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O Desmonte da Política Ambiental no Governo Bolsonaro

No dia 9 de agosto, o Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou um contundente relatório com atualizações sobre a emergência climática global. Nas mais de 3.500 páginas, estudos conduzidos por cientistas de mais de 60 países são taxativos: a humanidade já adentrou em um estágio de irreversibilidade dos efeitos da mudança do clima.

Entre os pontos destacados pelo relatório, estão evidências irrefutáveis de que a principal responsabilidade por essa situação recai sobre as emissões antrópicas de gases de efeitos estufa. Esse cenário não é ignorado pelos maiores emissores históricos, a exemplo dos países europeus, que adotaram compromissos e incentivos para a recuperação econômica verde por meio do European Green Deal, dos Estados Unidos, após o hiato de isolamento sob Trump, e da China, que incluiu danos ambientais como indicador de risco para investimentos e garantiu a neutralidade de emissões até 2060.

Há, entretanto, um país que está na contramão da tendência mundial: o Brasil de Jair Bolsonaro. Desde que assumiu a presidência, em janeiro de 2019, Bolsonaro adotou diversas políticas que levaram o Brasil de ator central no regime internacional de mudanças climáticas à pária. Bolsonaro recuou da promessa de campanha de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, mas não sem antes esvaziar o órgão de diversas competências e nomear Ricardo Salles para o comando da pasta. Como ilustração, para Salles o foco na pandemia era uma oportunidade para “passar a boiada” e garantir a flexibilização das políticas ambientais.

Outro Ministro, o chanceler Ernesto Araújo, criticou abertamente o Acordo de Paris, afirmando que políticas climáticas são dogmas marxistas, um exemplo do discurso negacionista e anti-ciência propagado pela base de apoio bolsonarista. A substituição de ambos por pares de discurso mais moderado ainda não foi suficiente para reverter a imagem negativa que recai sobre o Brasil.

No centro das críticas está a Amazônia. Pelo processo biológico da fotossíntese, zonas de floresta funcionam como mecanismos centrais para a absorção de carbono. Com isso, desmatamento e queimadas provocam emissões diretas, por meio dos gases liberados pela queima, mas também indiretas, devido ao desequilíbrio do regime de chuvas e dos índices de umidade. Com menos árvores, há uma redução territorial de vetores que absorveriam carbono e limitariam os gases de efeito estufa.

Em 2019, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou dados que apontavam o aumento de 88% de aumento de desmatamento ilegal na área de floresta, em comparação a 2018. A reação de Bolsonaro foi questionar a veracidade dos dados e exonerar o então diretor do órgão, Ricardo Galvão. A medida veio acompanhada do corte de orçamento, esvaziamento e aparelhamento de instituições centrais para o monitoramento e a implementação de políticas públicas na região, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

O desmonte não passou incólume: países europeus interromperam o financiamento ao Fundo Amazônia, o assunto tornou-se um entrave para a aprovação do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, e diversas empresas anunciaram a interrupção da importação de produtos originários do Brasil.  

Pressionado, Jair Bolsonaro adotou a estratégia de cobrar dos países desenvolvidos o apoio financeiro para garantir a preservação ambiental no país. O pedido foi feito publicamente durante a Cúpula de Líderes convocada por Biden, em abril de 2021.

No centro desse argumento, estão duas narrativas principais, que interessam particularmente à base de apoio do presidente: a primeira é que a preocupação ambiental dos demais países esconde, na verdade, um protecionismo contra os competitivos produtos agrícolas brasileiros. A segunda é uma distorção do histórico princípio de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, por meio do qual os países desenvolvidos deveriam arcar com os custos das políticas ambientais, dando aos países em desenvolvimento mais margem para impulsionar seu próprio crescimento.

Ambas narrativas não se sustentam quando confrontadas com o “estado da arte”: para pedir ajuda, o Brasil deveria estar, no mínimo, fazendo o dever de casa. Nesse sentido, a postura de Bolsonaro na Cúpula chocou líderes e especialistas por dois motivos principais: em primeiro lugar, a preservação do meio ambiente é resguardada e garantida não só pelos acordos internacionais dos quais o Brasil faz parte, mas também pela Constituição Federal. Na prática, Bolsonaro pediu dinheiro para algo que é obrigação legal e para o qual já deveria haver previsão orçamentária de curto, médio e longo prazo.

Em segundo lugar, o pedido inusitado veio acompanhado de medidas que vão em sua contramão: o compromisso questionável com o fim do desmatamento ilegal até 2030 sem nenhuma apresentação dos mecanismos para obter tal meta, e a revisão dos dados de base da Contribuição Nacionalmente Determinada do Brasil perante o Acordo de Paris, medida que, com efeito, aumentou a meta do volume de emissões do país.

Ainda em 2021, novos dados do Inpe complexificaram o cenário. Estudo conduzido pela pesquisadora Luciana Gatti aponta que a degradação das políticas ambientais no Brasil fez com que a Amazônia passasse a emitir mais carbono do que absorve. De acordo com a pesquisa, a área que requer maior atenção está no chamado “Arco do Desmatamento”, próximo à fronteira agrícola.

Essas informações nos ajudam a entender por que os cenários do recém-lançado relatório do IPCC são particularmente alarmantes para a região. São esperados, com alto nível de confiança, efeitos como o atraso dos ciclos de chuva, seca, desertificação e comprometimento de safras agrícolas. Na Amazônia, as projeções são de que a temperatura média aumente 2º C, acima do 1,5º que o Acordo de Paris estabelece como meta máxima desejável. Com isso, a tendência é que ao menos 150 dias por ano tenham temperatura acima de 35º C na região, contribuindo para o aumento a velocidade da propagação de queimadas.

No vazio deixado pelo Governo Federal, outros atores têm buscado ocupar o espaço. Um sólido exemplo é a iniciativa Governadores pelo Clima, que conta com a adesão de 25 estados brasileiros. Por meio de compromissos de implementação de políticas e de busca de neutralidade de carbono, Governadores estão articulando contatos diretos com líderes estrangeiros, além de estarem preparando comitivas próprias e independentes para participar da COP 26, em Glasgow.

O setor privado também já se posicionou, colocando as políticas de Environment, Social and Governance (ESG) no centro das estratégias corporativas, pautando o mercado pela adesão a mecanismos de neutralidade de carbono e a comercialização de títulos verdes. Grandes empresas do país também já se manifestaram contra a política ambiental do governo, que causa prejuízos econômicos devido aos boicotes e restrições de outros países aos produtos brasileiros. Em dois anos de governo, o verde da natureza não sensibilizou o governo. Talvez o verde do dinheiro o faça.  

Foto de Amazônia Real

Autor

Coordenadora adjunta do Observatório Político Sul-Americano (OPSA). Membro do Centro Brasil no Clima (CBC). Doutora em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).

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