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Brasil pode criar legado de agenda latino-americana no G20

Em um momento de renovada expectativa a respeito do papel do Brasil na política internacional, o país presidirá, em 2024, o grupo das 20 maiores economias do mundo – o G20. A presidência brasileira será um momento importante para que o país apresente as credenciais do novo governo em um fórum econômico de alto nível. Também pode ser uma oportunidade única para levar ao bloco uma agenda regional, que represente a América Latina.

Apesar de proporcionalmente subrepresentada, a região possui três países no G20: Argentina, Brasil e México. Historicamente, os três países não coordenaram posições políticas nem articularam uma identidade regional. A pergunta deve ser, portanto, quais os caminhos para que os três países aproveitem a janela de oportunidade da presidência brasileira e construam uma agenda latinoamericana para o grupo.

A intenção de ampliar a participação da região nos debates foi traduzida no convite que o Brasil fez a Paraguai e Uruguai para participar do G20 ano que vem. A inclusão dos convidados se relaciona com o interesse do governo Lula em ampliar a representação de países em desenvolvimento em fóruns internacionais e fortalecer o Mercosul. Paraguai e Uruguai assumem a presidência pro tempore do Mercosul em 2024 e, ao lado de Brasil e Argentina, garante-se que todos os membros ativos do Mercosul estejam presentes no G20 – pelo menos por um ano.

O momento para que o G20 possa abraçar uma agenda latinoamericana é promissor, mas não livre de dificuldades. A região foi uma das mais afetadas, econômica e socialmente, pela pandemia e pelos efeitos em cascata da guerra da Ucrânia, sofrendo acentuadamente com altos índices de inflação e dívida, e aumento de pobreza e insegurança alimentar.

Historicamente, há uma baixa coordenação efetiva entre Argentina, Brasil e México no G20. Os três possuem papéis e prioridades distintas nas relações internacionais, o que levanta dúvidas sobre se devem ser analisados enquanto um grupo simplesmente por serem latino-americanos e compartilharem similaridades em suas estratégias de desenvolvimento. Fora do G20, os três países construíram diferentes identidades políticas e econômicas. O México, por exemplo, possui vínculos sólidos com os Estados Unidos, sobretudo devido ao NAFTA, enquanto Brasil e Argentina passaram por projetos de diversificação de parcerias.

A trajetória de relacionamento entre eles mostra, entretanto, alguns caminhos possíveis. Entre 2008 e 2015, quando a região contou com diversos governos progressistas que enfatizavam a integração regional, houve lampejos de boas práticas. Brasil e Argentina atuaram no G20 como aliados estratégicos, antecipando prioridades, coordenando posições e se colocando como vozes latino-americanas. Essa ação não foi mera casualidade, mas sim reflexo de uma decisão política de posicionar a integração regional como um pilar de suas políticas externas. Os dois países, conjuntamente, defenderam a adoção de políticas anti-cíclicas para conter a crise de 2008, a reforma do FMI, a ênfase na evasão de divisas e na regulação de paraísos fiscais, a conclusão da Rodada Doha da OMC de acordo com seu mandato original de “rodada do desenvolvimento”, e a necessidade de garantir a sustentabilidade das dívidas soberanas.

Esse mecanismo de coordenação, no entanto, não incluía o México, uma consequência de sua decisão de se alinhar com os EUA em fóruns econômicos. Portanto, a articulação com o México era mais pontual e limitada a assuntos específicos de interesse mútuo. Apesar disso, os três participavam ativamente de fóruns de coordenação de países em desenvolvimento. A última presidência mexicana do G20 foi em 2012, e o país incorporou algumas prioridades comuns aos países em desenvolvimento: segurança alimentar,  volatilidade do preço das commodities, desenvolvimento sustentável, crescimento verde e mudança do clima.

A partir de 2016, no entanto, os governos conservadores e de orientação de direita engendraram um contexto regional de competição e fragmentação. Quando a Argentina assumiu a presidência do bloco, em 2018, o país estava em um momento de particular fraqueza de sua visão regional. Havia a expectativa de que houvesse uma plataforma comum. O contexto político não favoreceu. Por um lado, fóruns multilaterais passavam pelo constante ataque de Donald Trump. Por outro, questões internas dificultaram o engajamento dos três países latinos. O México tentou estimular debates sobre a questão migratória, a Argentina passava pela persistente crise econômica e política, e o Brasil, ainda sob o governo Temer, mas já tendo eleito Bolsonaro, enviava mensagens claras de que a região não era prioridade. Como pano de fundo, o espaço para debates sobre a América Latina era, constantemente, resumido à crise na Venezuela.

É o momento de nossos representantes estarem prontos para representar concretamente as necessidades e expectativas regionais na agenda do G20. A oportunidade internacional converge com realinhamentos domésticos no Brasil que dão destaque à agenda regional. Ao assumir a presidência da República em seu terceiro mandato, Lula apontou como prioridades de política externa a agenda global de erradicação da fome e combate à pobreza, a reconexão com os países da América Latina e a liderança no combate à mudança global do clima.

Junto aos países da Pan-Amazônia, o Brasil sedia a Cúpula de Belém, com o objetivo de promover maior integração regional na redução de desmatamento e promoção do desenvolvimento sustentável na região, fortalecendo a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA); na Convenção sobre Mudança do Clima, o país tem negociado em bloco com Argentina e Uruguai, isso para citar alguns exemplos. 

Há temas de interesse coletivo que nos unem, como os impactos das mudanças climáticas e as oportunidades de transição energética, a necessidade de defender a comercialização justa de matérias-primas, planejamento integrado em relação à extração de minerais estratégicos aqui presentes, a reforma do sistema financeiro internacional e a institucionalização de mecanismos de transferência de recursos e tecnologia para países do Sul Global. A presidência brasileira significa, portanto, uma inegável janela de oportunidade para unir todas essas prioridades, agendas caras à região.

No entanto, para alcançar esse resultado, é necessário dar um passo atrás. Argentina, Brasil e México precisam, antes de tudo, acordar e reconhecer a importância de avançar uma agenda compartilhada. Devem, ainda, definir prioridades e decidir, conjuntamente, sobre mecanismos e objetivos políticos. Caso percamos essa oportunidade, a América Latina volta ficará novamente a reboque de  decisões tomadas por outros, e seremos sempre um país e uma região “do futuro”, que nunca chega. Como diz a máxima, quem não se senta à mesa, está no menu.

Cintya Feitosa, assessora de relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade (iCS)

Autor

Coordinadora adjunta del Observatorio Político Sudamericano (OPSA). Miembro del Centro Brasil no Clima (CBC). Doctora en Ciencia Política por el Instituto de Estudios Sociales y Políticos de la Universidad del Estado de Rio de Janreiro (IESP/UERJ)

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