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O Procurador do TPI e as vítimas da crise da Venezuela

O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, advertiu (antes da mais recente reunião internacional em Bogotá sobre a crise do país) que um dos requisitos para retomar o diálogo com a oposição era o seguinte: “As políticas de lawfare (ou ‘guerra legal’), as políticas de ataque por meio de aventuras nos tribunais dos Estados Unidos ou por meio do Tribunal Penal Internacional (TPI), devem ser interrompidas porque afetam diretamente nossos líderes mais importantes”. Em resumo, o chavismo exige impunidade perante a corrupção e os crimes de lesa humanidade, para seguir negociando condições eleitorais justas, o levantamento de sanções e a libertação dos presos políticos.

No caso dos EUA, as decisões judiciais e administrativas variaram de acordo com a conveniência política: desde a libertação dos sobrinhos do casal presidencial Maduro-Flores, condenados por tráfico de drogas, e a troca de sete executivos da empresa petrolífera Citgo que estavam presos em Caracas, até a remoção da lista de sancionados da OFAC (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros) de outro sobrinho da primeira-dama Cilia Flores, acusado de lavagem de dinheiro.

Mas no processo aberto do TPI, que está em fase de revisão preliminar, o assunto se complica para os militares e funcionários civis venezuelanos que são acusados de supostos crimes de lesa humanidade, crimes para os quais não há prescrição. Depois da conferência do procurador-chefe do TPI, Karim Khan, organizada pelo Centro Raoul Wallenberg pelos Direitos Humanos e pela Universidade de Ottawa, fica a impressão de que a determinação de quem deverá eventualmente liderar a acusação contra os supostos criminosos do chavismo não será um osso fácil de roer para o regime de Nicolás Maduro.

Karim Khan não falou diretamente sobre o caso da Venezuela, já que não pode emitir uma opinião pública sobre um processo que está sendo revisado. No entanto, o procurador-chefe do TPI insistiu em sua conferência que o desafio mais importante que o tribunal de Haia enfrenta é tornar realidade aquela promessa de “nunca mais” que foi feita após os julgamentos dos hierarcas nazistas em Nuremberg pelo genocídio contra judeus, ciganos e outros grupos humanos. No entanto, essa promessa não foi cumprida, como testemunham os genocídios no Camboja, em Ruanda, nos Bálcãs e as perseguições e massacres mais recentes contra os Rohingya da Birmânia ou os Uighurs na China.

O que está em jogo, segundo Khan, é a credibilidade do sistema de justiça internacional e dos próprios fundamentos da ordem global estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, que serviu, por enquanto (e quem sabe até quando), para evitar outro grande confronto que poderia ter um resultado nuclear.

Como podemos superar o ceticismo e o cinismo com que muitos veem as ações (ou a falta de ações) do TPI? Khan afirmou que os promotores do TPI não são “paraquedistas que podem realizar operações relâmpago contra os acusados de crimes contra a humanidade”, mas sim mostrou exemplos de como a justiça deve ser aplicada. O mais importante para o procurador é ir até o local, ouvir os sobreviventes e as vítimas, entender o contexto social, político, cultural e religioso no qual os crimes foram cometidos.

A justiça não é uma abstração, mas uma ação que tem consequências práticas. Ele mesmo, diante de cenários de conflito e violações de direitos humanos, visitou a Venezuela em 2021 e 2022. Suas viagens a Caracas serviram para forçar o governo de Maduro a assinar um acordo com o TPI, o que implicou a abertura de um escritório do tribunal internacional no país. Embora seja óbvio que o regime chavista tenha procurado lavar o rosto ao receber Khan, o próprio procurador-chefe disse em declarações à imprensa: “Não se pode ser ingênuo, mas também não se pode ser desnecessariamente suspeito, porque assim você não estará sendo imparcial”.

O escritório do procurador do TPI precisa enfrentar restrições orçamentárias, tecnológicas e logísticas. Khan indicou em sua conferência que o TPI gera grandes expectativas para uma ampla gama de casos, mas conta com poucos recursos. O procurador-chefe acredita, no entanto, que a chave é a independência do tribunal e de seu escritório. E quando perguntado sobre aqueles em posições de poder que questionam sua imparcialidade, ele afirmou: “Nós lidamos com o chão, não com o teto”. Enfatizou, por sua vez, que seu foco está  nos sobreviventes e nas vítimas de crimes de lesa humanidade. “Eles não perderam a esperança de que a justiça será feita”, concluiu.

Autor

Profesor del Departamento de Comunicación de la Universidad de Ottawa. Consultor en comunicación y salud, gestión de crisis y responsabilidad social corporativa. Doctor por la Universidad de Montreal.

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