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O populismo econômico de Bolsonaro

Bolsonaro introduziu o populismo de direita na América Latina. Como um típico populista, ele recusa-se a enfrentar problemas concretos, muda de posicionamento ao sabor da opinião pública e promete feitos inexequíveis. O problema é que, com isso, o presidente periga afundar o país em crises, sobretudo com relação à sustentabilidade das contas públicas, um grande desafio da economia brasileira.

O uso excessivo do termo “populismo” gera controvérsias.  Muito se critica sua aplicação indiscriminada a líderes que fogem do padrão, geralmente políticos de esquerda. O populismo de direita é novo na América Latina e, portanto, causa desconforto a comparação entre o direitista extremado Bolsonaro e esquerdistas como Chávez, Evo Morales e Cristina Kirchner.

Populistas governam como se estivessem em uma eterna campanha eleitoral, propondo políticas públicas inconsistentes e financeiramente insustentáveis”

Entretanto, o conceito “populismo” pode ser pertinente, desde que seja aplicado com critério. Uma boa definição é a seguinte: populistas governam como se estivessem em uma eterna campanha eleitoral, propondo políticas públicas inconsistentes e financeiramente insustentáveis. Deste ponto de vista, Bolsonaro é uma referência de populismo, principalmente no que toca a economia. 

Em sua longa carreira legislativa, Bolsonaro sempre foi um ferrenho defensor do nacionalismo estatista promovido durante o regime militar, que governou o Brasil entre 1964 e 1984. Fiel a este princípio, o então deputado votou consistentemente contra medidas liberalizantes, tais como privatizações de empresas estatais e a reforma do oneroso sistema nacional de previdência.

Como em um passe de mágica, Bolsonaro converteu-se em um liberal nas eleições de 2018. O candidato entendeu que levaria vantagem ao se apresentar como o campeão nacional da causa anti-PT, aproveitando-se da forte rejeição aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff. A mudança foi surpreendente. Bolsonaro é um crítico ferrenho da agenda social dos petistas, a quem entende por comunistas degenerados. Contudo, em economia ele aproximava-se das iniciativas do partido, cujas administrações notadamente gastadoras e nacionalistas levaram o país à crise fiscal na qual nos encontramos há cinco anos. 

A metamorfose liberal de Bolsonaro tornou-se crível quando o candidato se associou ao atual ministro da economia Paulo Guedes, um PhD em Chicago e ex-trader do mercado financeiro. Durante a campanha, Guedes prometia resolver o problema fiscal deixado pelo PT em um agressivo programa de privatizações. A venda de ativos públicos geraria “trilhões” de reais com os quais o déficit fiscal seria rapidamente zerado.

Após dois anos de governo, as privatizações não saíram do papel”

Após dois anos de governo, as privatizações não saíram do papel. As contas públicas permaneciam no vermelho até que a pandemia as piorou substancialmente: para 2020, projeta-se que o déficit nominal será de 12% do PIB e que a razão dívida-PIB alcançará inéditos 93%. É fato que o COVID-19 foi o principal responsável pela deterioração das contas públicas neste ano. Mas mesmo antes do aparecimento da doença já era claro que os trilhões de Guedes e o liberalismo de Bolsonaro não passavam de quimeras eleitoreiras.

Guedes desmoralizou-se de vez quando o general Braga Neto, Chefe da Casa Civil, lançou o programa Pró-Brasil, uma carta de intenções cujo objetivo é aumentar os investimentos públicos.  O Pró-Brasil foi lançado em plena pandemia, que desnudou a dicotomia em política econômica existente dentro de um governo acéfalo. Enquanto Guedes declarava que reformas desestatizantes contrabalanceariam a recessão que estava por vir, Braga Neto apresentava soluções diametricamente opostas.

E Bolsonaro? Enquanto sua equipe desentendia-se no primeiro semestre de 2020, o presidente parecia não prestar atenção aos urgentes problemas que o país atravessava. Como bom populista, ele recusou-se a apresentar medidas concretas para lidar com a calamidade sanitária, tentando evitar os custos políticos que inevitavelmente surgem em gestões de crise. O presidente minimizou o vírus e atacou as medidas de distanciamento social impostas por prefeitos e governadores.

Bolsonaro foi finalmente forçado a agir quando Congresso e governo negociaram a implementação de um auxílio emergencial para sustentar a renda de trabalhadores vulneráveis, cujo sustento tendia a desaparecer com a pandemia. A equipe econômica do governo propôs um auxílio temporário de 200 reais mensais, valor considerado baixo pela oposição. Sob a liderança de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, o Congresso aprovou um auxílio de 400 reais.

Maia representa a direita tradicional e, por vezes, apresenta-se como adversário de Bolsonaro. Portanto, a aprovação dos 400 reais foi um revés político para o presidente, cuja reação foi rápida: com apoio de partidos de esquerda, seu governo aumentou o auxílio para R$600. Chegou-se a tal cifra sem nenhum estudo de viabilidade ou de custo e benefício.

O populismo de Bolsonaro resultou no maior programa de sustentação de renda em tempos de pandemia do continente”

O populismo de Bolsonaro resultou no maior programa de sustentação de renda em tempos de pandemia do continente, o que tornará a recessão brasileira em 2020 relativamente branda. Mas o custo do auxílio emergencial será de nada menos do que R$322 bilhões, o que equivale a quase 5% do PIB. Por mês, o gasto com o “coronavaucher” é maior do que o bem-sucedido Bolsa Família em todo o ano.

No entanto, os efeitos políticos do auxílio emergencial foram notáveis. O programa condicionou o aumento da popularidade do governo: segundo o Datafolha, a avaliação ótimo ou bom subiu de 32% para 37% entre junho e agosto de 2020. Esta elevação foi substancial no Nordeste, até agora reduto do PT, aonde concentra-se boa parte da população pobre do Brasil.

De olho nas eleições municipais de novembro, Bolsonaro manteve o auxílio emergencial até dezembro, reduzindo-o para 300 reais nestes dois últimos meses. O governo continuou gastando muito apesar da reabertura do comércio e do momentâneo arrefecimento da pandemia durante o segundo semestre. Com o pleito já finalizado, o auxílio aparentemente terminará, mesmo com indícios de que o país está prestes a entrar em uma segunda onda do COVID-19. Ou seja, a política populista e não a pandemia parece determinar o auxílio emergencial.

Resta saber o que acontecerá no ano que vem. Com o jogo político já ditado pelas eleições gerais de 2022, muito provavelmente o governo jogará fora de vez sua agenda liberal e se recusará a cortar gastos. No rastro destas indecisões e desacertos, as contas públicas se deterioram, junto com a saúde da população. A incapacidade do presidente de tomar decisões difíceis aumenta o risco de retorno da inflação e de explosão da dívida pública.

Populistas são míopes e inconsequentes; suas políticas insustentáveis causam crises que podem arruinar países. Foi assim na Argentina de Perón e dos Kirchner, na Venezuela de Chávez e Maduro e, infelizmente, pode acontecer no Brasil de Bolsonaro. Seu governo bota em sério risco a sustentabilidade das contas públicas e a estabilidade da economia brasileira.

Foto del Palacio del Planalto em Foter.com / CC BY

Autor

Historiador econômico. Professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV). Pesquisador Honorário na University College London. Doutor em História Econômica pela London School of Economics and Political Science.

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