos mais os mesmos”. De fato, uma regra de ouro quanto ao levantamento de dados é que a opinião pública pode mudar de um dia para o outro. No mundo acelerado em que vivemos, o que aconteceu há cinco anos atrás é história antiga. E não vamos ignorar o fato de que os seres humanos são inconstantes e esquecidos. Neste sentido, é cabível a possibilidade de que os jovens millennials mexicanos de hoje tenham perdido a faísca que os motivou em 2018. Algo, aliás, que é inteiramente compreensível: neste 2023 os ventos sopram de forma muito diferente de quando AMLO foi capaz de inspirar amplas faixas da população com seu populismo. Hoje o que está no ar é o desgaste e o aborrecimento, emoções que não podem entusiasmar os jovens ou qualquer outra pessoa.

Finalmente, uma quarta conjectura que me ocorre é que os jovens estão levando seu protesto para o mundo digital, onde talvez encontrem maior ressonância para suas mensagens entre seus contemporâneos. Não esqueçamos que muitos millennials nasceram quando o Google era uma realidade, e que eles passam muitas horas on-line, usando todos os tipos de plataformas para interagir: Instagram, Snapchat, TikTok, etc. Estas gerações cresceram em um mundo muito diferente daquele dos anos 80 e 90, no qual cresceu a Geração X (cujos membros, aliás, também eram caracterizados na época como politicamente descontentes).

A questão permanece em aberto: qual é o nível real de compromisso democrático dos millennials mexicanos em 2023? Somente eles serão capazes de responder. O que é certo é que sua participação (ou falta dela) na defesa das instituições democráticas e nas eleições presidenciais de 2024 será determinante para a vida do país. Como disse o professor Alfredo Gutierrez Gómez da Universidade Iberoamericana da Cidade do México: “Quando os jovens e as mulheres saem para votar, perde o governo”. Veremos.

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Cientista político e economista. Doutor pela Universidade de Toronto. Editor sênior da Global Brief Magazine. Especialista em Desenho de Pesquisa Social na RIWI Corp. (Real-Time Interactive World-Wide Intelligence).

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