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O retorno de Lula à política?

O Brasil afunda em negacionismo, militarização, anticientificismo, fundamentalismo religioso, desinformação, empobrecimento, destruição de direitos e atividade miliciana. A média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias bateu recorde e chegou a 1.645 pessoas. A queda livre do país vem desde o impeachment sem crime de responsabilidade de Dilma Rousseff, um golpe de Estado com roupagem institucional. A eleição de Jair Bolsonaro, notório defensor da ditadura militar e da tortura, acelerou a implosão, um pouco por ser parte de seu projeto político, um tanto por incompetência gerencial. Nesse contexto, o retorno à cena política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva muda completamente o panorama político brasileiro.

A anulação dos processos de Lula

No dia 08 de marco, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou que o então juiz Sergio Moro e a Justiça Federal do Paraná não tinham competência para julgar os processos em que o ex-presidente Lula foi condenado (esses processos terão seu mérito analisado na Justiça Federal do Distrito Federal). Assim, as condenações foram anuladas e Lula não está mais inelegível. O STF julga ainda a suspeição de Moro, isto é, se ele foi parcial.

Pesquisa do Instituto Ipec, inquirindo sobre a possibilidade de se votar em dez potenciais presidenciáveis e o nível de rejeição de cada um deles, aponta Lula com o maior potencial de vitória.

Lula, que deixou o governo com 87% de popularidade, depois foi preso e viu crescer na população uma imagem negativa sobre sua honestidade, agora ressurge como o anti-Bolsonaro.

Como reconheceu recentemente o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a condenação de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro foi um processo viciado. O período escolhido para a investigação foi aquele em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no governo, apesar das evidências de que a corrupção na Petrobras e nas empreiteiras começou décadas antes.

As sombras da Operação Lava Jato

Em vez de julgador imparcial, o ex juiz Sergio Moro traçou estratégia para condenar Lula. Em completa perversão institucional, os procuradores da Operação Lava Jato foram instruídos por ele como agir. Formavam uma equipe inquisitória em que o juiz era chefe do Ministério Público.

O colunista Gaspard Estrada foi enfático sobre a Lava Jato no The New York Times: “Era vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história brasileira.”

Tão verdadeiro quanto irônico, dado que a narrativa fantasiosa da Lava Jato era justamente a de que Lula e o PT protagonizaram o maior escândalo de corrupção da história do Brasil.

Entretanto, a operação só entrou na berlinda com o escândalo conhecido como Vaza Jato: uma série de reportagens que começou em 2019, quando o site de notícias The Intercept Brasil teve acesso a conversas privadas no aplicativo Telegram envolvendo procuradores da Lava Jato e Sergio Moro.

Com o material foram escritas reportagens evidenciando o caráter de perseguição política da operação e mesmo de interesses econômicos privados dos operadores dela. O furo de reportagem do Intercept foi complementado quando a Polícia Federal prendeu hackers suspeitos de invadir celulares de Moro, procuradores e outras autoridades.

Havia mais mensagens escandalosas trocadas entre juiz e procuradores, que o ministro do STF Ricardo Lewandowski permitiu à defesa de Lula acessar. Um único ministro do STF votou contra essa permissão: Fachin.

A condenação comprometeu a eleição presidencial de 2018, que colocou Bolsonaro na chefia do governo federal. Desde 2016 Lula liderava as intenções de voto com cerca de 15 pontos percentuais acima do segundo colocado. Em meados de 2017 Bolsonaro já aparecia em segundo. Ambos numa ascendente, sem um terceiro colocado ameaçando aquela polarização.

Quando Fernando Haddad substituiu Lula como candidato já a um mês da eleição, tinha 6% de intenção de voto, contra os 39% de Lula treze dias antes. Ainda assim, chegou ao segundo turno, mas perdeu. Não é exagero afirmar que a prisão política de Lula determinou a vitória bolsonarista. Como prêmio, Bolsonaro nomeou Moro ministro da Justiça.

