2021 está sendo um ano cheio de desafios para a América Latina e o Caribe, mas começou com boas notícias: a ratificação do Acordo de Escazú. Este é o primeiro grande pacto ambiental da região e abre uma nova fase, pois procura garantir os direitos de todas as pessoas a um ambiente saudável e a um desenvolvimento sustentável. Ademais, procura facilitar o acesso à informação pública e promove a participação dos cidadãos nas políticas ambientais da região.
Este histórico Acordo Regional tem suas origens na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e está fundamentado no Princípio 10 da Declaração do Rio de 1992 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Além dos representantes de governos e organizações internacionais, a participação de movimentos sociais, acadêmicos, especialistas e da sociedade civil em geral também foi significativa em sua construção e negociação.
O “Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental na América Latina e no Caribe”, mais conhecido como Acordo de Escazú, foi assinado em Escazú, cidade da Costa Rica, em 4 de março de 2018. O tratado foi promovido pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e assinado por 22 países, após alcançar um acordo regional nas negociações presididas pelo Chile e Costa Rica, que também contou com a participação de Argentina, México, Peru, São Vicente e Granadinas, e Trinidad e Tobago.
Um instrumento jurídico pioneiro de proteção ambiental
O Acordo de Escazú é, em primeiro lugar, um instrumento jurídico pioneiro em matéria de proteção ambiental. Em segundo lugar, é um tratado de direitos humanos que, segundo a CEPAL, tem como propósito “garantir a implementação plena e efetiva na América Latina e no Caribe dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos decisórios ambientais e acesso à justiça em assuntos ambientais”.
Estes elementos constituem a base da democracia ambiental e se convertem em realidade quando as decisões políticas sobre a gestão ambiental estão em harmonia com os interesses dos cidadãos.
O acordo também se opõe a todas as formas de desigualdade e discriminação. Por isso, busca assegurar a criação e o fortalecimento das capacidades e da cooperação para contribuir à proteção do direito de cada pessoa e das gerações presentes e futuras de viver em um ambiente saudável e ao desenvolvimento sustentável.
Para entrar em vigor, o acordo requer a ratificação de pelo menos 11 Estados. Até o ano passado havia sido ratificado por Antígua e Barbuda, Bolívia, Equador, Guiana, Nicarágua, Panamá, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Granadinas, Santa Lúcia e Uruguai. Mas com a ratificação de México e Argentina, e o depósito – entrega do documento de ratificação – deste instrumento na ONU em 22 de janeiro, o número necessário de ratificações foi alcançado. Assim, o Acordo de Escazú entrará em vigor em 22 de abril de 2021, Dia Internacional da Mãe Terra.
Conflitos socioambientais
Os numerosos conflitos socioambientais e o elevado número de assassinatos de líderes ambientais como Berta Cáceres ou Samir Flores levaram a Global Witness (2020) a considerar a América Latina e o Caribe como a região mais perigosa do mundo para ser defensor dos direitos humanos, da terra ou ativista ambiental. Portanto, o acordo é, sem dúvida, um avanço e uma resposta chave a uma das principais dívidas regionais.
A nível histórico, estamos diante do primeiro acordo internacional que inclui disposições sobre as pessoas defensoras dos direitos humanos em assuntos ambientais. Seu artigo 9 destaca que “Cada Parte garantirá um entorno seguro e propício no qual indivíduos, grupos e organizações que promovem e defendem os direitos humanos em assuntos ambientais possam atuar livres de ameaças, restrições e insegurança”.
Por todas estas razões, o Acordo Escazú constitui um acordo sem precedentes que demonstra o valor da cooperação e do multilateralismo. Se trata não só do primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, mas também do único acordo vinculante adotado até hoje como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
O acordo também coloca a América Latina e o Caribe na vanguarda de uma transformação ambiental que prioriza os direitos das pessoas, com uma perspectiva de gênero. Também conta com um enfoque que considera as necessidades das pessoas e grupos mais vulneráveis à degradação ambiental e os efeitos das mudanças climáticas.
De fato, a centralidade deste acordo é que os direitos que ele garante também se aplicam às decisões e políticas relativas às mudanças climáticas. Desta forma, ele serve como uma estrutura para a implementação regional adequada do Acordo de Paris (2015) e para a construção de políticas climáticas eficazes.
A construção da democracia ambiental
Na construção da democracia ambiental na América Latina e no Caribe, o Acordo de Escazú representa um passo fundamental. Ele também constitui uma das bases essenciais para a cooperação internacional e o multilateralismo em relação ao desenvolvimento sustentável, ao meio ambiente e às mudanças climáticas.
Num momento em que é necessário pensar na recuperação regional após a pandemia da Covid-19, o acordo nos lembra que não podemos mais falar sobre a economia e a promoção do desenvolvimento sem levar em conta os efeitos sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas. A partir deste marco, a região pode e deve optar por uma recuperação verde e sustentável que considere não apenas os direitos das gerações atuais, mas também de seus futuros habitantes.
Em suma, o acordo reivindica a urgência de pensar sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas, bem como na construção de uma verdadeira democracia ambiental. Reconhece o direito fundamental a um ambiente saudável, enquanto dá voz às mulheres, povos indígenas, jovens, pessoas com deficiência e comunidades vulneráveis para que lutem por seus direitos e tenham garantias de proteção neste processo.
Desta forma, o acordo marca um ponto de inflexão na agenda ambiental regional e tem um enorme potencial no processo de construção de sociedades mais justas, equitativas e sustentáveis. Tendo em conta os numerosos obstáculos e desafios que enfrentará após sua entrada em vigor, nossa tarefa como cidadãos será trabalhar para garantir que este instrumento não só seja ratificado por todos os países, mas também para que se torne uma realidade.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
Foto de Cancillería Argentina em Foter.com / CC BY
Autor
Cientista política. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UNIRIO. Doutora em Ciência Política pela Universidade Complutense de Madri.