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O que acontece com os centros de processamento de migrantes na América Latina?

Em um comunicado à imprensa em abril de 2023, o governo dos Estados Unidos, por meio do Departamento de Estado e do Departamento de Segurança Interna, anunciou mudanças significativas relacionadas à gestão  migratória. O foco principal foi a redução da migração irregular na região através da ampliação de novas vias legais de proteção e da implementação de processos migratórios seguros e ordenados.

Como parte dessas ações, foi encerrada a ordem de saúde pública temporária sob o Título 42, que havia sido implementada durante a pandemia da Covid-19. No entanto, o levantamento não implicou em uma abertura incondicional da fronteira. Desde 11 de maio, os Estados Unidos retomaram o uso das autoridades migratórias com base no Título 8 para fins de processamento e, em casos de entrada irregular, remoção de pessoas da fronteira de maneira mais ágil.

Com o objetivo de gerenciar os fluxos migratórios de forma coordenada, os Estados Unidos estabeleceriam centros regionais de processamento fora de seu território, estrategicamente localizados em países-chave da América Latina. Esses centros ofereceriam aos migrantes acesso seguro e ordenado por meio de vias legais. E, na luta contra as redes de criminalidade, uma campanha contra o contrabando seria lançada no corredor do Darien com a cooperação do Panamá e da Colômbia.

Essas medidas buscavam alterar a dinâmica de incentivos que impulsiona a migração irregular, tentando evitar que os migrantes arriscassem suas vidas em rotas dominadas por redes de contrabando e tráfico de pessoas. 

É assim que, seis meses após a implementação desses centros de processamento de migrantes fora dos Estados Unidos, promovidos pelo programa Mobilidade Segura e apoiados pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), a avaliação de seu impacto revela desafios significativos. Apesar dos ajustes mencionados na política migratória, esses centros não apenas estão sobrecarregados, mas também não conseguiram conter o fluxo constante de migrantes nas rotas mais perigosas.

A ideia de externalizar o processo migratório gerou um intenso debate sobre a responsabilidade dos Estados Unidos na proteção dos direitos dos solicitantes de asilo e refúgio. Em meio a essa discussão, surgiu a necessidade de encontrar um equilíbrio entre a gestão eficiente da migração e o respeito aos direitos humanos.

Para entender melhor as mudanças trazidas pelo governo Biden, conforme mencionado acima, é necessário que voltemos alguns meses atrás, quando foi anunciada a revogação do Título 42. A conexão entre a finalização do Título 42 e a criação dos centros de migração é inegável. A revogação dessa medida emergencial não só mudou as condições na fronteira, mas também levantou questionamentos sobre a capacidade dos centros dentro dos Estados Unidos de lidar com a situação.

A revogação dessa disposição, três anos após o início da pandemia, marcou uma mudança na fronteira sul dos Estados Unidos. A emergência sanitária, que permitia a remoção acelerada de solicitantes de asilo para o México, deu lugar ao Título 8, uma lei de longa data alterada com novas regras que endureceram as condições para a entrada de migrantes irregulares.

Essas novas medidas introduziram consequências mais duras para aqueles que tentam ingressar de forma irregular nos Estados Unidos. Embora o Título 8 conceda mais tempo para a apresentação de casos de asilo, as alterações recentes estabelecem circunstâncias limitadas sob as quais uma petição será aceita.

Diferentemente do Título 42, que não estabelecia proibições de reentrada, o Título 8 impõe restrições mais severas. Aqueles que forem deportados de acordo com essas novas regras serão impedidos de ingressar nos Estados Unidos pelo menos nos próximos cinco anos, e aqueles que tentarem reingressar poderão enfrentar processos penais.

No entanto, a administração de Biden enfatizou a importância de proporcionar vias seguras e legais para a migração. Nesse sentido, antes da finalização do Título 42, já havia sido anunciada a criação de centros de processamento na América Latina, para que os migrantes pudessem solicitar a entrada aos Estados Unidos. 

Em junho de 2023, o governo dos Estados Unidos anunciou a abertura desses centros de migração em vários pontos da região. Historicamente, as estratégias de controle migratório têm se concentrado principalmente no México e na América Central. Entretanto, a abertura de centros na Colômbia e em outros países sugere uma mudança de foco para uma política migratória hemisférica.

