O matrimônio igualitário na América Latina, que é reconhecido a nível nacional em apenas sete países, surge legalmente do estigma da homossexualidade. Embora as leis aprovadas nesses países reconheçam o aspecto sexo-afetivo entre pessoas do mesmo sexo, as excluem de direitos que os cônjuges heterossexuais gozam, como o direito à adoção, pensão em caso de falecimento de uma das pessoas, seguro de vida, herança ou serviços de saúde, entre outros direitos que o casamento heterossexual inclui per se. Para alcançar estes direitos, os casamentos entre pessoas do mesmo sexo devem passar por procedimentos tortuosos que só servem para lembrá-los, a partir da racionalidade do Estado, de sua condição “anormal”. Neste contexto, o matrimônio igualitário no Chile estabelece um modelo que deveria ser adotado pelo resto dos países da região.
A figura legal do casamento igualitário a nível nacional é reconhecida em Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador e Uruguai. O primeiro país a reconhecê-lo foi a Argentina em 2010, onde foi aprovado pelo legislativo, enquanto o Uruguai, embora aprovado em 2013 por mandato do Executivo, foi o primeiro país da região a aprovar a união civil através do Legislativo em 2008.
Assim como a Argentina, a Colômbia reconheceu o casamento igualitário em 2016 e a Costa Rica em 2020 sem ter a aprovação prévia da união civil ou estável como aconteceu nos outros países. Similar ao Uruguai, Brasil, Chile e Equador primeiro reconheceram as uniões civis ou estáveis e posteriormente reconheceram o casamento igualitário. Bolívia é a única nação que, desde 2017, continua reconhecendo somente as uniões civis.
Os conceitos legais de união civil ou união estável e casamento igualitário não só possuem estatutos legais diferentes nos vários países onde foram aprovados, mas também passam pela peneira da moral da sociedade.
A união civil, a união estável ou o contrato de convivência são contratos nos quais duas pessoas maiores de idade e com plena capacidade jurídica, do mesmo ou de sexo diferente, estabelecem um domicílio compartilhado para formar uma vida em comum e apoiar-se mutuamente sem chegar a se casar. Essas uniões, embora garantam de certa forma a união legal de homens homossexuais e mulheres lésbicas na prática, a estrutura gramatical dessa união torna invisibiliza suas relações sexo-afetivas e a capacidade do Estado de reconhecer esses afetos não heterossexuais que também dão origem a uma família.
As uniões civis, portanto, resguardam legalmente as formas tradicionais da família monogâmica e heterossexual. Assim, são reconhecidas as uniões entre pessoas do mesmo sexo, que podem ou não ter um vínculo amoroso e não dão origem à paternidade e, desta forma, o Estado não se expõe ou perturba as estruturas de certeza na sociedade.
Por outro lado, a figura jurídica do casamento igualitário reconhece a união conjugal de pessoas do mesmo sexo para formar uma família. Ou seja, um matrimonio igualitário reconhece legalmente as relações sexo-afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Mas seguindo esta mesma lógica de controlar os pânicos morais e assegurar o marco legal heterossexual, o casamento igualitário foi reconhecido, mas com limitações estritas em comparação com os direitos ligados ao casamento heterossexual.
Assim, o estado heterossexual subtilmente patologiza, a partir dos marcos jurídicos, todas as pessoas que não cumprem com a orientação sexual hegemônica e intervêm nas concepções de amor e desejo.
O novo caso chileno
O casamento igualitário aprovado em 2021 no Chile pelo Legislativo é um divisor de águas na maneira como este direito foi reconhecido. O casamento entre pessoas do mesmo sexo neste país outorga aos casais todos os deveres e direitos que os casamentos heterossexuais têm atualmente.
Além de colocar o casamento igualitário no mesmo status legal e legítimo do casamento heterossexual, reconhece as complexas particularidades que o matrimônio igualitário atravessa, que não só estão subordinadas à orientação sexual, mas também às identidades de gênero dissidentes, além de transcender a racionalidade legal e instaurar-se afetivamente.
Desta forma, em matéria de homoparentalidade, garante-se a não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Além disso, para fins de custódia de filhos, filiação e adoção, isto é reconhecido, quer os casais sejam casados ou não e quer tenham ou não tido seus filhos através de fertilização assistida. A maternidade das mulheres trans e a paternidade dos homens trans também são reconhecidas nas certidões de nascimento de seus filhos. A legislação determina que a ordem dos sobrenomes dos casais do mesmo sexo será definida pelos progenitores.
Por outro lado, a lei regula os bens dos casais, garante pensões para pessoas viúvas, autorizações de trabalho em caso de nascimento de filhos e abonos familiares. Ela também amplia o conceito de irmãos e irmãs para, assim, eliminar conceitos como irmãos maternos e paternos. A legislação também reconhece os casamentos igualitários contraídos no exterior.
Outro ponto que favorece as pessoas trans no Chile é que, com a aprovação desta lei, são revogados os artigos da Lei de Identidade de Gênero que estabeleciam que para mudar o nome e o sexo de uma pessoa que já era casada, esta teria a obrigação de se divorciar.
Em conclusão, o reconhecimento dos direitos, na maioria dos países da região e do mundo, se estrutura a partir de marcos de compreensão heterossexuais, e quando a norma não é cumprida, procedimentos dispendiosos devem ser realizados, não apenas em termos de tempo e dinheiro, mas também em desgaste emocional que reafirmam o desacato moral, legal e religioso de lésbicas e homossexuais.
O número de países que reconhecem a nível nacional a união legal das pessoas do mesmo sexo é mínimo e ainda com inúmeras deficiências que derivam da maneira como as iniciativas legais são constituídas. Isto depende da instância na qual é apresentado o reconhecimento deste direito e se ele é garantido por marcos legais internacionais.
Por isso, o matrimônio igualitário no Chile estabelece um modelo que deve ser adotado pelo resto dos países da região, dada a robustez e complexidade com que foi elaborada a iniciativa da lei que foi aprovada no Congresso, produto dos trabalhos conjuntos com coletivos e organizações LGBT+.
Autor
Professora e pesquisadora do Departamento de Estudos Políticos e Governamentais da Universidade de Guanajuato (México). Membro do Sistema Nacional de Pesquisadores do México. Especialista no status de cidadania de pessoas LGBT+.