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O papel da migração venezuelana nas eleições brasileiras

Coautoras Amanda Alencar e Julia Camargo

O tema das migrações aparece nas campanhas eleitorais em diferentes países, especialmente por meio de discursos anti-imigração de caráter racista, xenofóbico e nacionalista. Construídos e amplificados nas mídias, esses discursos têm buscado associar o crescimento da migração a crises econômicas, violência e problemas sociais nos países receptores. Na Europa, nos Estados Unidos e, mais recentemente, na América Latina, partidos políticos de extrema direita têm acionado amplamente esses discursos para mobilizar emoções e instaurar o medo entre os eleitores.

Em sua última campanha eleitoral, o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, buscou se beneficiar das notícias negativas sobre os imigrantes para obter apoio da opinião pública em favor da aprovação do projeto de lei que proibia a entrada de muçulmanos no país e da ampliação do muro na fronteira Estados Unidos-México. A campanha do Brexit, que levou o Reino Unido a retirar formalmente sua adesão à União Europeia, foi também impulsionada pelo apelo anti-imigração e a retomada do controle das fronteiras. As retóricas anti-imigração têm sido invocadas, ainda, em períodos eleitorais, para desviar o debate público de pautas como a inflação, o desemprego e a falta de investimentos em políticas sociais. 

Embora seja reconhecido que políticos de extrema direita se valem da migração para obter ganhos políticos, a eleição presidencial de 2022 no Brasil foi marcada por uma estratégia discursiva diferenciada da extrema direita representada por Jair Bolsonaro e os fluxos recentes de imigração venezuelana para o país. Entre os anos de 2016 e 2020, cerca de 261 mil migrantes venezuelanos chegaram ao Brasil, segundo dados da  Interagency Coordination Platform for Refugees and Migrants, a maioria deles reconhecidos como refugiados em decorrência das próprias políticas de acolhida implementadas pelo governo Bolsonaro.

Nas eleições brasileiras, a ampliação da migração venezuelana não alimentou discursos anti-imigração, mas, ao contrário, foi apropriada pelo governo e seus aliados para a produção e circulação de uma retórica anti-Venezuela. Ao deslocar do medo ao imigrante para a ameaça representada pelo país de origem dos imigrantes – a Venezuela – e seu regime de governo, essa retórica serviu para a extrema direita brasileira alertar sobre o risco de implantação do socialismo e/ou comunismo que poderia representar ao Brasil a eleição do candidato de esquerda, Luís Inácio Lula da Silva, vinculado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Ao longo do governo Bolsonaro e durante a campanha eleitoral, essa retórica impulsionou um tipo de narrativa criada e difundida por setores políticos conservadores latino-americanos que têm buscado vincular a atual situação econômica e política da Venezuela a outras propostas oriundas de campos progressistas na América Latina.

No primeiro debate presidencial transmitido em agosto de 2022 por uma das principais redes de televisão brasileira, Bolsonaro fez uso dessa estratégia em sua última fala: “Quem Lula apoiou no passado? Apoiou Chávez, apoiou Maduro. Para onde foi a Venezuela? Hoje recebemos mais de 500 pessoas por dia lá em Pacaraima, fugindo da fome e da miséria, da violência, pesando em média 15 quilos a menos, e o Lula apoiou estas candidaturas”.

A circulação de conteúdos e denúncias sobre a crise humanitária da Venezuela atribuída ao regime socialista e autoritário de Maduro e desencadeadora da migração venezuelana em massa, contou com a participação de Bolsonaro, de políticos aliados, de eleitores e apoiadores do governo, assim como dos próprios imigrantes venezuelanos. O bordão “O Brasil vai virar uma Venezuela”, que já havia ganhado notoriedade, foi articulado à candidatura e à campanha eleitoral de Bolsonaro em plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e Youtube, assim como em grupos de WhatsApp e Telegram de imigrantes venezuelanos.

O lema “O socialismo segrega, o Brasil acolhe” acompanhado da imagem de duas crianças venezuelanas, compôs uma peça institucional produzida pela Operação Acolhida, Força-Tarefa Logística Humanitária do Exército Brasileiro em conjunto com a Secretaria da Comunicação (SECOM) da Presidência da República e difundida nas redes digitais durante o período eleitoral. A peça convidava a conhecer “os resultados da Força-Tarefa que o governo federal criou para socorrer os refugiados venezuelanos”. A Operação Acolhida é também foco do documentário Acolhidos – A Verdade Sobre o Fracasso da Esquerda na Venezuela, que analisou a trajetória da migração venezuelana recebida no Brasil pela Operação Acolhida.

O documentário, sem identificação de autoria, circulou pelas redes sociais e grupos de WhatsApp a partir de seu compartilhamento no canal do Youtube do empresário e jornalista brasileiro Paulo Figueredo, apoiador de Bolsonaro que mora na Flórida e atua na Jovem Pan, rede de rádio e televisão comercial brasileira alinhada ao governo Bolsonaro. No documentário, refugiados venezuelanos relatam suas experiências na perspectiva de fortalecer o que destaca o texto que acompanha sua divulgação no Youtube: “Vidas despedaçadas, famílias separadas, uma sociedade inteira refém de um regime tirânico e sádico, que colocou 95% da população na pobreza e sempre contou com o apoio e admiração da esquerda brasileira”,

Os migrantes ganham protagonismo também em um vídeo de uma manifestação de venezuelanos  na cidade de Boa Vista Roraima no qual conclamam os brasileiros a votarem em Bolsonaro. Compartilhado no perfil Roraima 24h no Instagram, o vídeo recebeu comentários que também buscavam alertar para o risco do Brasil virar uma Venezuela com a vitória do PT: “Vota, vota e confirma Bolsonaro 22”, e “Reflexo de quem sente na pele o que é o comunismo”, “Isso sim é lição de moral para ‘os brasileiros’, PT nunca mais”.

Eduardo Bittar, influenciador digital venezuelano e coordenador geral de @Rumbo_Libertad, que se apresenta como “movimento de combate venezuelano além de nossa fronteira”, também atuou em favor da eleição de Bolsonaro com testemunhos sobre a ameaça representada pelo socialismo de seu país de origem. No dia 30 de outubro de 2022, data das eleições do segundo turno no Brasil, Bittar postou, em seu perfil no Twitter, um vídeo no qual se dirige, em português, aos brasileiros, para alertar que “há duas direções, uma que leva à vitória da liberdade, a outra, é o caminho que o meu país, a Venezuela, percorreu há várias décadas. Você decide, se garante uma pátria para suas próximas gerações ou pune todos igualmente para viver o inferno do maldito socialismo que acabará é por fazê-los fugir deste país”.

Amanda Alencar é professora Associada do Departamento de Mídia e Comunicação da Erasmus University Rotterdam (Holanda)

Julia Camargo é professora do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM (São Paulo, Brasil).

Autor

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Professora da Escola Superior de Publicidade e Marketing, ESPM (São Paulo). Coord. do grupo de pesquisa Deslocar - Interculturalidade, Cidadania, Comunicação e Consumo. Pesquisadora do Instituto de Comunicação da Univ. Autônoma de Barcelona.

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