Atualmente, os Centros do Programa de Mobilidade Segura estabelecidos em vários países da América Latina oferecem programas específicos para diferentes nacionalidades. O Programa de Mobilidade Segura na Colômbia é destinado a cidadãos de nacionalidade cubana, haitiana e venezuelana que estavam em território colombiano até 11 de junho de 2023. Esse programa busca facilitar a movimentação segura e legal para os Estados Unidos e outros países. Essa localização reconhece a Colômbia como um ponto crucial na rota de milhares de pessoas que buscam refúgio, especialmente por meio da perigosa travessia da selva do Darién.

Da mesma forma, na Costa Rica, o Programa de Mobilidade Segura é voltado para cidadãos de nacionalidade nicaraguense e venezuelana que estavam presentes no território costarriquenho em 12 de junho de 2023 ou antes dessa data. No Equador, o programa é destinado a pessoas de nacionalidade cubana, haitiana, nicaraguense, venezuelana e colombiana que estavam presentes no território equatoriano em 18 de outubro de 2023 ou antes.  No caso da Guatemala, o programa é destinado a pessoas de nacionalidade guatemalteca. 

Esses novos procedimentos buscam oferecer caminhos seguros e legais para os Estados Unidos, em uma tentativa de reduzir a necessidade de que as pessoas refugiadas e migrantes coloquem suas vidas nas mãos de contrabandistas e evitem viajar por rotas perigosas e irregulares. Além disso, aqueles que se enquadrarem nos requisitos terão a oportunidade de serem considerados para admissão regular em outros países, como Espanha e Canadá.

No entanto, essa última alternativa de considerar outros países como nações anfitriãs deve ser cuidadosamente monitorada para evitar tensões diplomáticas, por um lado, e, mais importante, para garantir os direitos dessa população, por outro.

A decisão de abrir esses centros ocorre em um momento politicamente delicado para o governo Biden. As críticas da oposição sobre a gestão da migração e as acusações de incentivo à migração têm sido persistentes. Com as eleições de 2024 no horizonte, Biden enfrenta a pressão de abordar a migração de forma efetiva para evitar consequências políticas negativas.

Um dos desafios mais urgentes está na capacidade desses centros de lidar eficientemente com o processo de solicitação de asilo. A experiência prévia com centros similares destacou a importância de agilizar os procedimentos para evitar atrasos que poderiam contribuir para situações humanitárias difíceis nesses países terceiros. A falta de uma resposta rápida leva ao congestionamento dos centros e a tempos de espera prolongados para os migrantes.

Por exemplo, no caso da Colômbia, as solicitações são abertas todos os dias úteis a partir das 8h (horário local) por um período limitado até que uma cota diária seja atingida. Na maioria dos dias, essa cota e o horário de fechamento são atingidos antes de meio-dia.

As críticas à implementação desses centros não demoraram a surgir. Organizações não governamentais e defensores dos direitos humanos expressaram preocupação com a real capacidade desses centros de garantir condições dignas aos migrantes. A falta de transparência nos processos e a possibilidade de violações dos direitos humanos são preocupações legítimas que devem ser abordadas para garantir a conformidade com os padrões internacionais.

O papel dos centros de migração torna-se, portanto, um ponto focal para avaliar não apenas a efetividade da política migratória dos Estados Unidos, mas também a capacidade de coordenar uma gestão migratória regional, uma demanda que tem sido escutada pela sociedade civil, de maneira repetida, durante os últimos anos. 

Os programas recentes para venezuelanos, haitianos, cubanos e nicaraguenses demonstram um esforço para oferecer vias legais para a migração, reconhecendo a grave situação em seus países de origem. Entretanto, os requisitos em alguns casos, como a necessidade de um patrocinador nos Estados Unidos, podem excluir pessoas vulneráveis e desfavorecidas ou, na pior das hipóteses, facilitar o tráfico de pessoas.

Apesar dos esforços para antecipar uma possível grande crise migratória, os desafios permanecem. A astúcia das redes criminosas para continuar capturando pessoas por meio da rota do Darien ou rotas marítimas e a incerteza sobre a velocidade dos processos nos centros são fatores que afetaram a funcionalidade dessa medida.

Autor

Profesora de la Pontificia Universidad Javeriana (Bogotá) y candidata a Doctora en Derecho por la Universidad Nacional de Colombia. Especializada en movimentos migratórios, estudios de género y política venezolana.

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