Após a vitória nas primárias do economista ultraliberal Javier Milei, que lidera o partido La Libertad Avanza, a Argentina se tornou o novo foco de debate sobre as mudanças políticas experimentais na América Latina. De fato, os centros acadêmicos e jornalísticos argentinos multiplicaram suas atividades em torno do estudo da nova extrema direita no mundo. Sobretudo, diante da perspectiva do modelo mais favorável para esse tipo de força política na Argentina, que não se limita ao surgimento de uma força de pressão complementar, como o Vox na Espanha, mas de um partido que hegemonize as forças conservadoras do país. Esse temor foi provocado pelo fato de La Libertad Avanza ter obtido 30% dos votos, superando a aliança conservadora Juntos por el Cambio, que obteve dois pontos a menos nas pesquisas.
Felizmente, a reflexão mais rigorosa sobre o surgimento da nova extrema direita começa descartando a utilidade de usar a categoria fascismo para se referir a esse fenômeno. Especialistas no tema, como Pablo Stefanoni e Steven Forti, alertam para a confusão que a simplificação que os grupos de esquerda tendem a fazer ao classificar a nova extrema direita como fascismo pode gerar. Destacam que o fascismo histórico foi marcado por um corporativismo e uma associação com a força militar como base constituinte do projeto político que não aparecem nas origens da nova extrema direita. O clássico Nicos Poulantzas agregava uma importante nota diferencial para distingui-lo das ditaduras do sul europeu: o fascismo projetava seu forte nacionalismo para a conquista externa, tinha uma enorme vocação imperialista. Quem poderia consolidar um regime fascista não eram os que desejavam fazê-lo, mas os que podiam.
Há um amplo consenso sobre as características da nova extrema direita. Seu antiprogressismo e, em especial, seu rechaço à narrativa política progressista se destacam, assim como sua rejeição à globalização econômica, que é a causa de tanta desigualdade. Em relação a isso, mostra um inconformismo social e uma queixa contra as elites liberais, tudo cimentado por uma ideologia libertária radical (uma das manifestações foi o movimento antivacina). E, nesse contexto, apresentam uma aceitação crítica e condicionada do sistema democrático estabelecido.
O maior problema dessa análise da nova extrema direita é sua parcialidade. Como Stefanoni enfatiza, não se pode falar da maneira populista de fazer política ou suas abordagens radicais sem olhar para o outro lado do espectro político. Na América Latina, em particular, a extrema esquerda está presente há vinte anos, com alguns êxitos eleitorais notáveis na Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Peru, a despeito de como evoluíram o processo e seu resultado final.
Ou seja, para examinar de forma integral as mudanças na dinâmica sociopolítica latino-americana, o novo extremismo político na região deve, de fato, ser tratado em ambos os lados do espectro político. Isso também tem antecedentes históricos claros, sobretudo em termos de respeito e defesa das regras do jogo democrático. Não se deve esquecer que, na primeira metade do século XX, não houve só um detrator da democracia liberal, mas dois: o comunismo e o fascismo, ambos representando o extremismo político da época. É verdade que a nova extrema esquerda não reproduz mais os padrões do comunismo, assim como a nova extrema direita não reproduz os do fascismo, mas ambos representam o novo extremismo político que mina o pacto social de que os países precisam como base para o desenvolvimento funcional dos sistemas democráticos. Esse enfoque integral deve ser a correta para evitar que o debate caia em segmentações e meias-verdades.
Autor
Enrique Gomáriz Moraga tem sido pesquisador da FLACSO no Chile e outros países da região. Foi consultor de agências internacionais (UNDP, IDRC, BID). Estudou Sociologia Política na Univ. de Leeds (Inglaterra) sob orientação de R. Miliband.