O procurador que liderou a Operação Lava Jato, no Ministério Público do Paraná, Deltan Dallagnol, publicizou em entrevista coletiva em 2016 sua acusação com um slide amador em que Lula aparecia como chefe de quadrilha.

Na ocasião, Dallagnol afirmou terem “convicção” de que Lula era criminoso, enquanto seu colega Henrique Pozzobon admitiu que não tinham “provas cabais”. Quando Moro condenou Lula, baseou-se fundamentalmente em delações premiadas. Há condenação por possuir imóveis que não estão no nome de Lula, e tampouco está provada relação deles com propinas envolvendo contratos da Petrobras.

Nas delações premiadas, criminosos obtêm vantagens (desde não precisarem devolver parte do dinheiro da corrupção até terem atenuada sua prisão) em troca de delatar supostos cúmplices. Não apenas tal troca pode assumir ares de chantagem como seria necessário que provas concretas fossem obtidas para confirmar as acusações.

Em conversas no Telegram, Dallagnol zombou que as más condições da cadeia levariam à cooperação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, na delação premiada.

O ministro do STF Gilmar Mendes declarou em 2019 que “hoje se sabe de maneira muito clara que usavam a prisão provisória como elemento de tortura. Isso aparece nas declarações do site Intercept, feitas por gente como Dallagnol e Moro.”

O impeachment sem crime de 2016

Quando Dilma Rousseff foi derrubada, o STF considerou legal o impeachment sem crime, abstendo-se de defender a substância da Constituição e restringindo-se a observar que os ritos foram seguidos pelo Legislativo.

Os opositores do golpe sempre lembram que os interessados em tirar antidemocraticamente o PT do poder tinham colaboração no STF. Bem antes da Vaza Jato, isso ficou sugerido em diálogo do senador –depois ministro de Michel Temer– Romero Jucá com Sergio Machado, presidente da Transpetro.

Jucá revelou conversa com “uns ministros do Supremo”, que afirmariam que com Dilma não haveria estabilização. Machado observou que “a solução mais fácil” seria Temer assumir a presidência, “num grande acordo nacional”, no que Jucá complementou: “Com o Supremo, com tudo”.

O STF se dividiu quanto a condenar ou apoiar os abusos da Lava Jato. Em 2016, referindo-se ao ministro do STF Luiz Fux, Dallagnol informou aos procuradores no Telegram: “Caros, conversei com o Fux mais uma vez, hoje. Reservado, é claro […] Disse para contarmos com ele para o que precisarmos.”

Moro comentou com Dallagnol: “In Fux we trust”. Em 2015, Dallagnol se reuniu com Fachin e comemorou com outros procuradores: “Aha uhu o Fachin é nosso.”

O retorno do Lula e o começo de um novo capítulo

Agora que Fachin colocou Lula novamente no jogo, proliferam interpretações de por que um lavajatista como ele tomou tal decisão: apenas evitou futura derrota sua no STF, tentou salvar Moro e a Lava Jato, ou acredita que Lula será condenado no Distrito Federal?

De todo modo, agora o clima é diferente: Lula não está acuado, Bolsonaro perde popularidade e a Lava Jato está desacreditada. Na antidemocrática eleição de 2018, sem Lula e com fake news, o Brasil, movido por antipetismo, escolheu o fascismo. Agora, apesar da impressionante resiliência de quase um terço dos brasileiros fiel ao projeto fascista, há uma nova chance. Para quem sobreviver à pandemia.


Episódio relacionado de nosso podcast:

Foto de Lula Marques/Agência PT

Autor

Profesor de la Escuela de Ciencia Política de la Univ. Federal del Estado de Rio de Janeiro (UNIRIO). Doctor en C. Política por IESP/UERJ. Coord. del Centro de Análisis de Instit., Políticas y Reflexiones de América, África y Asia (CAIPORA / UNIRIO).

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